domingo, 13 de dezembro de 2015

ENTREVISTA COM A ONÇA DE SÃO SEBASTIÃO

Foi assim... a onça apareceu e a minha prima Míriam Sana, tremendo da cabeça aos sapatos, a fotografou. Ela, confiável e muito, viu, mas estremeceu. Com isso a imprensa chamou a Onça de São Sebastião do Rio Preto de Suposta, acrescentando-lhe um prenome duvidoso. Ora, a Onça existe e a entrevistei. Com um pouco menos de medo, meu Sapo preferido, que fica debaixo da ponte e bate matraca a noite toda, conversou com ela, ajudada por um Gambá que se tornara amigo da onça de verdade.
                       
O encontro com esse segundo maior felídeo neotropical do Brasil foi marcado para o Estádio João Rodrigues de Moura, recentemente reinaugurado, exatamente na linha divisória do gramado. O horário não tive escolha: às 5 horas da madrugada, quando mais da metade dos habitantes locais de seres humanos estão dormindo. Para garantir a minha integridade, o Sapo da Ponte da Rua de Cima e o Gambá da Rua de Baixo ficaram no meio entre ela e eu. E ela é ela mesmo, do gênero feminino, que hoje exerce o cargo mais alto de protetora dos últimos selvagens com o nome simpático de Rainha Onça.

Tudo pronto, vamos ao bate-papo:

ZÉ DO BURRO — Querida Onça, que novidade é essa, vocês aparecem aqui em São Sebastião do Rio Preto?
RAINHA ONÇA  — Não é novidade. Estávamos nas imediações há muito tempo. Somente agora vocês, muito lerdos e bobos, estão nos vendo.

ZÉ DO BURRO — A senhora conhece bem o povo desta cidade?
RAINHA ONÇA  — Claro. Conhecemos toda a região. Eu, por exemplo, me desloco para uma área de 10 km2 a 40 km². Esta é a nossa característica.

ZÉ DO BURRO — Mas eu insisto nisto: a senhora andou sumida. Agora está aparecendo em lugares simultâneos. Isso é planejado pela sua raça?
RAINHA ONÇA  — Sim, porque o meio ambiente está permitindo. Nós sentimos que o ser humano está mais acessível e anda nos proporcionando mais espaços. Disseram outro dia, numa reunião de vocês, que a nossa vida vale mais que a vida dos antigos mandões.

ZÉ DO BURRO — A sua turma já sabe que todos sabem disso?
RAINHA ONÇA  — Temos informantes em todos os locais.

ZÉ DO BURRO — A senhora sabe que o Geraldo Quintão está doido pra fotografar a senhora?
RAINHA ONÇA  — Oh!!! Por que você não o trouxe? Fale pra ele que estou às ordens. É aquele moço novo mas da cabeça branca que transporta escolares? Estou à disposição...

ZÉ DO BURRO — O que mais está facilitando a aproximação de sua turma?
RAINHA ONÇA  — Vamos citar alguns pontos: vocês não empreendem mais aquela caça terrível; terminaram com o desmatamento e deixam que a floresta continue descendo para a cidade e parecem com um pouco menos de medo de nós.
ZÉ DO BURRO — O IBGONÇA fará um senso “oncígeno”. A sua comunidade pretende ajudar?
RAINHA ONÇA  — Ainda não fomos procurados. Logo quando os entrevistadores chegarem aqui tomaremos as medidas e deixaremos até que uma turma nossa acompanhe vocês nesta mini-floresta.

ZÉ DO BURRO — Em que cidade da região a sua população é maior?
RAINHA ONÇA  — Aqui em São Sebastião, porque temos mais montanhas em volta da cidade. Nas outras cidades também existimos, mas há outras raças, como a preta e a pintada.

ZÉ DO BURRO — Vocês se entendem bem entre si — pardas, pretas e pintadas?
RAINHA ONÇA  — Quando a situação está difícil, a briga é sempre muito acirrada. Neste momento, estamos nos desentendendo um pouquinho. Contudo, a possibilidade de reconciliação deve acontecer porque estamos nos infiltrando nessas cidades, mais compreensivos que são os seus habitantes. Acho que não vai faltar comida para ninguém.

ZÉ DO BURRO — A senhora fala da crise econômica do Brasil?
RAINHA ONÇA  — Isso, a crise está por enquanto começando, ouço esse comentário por aí. Espero que não vá adiante.

ZÉ DO BURRO — Alguns idiotas que querem amenizar dizem que vocês são as tais jaguatiricas, mais parecidas com gatos. Há essas por aí?
RAINHA ONÇA  — (risos)... Vocês estão vendo... Olhe bem pra mim e veja se tenho alguma coisa de jaguatirica!...

ZÉ DO BURRO — Para matar a fome, a senhora já comeu alguém desta região?
RAINHA ONÇA  — Olha, não posso falar de todas as nossas turmas que estão espalhadas na região, mas entre Passabém, São Sebastião, Santo Antônio, Morro do Pilar, Itambé do Mato Dentro, Carmésia e Ferros, temos feito abstinência de carne humana, por enquanto.

ZÉ DO BURRO — A abstinência vai acabar?
RAINHA ONÇA  — Isso eu não sei porque temos uma diversidade muito grande de onças famintas. Espero que a situação não fique difícil demais.

ZÉ DO BURRO — O que estão comendo?
RAINHA ONÇA  — Cães, gatos, bezerros, galinhas e pequenos animais similares. Mas existem outras presas. Somos predadores de 85 espécies de animais diferentes e estamos no topo da cadeia alimentar. Temos mandíbulas fortes e somos os únicos felinos que matam suas presas perfurando o crânio com os caninos, podendo até rachar cascos de tartaruga. A habilidade em nadar está relacionada com a proximidade da água. Aqui na região temos muitos rios, mas estão praticamente secos. A natureza morre aos poucos e isso nos prejudica muito.

ZÉ DO BURRO — A sua turma tem preferência para caçar animais domésticos ou selvagens, ou humanos?
RAINHA ONÇA  — Com a fome nós comemos de tudo. Mas podem ficar tranquilos, contribuímos e muito para o equilíbrio ambiental e de segurança. Acho que as cobras são muito perigosas para vocês e estamos destruindo uma a uma. Quanto às preferências de seres humanos, é claro que preferimos os mais gordos. Ninguém entre nós gosta de gente magricela.

ZÉ DO BURRO — Uma cunhada que tenho, a Sininha, me disse que na comunidade do Porto, que ela e sua irmã Magui chamam de capital, vocês estão mandando mais que a turma de lá. É verdade?
RAINHA ONÇA  — Para falar a verdade, não sei. Estive no Porto somente uma vez, mas lá temos alguns chefes que comandam. Vou saber deles...

ZÉ DO BURRO — Por que quem manda agora é a senhora e não a Onça macho?
RAINHA ONÇA  — Vocês devem ter ouvido falar da expressão “no tempo do onça”, não é? Naquele tempo quem mandava era a Onça macho. Agora somos nós, as fêmeas.

ZÉ DO BURRO — A senhora acha que o mundo vai bem?
RAINHA ONÇA  — Na selva, sim, vai muito bem. Mas entre vocês estamos vendo que tudo está uma avacalhação muito grande. O Brasil deixou de ser um país sério, no Oriente estão matando e jogando fora — que desperdício! Ali mesmo em Itabira, o pau está quebrando. Paramos de ir ali de medo de sermos caçados.

ZÉ DO BURRO — O símbolo de São Sebastião é o Gambá. A senhora se importa de a cidade mudar para Onça Parda?
RAINHA ONÇA  — Não me importo nada, mas não gostaria de desagradar ao meu amigo Gambá. Ele gosta de cachaça mas eu prefiro a carne. Só se fizermos uma sociedade e isso não depende de mim. Mas temos outras pendências ainda a resolver.

ZÉ DO BURRO — Muito obrigado por esta entrevista.
RAINHA ONÇA  — De nada. Estou sempre às ordens. Precisando de mim, falem com o Sapo da Ponte. Ele me conhece muito bem. Ou com esse Gambá da Rua de Baixo. Em caso de necessidade, podem procurar o prefeito que é nosso amigo, o Antônio Celso, ou o Zé Eugênio, gente boa. Zé Eugênio, aliás, seria o último dos habitantes do planeta Terra que comeríamos, por ser magro demais.

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