quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

HISTÓRIA VERÍDICA DO INACREDITÁVEL (Capítulo 1)

Ocorrência que promete ser a melhor do ano

Estamos, eu e mais algumas pessoas, em Santana do Cata-Prego. Nada de carpinteiro existe por aqui, apesar do prego. O que vejo são morros, ruas estreitas, trânsito maluco, pernilongos, dengue demais e um exagerozinho de crimes de todas as naturezas. Só falta a poeira para empatar de 8 x 8 com Itabira. Portanto, a terra do minério de ferro está vencendo de 9 x 8. Mas o berço de Drummond pode perder a partida depois de umas peladas de rua que começam em meados de 2006, ou 2008, por aí. Vamos à frente e prometo ser o mais preciso possível, apesar de obrigado a ofuscar nomes e até detalhes de feições para não caçar briga com ninguém. Nem ser caçado.

Fique calmo você que me lê. Prometo narrar a história de forma clara, leal e sucinta. Vamos aos fatos:

— Ih, nossa!
— O que foi?
— Estou me sentindo mal. Acho que preciso ir ao Pronto-Socorro.
— O que há com você, Enéias?
— Estou meio tonto, mulher!
— Quer ir mesmo?
— Vamos aguardar... acho que tenho um pouco de febre... te falei que quase não dormi esta noite, Karen.
— Acho que você deve ir mesmo. Vou chamar um táxi agora.
— Então, tá, pode chamar.

O carinho de um com o outro era notado por muita gente. Muitos e muitos anos de paz, amor e ternura. Não parecia que já faz em torno de 15 anos de matrimônio. Os dois trabalhando, cada um no seu canto, em muitos anos juntos, sempre vendendo alguma coisa e Karen sempre se mostrando uma excepcional vendedora. O marido mais dado ao escritório de contabilidade de que era sócio. Ele, ela e os filhos Ana, 13, Adília, 11, e Wilton, 7. Alguma coisa que pudesse abalar a união? Parece que não. Se havia, ficava guardado entre as paredes da casa, simples mas muito bem cuidada, as filhas também ajudando e a “patroa” sempre foi exigente. O garoto ainda pequeno, uma criança quase de colo.

O rapaz, com os seus 37 anos por aí, Enéias, foi levado de táxi para o Hospital São Geraldo da Piedade, casa de saúde que sobrevive a duras penas com ajudas daqui e dali,  crises contínuas que sempre vêm com ameaças de fechamento. A mulher, verdadeira esposa do lar, mesmo trabalhando fora, mantém toda a juventude dos seus 34 anos bem contados e vividos. Casou-se antes dos 20, enfrentou a onça da vida difícil e cara de Cata-Prego e acabou formando uma família de três amados e delicados filhos. No hospital foram dias difíceis. Houve momentos em que os amigos de Enéias, na cidade, convocavam-se uns aos outros porque corria boatos de que ele estava mal. E, na verdade, “a coisa tá feia”, segundo palavras desses amigos fiéis.. E foram vários dias ou até meses de sofrimento naquele verdadeiro pardieiro em que o Hospital São Geraldo da Piedade se naufragou. Sopravam algumas enfermeiras nos corredores: “Estamos nas mãos das traças”. A solidariedade, todavia, crescia dia a dia, os amigos chegavam, gente das duas famílias arregaçavam as mangas e, finalmente, o moço sorriu, voltou ao trabalho e se mostrou completamente curado.Apesar da demora, o seu caso foi chamado de “milagre”, pois Enéias não teve diagnosticada a doença que quase o levou para o outro lado da vida.

Assim os dias se passaram. A casa ficava sempre cheia de visitas à noite. Afinal de contas, Santana do Cata-Prego sempre teve uma comunidade solidária, apesar de alguns deturpadores da situação, os quais sempre os há. Grandes amigos da família desde muitos anos, sempre aparecia por lá o jornalista/radialista Nielsen Moreira, o conheço bem desde os tempos de sua chegada à cidade.Trata-se de um rapaz de uns presumíveis 40 anos, sempre ajudado na vida pela esposa, Nancy e pela filha Karla. Foi através de Nielsen, que sempre batalhou para não perder a luta da vida, que vários problemas se resolveram Por isso ele tem a mulher e a filha ao lado conduzindo uma lanchonete e através dela ampliando a expectativa de almoços bem temperados que, aos poucos, se tornam cada vez mais deliciosos e famosos.

Até que um dia, Nancy ficou conhecendo uma peça diferente, de outro estado, do Paraná e da cidade de São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba. Antonieta chegou, não era uma moça bonita, mas tinha simpatia, mesmo meio prosaica, loira ou ruiva, 1 metro e 49, por aí, magra, corpo bem cuidado, uns 29 anos. Ela foi procurar emprego na lanchonete que servia pratos no almoço e hamburgeres o dia todo, e acabou conquistando a confiança da família Nielsen-Marilda-Karla. Assim o tempo foi passando. Nada a ver a moça loira ou ruiva do Paraná com o casal descrito no início, feliz, cujo chefe de família passara um bom tempo sofrendo no hospital da cidade, acho que a cidade só tem um ou, sei lá, podem ser dois hospitais e algumas clínicas.

A monotonia da vida continuou nesta história. Nada especial aconteceu durante cerca de dois anos. Nesse tempo, a moça paranaense foi embora, deixando o emprego e com marca de boa amizade na família de seus patrões. Até por que Nielsen, Nancy e Karla sempre conviveram e convivem bem com todos. Ao avaliar, depois, o caráter de Antonieta, a quem às vezes tratavam Nieta, havia somente elogios para ela, principalmente nas redondezas da lanchonete daquele bairro um pouco agitado de Santana do Cata-Prego, o Esperança. Foi embora a moça e muitos por ela perguntavam. Mas, extrovertida e cheia de vida, correspondia com as pessoas e mostrava que tinha saudade da terrinha em que viveu por mais de dois anos. Tanto que um dia retornou para passear. O passeio foi tão bem aproveitado que ela ficou durante trinta dias hospedada na casa dos seus ex-patrões.

Foi assim:

— Cheguei! Que saudade! — um abraço bem apertado no pessoal da casa. Nielsen, como sempre alegre, sorridente, um gentleman, ficou feliz com aquela presença. Nancy nem se fala e também a adolescente Karla.

— Seja bem-vinda! — a receptividade da dona da casa foi de deixar a visita à vontade. Essa visita foi logo avisando:
— Vim aqui para matar a saudade! Vocês me conquistaram. Mas prometo não incomodar, nem demorar muito. Estou de férias. Tenho um trabalho num shopping em São Carlos com dia marcado para retornar.

Nada, nada, nada de protocolo. Antonieta, a menina de São Carlos, já era muito querida da casa. Ela não precisava se explicar demais, fora funcionária da lanchonete durante um bom tempo. Agora havia retornado à terra natal e, depois, a Cata-Prego que a conquistara, segundo ela, definitivamente. Por causa de uma presença mais livre na cidade, andou pelos morros e ruelas da cidade, fez mais amizades, encontrou com as velhas companhias conhecidas até que, enfim, foi apresentada por Nancy à esposa do Enéias, aquela que vive bem com o marido, na alegria, na tristeza, na doença e com os três lindos e inteligentes filhos. O encontro foi uma espécie de amizade à primeira vista. Elas se amarraram num papo longo que durou o horário do café da tarde e até de uma saída a uma igreja por perto para umas orações protocolares.

Tanto foi que ambas se entenderam que, no dia seguinte, Nancy flagrou Karen tratando Antonieta de simplesmente “Nieta” e pensou consigo mesma: “Para 24 horas de amizade, ou nem isso porque ambas dormiram, chamar de um diminutivo já era um grande progresso para uma amizade”. No entanto, nada a temer na cabeça de Nancy, afinal se Karen era bem casada, as duas eram mulheres. E, com certeza, também não lhe veio a ideia de um “amor gay”, muito na moda nesses tempos loucos, segundo principalmente as gerações passadas, mas fora de cogitações pelo que conhecia a sua ex-funcionária, agora hóspede de poucos dias.

— Vem cá, Karen, vamos assentar aqui para conversar. (Estavam na casa de Nancy).
— Espere aí, Nietinha, já vou, um minuto só... de que vamos tratar? (A proximidade da amizade passou de encurtamento do nome para um diminutivo carinhoso.

— Olha, minha amiguinha, vou viajar amanhã para minha terra, precisamos anotar os nosso endereços todos e combinarmos uns detalhes. Não são apenas os números que temos, mas outros e outros. E eu queria fazer a você uma surpresa...
— Ah é? Eu adoro uma surpresa, Nieta! Faça de uma vez.
— É o seguinte: tenho um amigo em João Pessoa, no Piauí, que gostaria de apresentar a você.
— Não entendi, minha filha. Me apresentar? Nos cafundós do Piauí? Você deve estar brincando, né querida?
— Não, ele é amigo de meu namorado, de minha  cidade, que se tornou amigo dele e meu em João Pessoa. Vou explicar melhor: o meu namorado, Ladinho (Geraldo Bonifácio) morou em João Pessoa e formou-se em mecânica metalúrgica com ele.E convidou ele para mudar-se para São Carlos para trabalhar numa montadora de veículos. Ele, Marcos Aurélio, que fiquei conhecendo, é um cara que você deve querer para você durante toda a vida.

Karen pigarreia de propósito:
— Que é isso, minha filha? Não estou procurando nem namorado nem amigo! Estou tranquila com a minha vida!
— Pensei que o seu casamento estivesse balanceando, na corda bamba!
— Olha, todo casamento parece que balança um dia, no outro conserta. A minha vó sempre diz que “casamento bem feito balança mas não cai”.
— Pense bem se não quer conhecer o Marcos. Vamos conversar pela internet. Aqui está o meu Zap, o Face, e-mail etc. Me dá o seu aí.

Pronto. As duas estavam ligadas. Prometeram se comunicar sempre. Uma enviando mensagens e telefonemas de São Carlos, trabalhando num shopping como secretária de uma empresa, com o seu queridíssimo Ladinho, e a outra em Santana do Cata-Prego, Minas Gerais, numa loja de muito serviço, movimento e prestígio, ao lado de sua família adorada. Afinal, Karen tinha que ajudar o marido a cuidar da família e os filhos entrando numa idade de muitos gastos nos estudos.

Na hora de partir para a longa viagem, no entanto, com cautela, a loira paranaense não aguentou e fez a pergunta melíflua:

— Posso pedir ao Marcos Aurélio para entrar em contato com você?
Karen mergulhou-se num mais turvo pensamento: “Ah, não! Por que essa minha amiga, tão boa, de que gostei tanto, insiste tanto nesse tal de Marcos Aurélio?” E ficou cabisbaixa na hora do abraço de despedida. Parecia cair uma lágrima do olho de Antonieta. Diante disso, não teve uma alternativa, gaguejou um pouco, prolongou a sua capacidade respiratória e acabou cedendo:

— Tá bem, tá bem! Ele pode me mandar uma mensagem por e-mail, depois vejo se dou resposta. Mas, por favor não passe o meu número de celular para ninguém.

Antonieta se apressou para não ouvir nem mais uma negativa e disse, por último:

— Foi bom demais conhecer você. Falamos depois. Tchau!

— Tchau!


(Não percam o próximo capítulo)

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