Ocorrência que
promete ser a melhor do ano
Estamos, eu e
mais algumas pessoas, em Santana do Cata-Prego. Nada de carpinteiro existe por
aqui, apesar do prego. O que vejo são morros, ruas estreitas, trânsito maluco,
pernilongos, dengue demais e um exagerozinho de crimes de todas as naturezas.
Só falta a poeira para empatar de 8 x 8 com Itabira. Portanto, a terra do
minério de ferro está vencendo de 9 x 8. Mas o berço de Drummond pode perder a
partida depois de umas peladas de rua que começam em meados de 2006, ou 2008,
por aí. Vamos à frente e prometo ser o mais preciso possível, apesar de
obrigado a ofuscar nomes e até detalhes de feições para não caçar briga com
ninguém. Nem ser caçado.
Fique calmo você
que me lê. Prometo narrar a história de forma clara, leal e sucinta. Vamos aos
fatos:
— Ih, nossa!
— O que foi?
— Estou me
sentindo mal. Acho que preciso ir ao Pronto-Socorro.
— O que há com
você, Enéias?
— Estou meio
tonto, mulher!
— Quer ir mesmo?
— Vamos
aguardar... acho que tenho um pouco de febre... te falei que quase não dormi
esta noite, Karen.
— Acho que você
deve ir mesmo. Vou chamar um táxi agora.
— Então, tá,
pode chamar.
O carinho de um
com o outro era notado por muita gente. Muitos e muitos anos de paz, amor e
ternura. Não parecia que já faz em torno de 15 anos de matrimônio. Os dois
trabalhando, cada um no seu canto, em muitos anos juntos, sempre vendendo
alguma coisa e Karen sempre se mostrando uma excepcional vendedora. O marido
mais dado ao escritório de contabilidade de que era sócio. Ele, ela e os filhos
Ana, 13, Adília, 11, e Wilton, 7. Alguma coisa que pudesse abalar a união?
Parece que não. Se havia, ficava guardado entre as paredes da casa, simples mas
muito bem cuidada, as filhas também ajudando e a “patroa” sempre foi exigente.
O garoto ainda pequeno, uma criança quase de colo.
O rapaz, com os
seus 37 anos por aí, Enéias, foi levado de táxi para o Hospital São Geraldo da
Piedade, casa de saúde que sobrevive a duras penas com ajudas daqui e
dali, crises contínuas que sempre vêm
com ameaças de fechamento. A mulher, verdadeira esposa do lar, mesmo
trabalhando fora, mantém toda a juventude dos seus 34 anos bem contados e
vividos. Casou-se antes dos 20, enfrentou a onça da vida difícil e cara de
Cata-Prego e acabou formando uma família de três amados e delicados filhos. No
hospital foram dias difíceis. Houve momentos em que os amigos de Enéias, na
cidade, convocavam-se uns aos outros porque corria boatos de que ele estava
mal. E, na verdade, “a coisa tá feia”, segundo palavras desses amigos fiéis.. E
foram vários dias ou até meses de sofrimento naquele verdadeiro pardieiro em
que o Hospital São Geraldo da Piedade se naufragou. Sopravam algumas
enfermeiras nos corredores: “Estamos nas mãos das traças”. A solidariedade,
todavia, crescia dia a dia, os amigos chegavam, gente das duas famílias
arregaçavam as mangas e, finalmente, o moço sorriu, voltou ao trabalho e se
mostrou completamente curado.Apesar da demora, o seu caso foi chamado de
“milagre”, pois Enéias não teve diagnosticada a doença que quase o levou para o
outro lado da vida.
Assim os dias se
passaram. A casa ficava sempre cheia de visitas à noite. Afinal de contas,
Santana do Cata-Prego sempre teve uma comunidade solidária, apesar de alguns
deturpadores da situação, os quais sempre os há. Grandes amigos da família
desde muitos anos, sempre aparecia por lá o jornalista/radialista Nielsen
Moreira, o conheço bem desde os tempos de sua chegada à cidade.Trata-se de um
rapaz de uns presumíveis 40 anos, sempre ajudado na vida pela esposa, Nancy e
pela filha Karla. Foi através de Nielsen, que sempre batalhou para não perder a
luta da vida, que vários problemas se resolveram Por isso ele tem a mulher e a
filha ao lado conduzindo uma lanchonete e através dela ampliando a expectativa
de almoços bem temperados que, aos poucos, se tornam cada vez mais deliciosos e
famosos.
Até que um dia,
Nancy ficou conhecendo uma peça diferente, de outro estado, do Paraná e da
cidade de São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba. Antonieta chegou, não
era uma moça bonita, mas tinha simpatia, mesmo meio prosaica, loira ou ruiva, 1
metro e 49, por aí, magra, corpo bem cuidado, uns 29 anos. Ela foi procurar
emprego na lanchonete que servia pratos no almoço e hamburgeres o dia todo, e acabou
conquistando a confiança da família Nielsen-Marilda-Karla. Assim o tempo foi
passando. Nada a ver a moça loira ou ruiva do Paraná com o casal descrito no
início, feliz, cujo chefe de família passara um bom tempo sofrendo no hospital
da cidade, acho que a cidade só tem um ou, sei lá, podem ser dois hospitais e
algumas clínicas.
A monotonia da
vida continuou nesta história. Nada especial aconteceu durante cerca de dois
anos. Nesse tempo, a moça paranaense foi embora, deixando o emprego e com marca
de boa amizade na família de seus patrões. Até por que Nielsen, Nancy e Karla
sempre conviveram e convivem bem com todos. Ao avaliar, depois, o caráter de
Antonieta, a quem às vezes tratavam Nieta, havia somente elogios para ela,
principalmente nas redondezas da lanchonete daquele bairro um pouco agitado de
Santana do Cata-Prego, o Esperança. Foi embora a moça e muitos por ela
perguntavam. Mas, extrovertida e cheia de vida, correspondia com as pessoas e
mostrava que tinha saudade da terrinha em que viveu por mais de dois anos.
Tanto que um dia retornou para passear. O passeio foi tão bem aproveitado que
ela ficou durante trinta dias hospedada na casa dos seus ex-patrões.
Foi assim:
— Cheguei! Que
saudade! — um abraço bem apertado no pessoal da casa. Nielsen, como sempre
alegre, sorridente, um gentleman, ficou feliz com aquela presença. Nancy nem se
fala e também a adolescente Karla.
— Seja
bem-vinda! — a receptividade da dona da casa foi de deixar a visita à vontade.
Essa visita foi logo avisando:
— Vim aqui para
matar a saudade! Vocês me conquistaram. Mas prometo não incomodar, nem demorar
muito. Estou de férias. Tenho um trabalho num shopping em São Carlos com dia
marcado para retornar.
Nada, nada, nada
de protocolo. Antonieta, a menina de São Carlos, já era muito querida da casa.
Ela não precisava se explicar demais, fora funcionária da lanchonete durante um
bom tempo. Agora havia retornado à terra natal e, depois, a Cata-Prego que a conquistara,
segundo ela, definitivamente. Por causa de uma presença mais livre na cidade,
andou pelos morros e ruelas da cidade, fez mais amizades, encontrou com as
velhas companhias conhecidas até que, enfim, foi apresentada por Nancy à esposa
do Enéias, aquela que vive bem com o marido, na alegria, na tristeza, na doença
e com os três lindos e inteligentes filhos. O encontro foi uma espécie de
amizade à primeira vista. Elas se amarraram num papo longo que durou o horário
do café da tarde e até de uma saída a uma igreja por perto para umas orações
protocolares.
Tanto foi que
ambas se entenderam que, no dia seguinte, Nancy flagrou Karen tratando
Antonieta de simplesmente “Nieta” e pensou consigo mesma: “Para 24 horas de
amizade, ou nem isso porque ambas dormiram, chamar de um diminutivo já era um
grande progresso para uma amizade”. No entanto, nada a temer na cabeça de
Nancy, afinal se Karen era bem casada, as duas eram mulheres. E, com certeza,
também não lhe veio a ideia de um “amor gay”, muito na moda nesses tempos
loucos, segundo principalmente as gerações passadas, mas fora de cogitações
pelo que conhecia a sua ex-funcionária, agora hóspede de poucos dias.
— Vem cá, Karen,
vamos assentar aqui para conversar. (Estavam na casa de Nancy).
— Espere aí,
Nietinha, já vou, um minuto só... de que vamos tratar? (A proximidade da
amizade passou de encurtamento do nome para um diminutivo carinhoso.
— Olha, minha
amiguinha, vou viajar amanhã para minha terra, precisamos anotar os nosso
endereços todos e combinarmos uns detalhes. Não são apenas os números que
temos, mas outros e outros. E eu queria fazer a você uma surpresa...
— Ah é? Eu adoro
uma surpresa, Nieta! Faça de uma vez.
— É o seguinte:
tenho um amigo em João Pessoa, no Piauí, que gostaria de apresentar a você.
— Não entendi,
minha filha. Me apresentar? Nos cafundós do Piauí? Você deve estar brincando,
né querida?
— Não, ele é
amigo de meu namorado, de minha cidade,
que se tornou amigo dele e meu em João Pessoa. Vou explicar melhor: o meu
namorado, Ladinho (Geraldo Bonifácio) morou em João Pessoa e formou-se em
mecânica metalúrgica com ele.E convidou ele para mudar-se para São Carlos para
trabalhar numa montadora de veículos. Ele, Marcos Aurélio, que fiquei
conhecendo, é um cara que você deve querer para você durante toda a vida.
Karen pigarreia
de propósito:
— Que é isso,
minha filha? Não estou procurando nem namorado nem amigo! Estou tranquila com a
minha vida!
— Pensei que o
seu casamento estivesse balanceando, na corda bamba!
— Olha, todo
casamento parece que balança um dia, no outro conserta. A minha vó sempre diz
que “casamento bem feito balança mas não cai”.
— Pense bem se
não quer conhecer o Marcos. Vamos conversar pela internet. Aqui está o meu Zap,
o Face, e-mail etc. Me dá o seu aí.
Pronto. As duas estavam
ligadas. Prometeram se comunicar sempre. Uma enviando mensagens e telefonemas
de São Carlos, trabalhando num shopping como secretária de uma empresa, com o
seu queridíssimo Ladinho, e a outra em Santana do Cata-Prego, Minas Gerais,
numa loja de muito serviço, movimento e prestígio, ao lado de sua família
adorada. Afinal, Karen tinha que ajudar o marido a cuidar da família e os
filhos entrando numa idade de muitos gastos nos estudos.
Na hora de
partir para a longa viagem, no entanto, com cautela, a loira paranaense não
aguentou e fez a pergunta melíflua:
— Posso pedir ao
Marcos Aurélio para entrar em contato com você?
Karen
mergulhou-se num mais turvo pensamento: “Ah, não! Por que essa minha amiga, tão
boa, de que gostei tanto, insiste tanto nesse tal de Marcos Aurélio?” E ficou
cabisbaixa na hora do abraço de despedida. Parecia cair uma lágrima do olho de
Antonieta. Diante disso, não teve uma alternativa, gaguejou um pouco, prolongou
a sua capacidade respiratória e acabou cedendo:
— Tá bem, tá
bem! Ele pode me mandar uma mensagem por e-mail, depois vejo se dou resposta.
Mas, por favor não passe o meu número de celular para ninguém.
Antonieta se
apressou para não ouvir nem mais uma negativa e disse, por último:
— Foi bom demais
conhecer você. Falamos depois. Tchau!
— Tchau!
(Não percam o próximo capítulo)
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