A amizade aproxima-se de seu objetivo. E a vida continua
(Capítulo 4)
E estamos em setembro
de 2008 numa casa da Rua das Flores, cidade de Cata-Prego, Estado de Minas
Gerais, Brasil, América do Sul, Mundo. Karen Helena, com coragem e tudo, parte
para a frente do espelho e se olha assustada. “Nossaaaa... preciso de um recauchutagem
urgente!” — clamou de si para si a situação de seu semblante,. como se fosse um
pneu desgastado. Os olhos fundos e profundos, escuros, olheiras quase roxas como
se tivesse levado uns incríveis bofetadas. As sobrancelhas requerem trato especial de algum profissional
qualificado. A face clara paira um pouco
inchada como uma manga rosa exposta na fruteira da copa. Não se acha bonita nem
antes nem agora ao sair da cama. Ou melhor, na sua perene humildade, requer as
coisas lindas somente para outras pessoas. Sinal insofismável de virtudes que trouxe do berço,
da mãe, um pouco do pai saudoso. Veio a
conclusão imediata: “Preciso me cuidar!” Ou ir ao borracheiro?
Correu direto ao
smarthphone e o encontra cheio de mensagens. No Facebook havia uma foto sua
com a família: filho, filhas e a mãe amada, adorada, os filhos venerados.
Faltou o marido, repórter de “Diário de Cata-Prego”. As opiniões dos amigos em
comentários nunca variavam: “Lindos, lindos, lindos!”. Olhou uma foto sua feita no trabalho, melhor dizendo,
numa feira realizada na cidade. Ela como recepcionista, depois expositora, a
seguir vendedora, a profissão nata. Clicou em fotos e os inarredáveis
comentários: “Linda, linda, linda”. E voltou a pensar: “Se eu fizer um sélfie
ou selfie (inglês) e postar, com
essa feiúra toda, juro que vão comentar
mesmo assim: ‘Linda, linda, linda’. Então, devo ouvir a minha opinião
somente e digo a mim mesma que estou
horrível, horrível, horrorosa. Vou ligar pro salão de beleza e pronto, devo
cuidar de mim”. Papo final, horário marcado para a tarde. Era um sábado desses
sem agitação, nem casamentos, nem aniversários.
Por conta do
nada ter o que fazer, vai ao computador. Abre o No
Facebook. Lá está o “amigo” Marcos Aurélio com mensagens e
suplicando atenção: “Bom dia, querida amiga!” — o anúncio de sua
presença às 9:15. A seguir outra mensagem: “Quero mais uma foto sua. Me
envia? Anexo uma minha para vc espantar baratas”. Que diabo, pensou Karen,.
ele já tem a minha foto. Mas isso é bom. Sinal de haver insistência em ser
amigo porque viu a minha cara de há muito. Com certeza, gostou dela. Karen
Helena ainda não respondeu. Esperou. e leu “Escrevendo” — informa a tecnologia
do MSN, ou melhor, havia pulado para o WhatsApp. Adiante: “Outro sélfie para você!”. E
Karen repara bem a imagem: “Não parece bonito de morrer, não é um galã de
cinema de Hollywood nem um ser bronzeado como um artista havaiano. Isso me
convence de uma coisa: ele não é trapaceiro”. As fotos eram normais, ou seja,
ele nem muito lindo, mas razoavelmente bonito. Avaliou o rapaz: alto, moreno,
sem cabeça chata como os nordestinos, tudo bem. Mas o que importa são as
palavras, afinal, eram apenas amigos e assim queria continuar sempre,
desfrutando de sua cultura.
Deu as suas respostas.
Desta vez mais branda, bem amena e diferente do contato passado. Respeitosa, amiga, interessada numa amizade
nordestina. Ter amigos nesses lugares é bom. Quem sabe, um dia, uma temporada
de descanso? O Nordeste é, hoje, uma região muito requisitada pelo resto do
Brasil. Acabou-se aquele tempo de ter pena do povo por causa da seca, de
esperar que o governo implemente aqueles planos especiais de ajuda ao
agricultor, ou ao fazendeiro. Nada como do tempo de Vidas Secas, drama
inconteste de Graciliano Ramos. Então, dedilharam muito, muito, muito. Marcos
Aurélio cada vez mais interessante, ela avaliava. Escreve bem, pensou. Expressa
sentimentos com a autoridade de quem os sente. Faz expressões vivas tornarem-se uma espécie de
sussurros. Como? Vou ver se dá para explicar: parece que ela está perto dele,
sentindo seu hálito, vendo seus gestos, algo assim notável e de gosto apurado.
Ele conta casos de sua amizade com Antonieta, com 22 anos, seis anos mais nova.
“Nossa! Graças a Deus, não haverá nada mais que amizade entre nós porque tenho
34 e não vou mesmo namorar um verdadeiro menino para mim. Já tenho uma filha de
13, outra de 11 e um menino de 7. Posso me soltar mais porque você se parece um amigo muito leal!” — escreveu a ele
de supetão, quase sem pensar. Arrependeu-se mas não dava tempo mais de apagar.
Deixa pra lá, pensou..
“Idade não
interessa!” — Exclama o paraibano vendo escorrer por entre as teclas do
computador a sua esperança, pois o que deseja, de verdade é conquistar aquela
mineira muito bem recomendada pela amiga Nieta, moradora de São José dos
Pinhais. Nessa conversa via Zap-Zap que
se passou houve várias tentativas de um papo por telefone, uma conversa mais
natural. Ambos tentaram discar, mas nada concretizado. Ficou a promessa de se
falarem pelo som e, no bate-papo,
clareou-se mais o desejo de Karen de trocar palavras vivas, normais. Nada de
relevante, pensou Karen, porque foi muito bom saber que ele se expressa bem e é
bom trocar palavras com quem respeita o nosso achincalhado idioma. Então, na verdade, há, neste dia de contato,
muita vibração positiva, aquilo que Karen sempre ouve nas palestras ou nos
livros de autoajuda, muito comum, a mesma linguagem dos especialistas no tema.
E em casa? Como
estava o ambiente familiar? Uma pequena mudança que os filhos notaram, é claro,
mas parecia algo assim com um único culpado: os pernilongos. O quê? — alguém se
assustaria. Que diabo de pernilongos são esses? O seguinte: Karen e Enéias
tiveram uma pequena discussão. Voz baixa. Nada de gritos de ciúme por parte da
mulher, apenas um princípio forte de amor próprio. É o que ocorre com as pessoas hoje
em dia: “O único problema do casamento é a falta de confiança” — já
escrevia em sua coluna do jornal Estado
de Minas, em 1952, a conselheira e guia
sentimental Ivone Borges Botelho. A afirmativa continuou valendo como se fosse
uma lei para os anos seguintes.
E nisso aparece
o intruso, mas quem sabe providencial, o Sapo da Ponte para fazer abrir um novo parêntese como
no capítulo anterior. Ele chega com os seus ensinamentos. Diz que o mais
importante de toda a história do casamento é a mudança de comportamento,
sentimento, entendimento. Vem dizendo
que no tempo do onça os homens nunca tinham contato com a
namorada senão por recados, às vezes rápidos encontros na rua, ou um aceno de mão. Se
gostava da menina, chamava um cupido para conversar com ela ou escrevia aos
pais dela. Para pedir casamento, mesmo
sem contato algum um com a outra, escrevia uma carta, ou incumbia alguém de
fazer por ele. A resposta do pai da moça quase sempre vinha, no caso de
positiva, marcando já a data do casório. Se fosse negativa, havia o respeito
total e cancelavam-se os sonhos. Não havia naqueles tempos o esquentar de
impetuosas paixões.
O Sapo esclarece
que quando e enquanto havia namoro, perdurava também o mesmo comportamento de
antes, nem um toque nas mãos, não havia esse “desrespeito”. O bicho, coaxando
bem alto, explicava o seguinte: “O pai da moça queria saber que o pretendente
da sua filha era, fisicamente, um homem
normal. Ou seja, se tinha o costume de ‘trocar o óleo’ em alguma casa de tolerância”. Em
outras palavras, a família da moça queria ter sempre a certeza de que o
namorado ou noivo jamais ficaria com o seu par antes do casamento. “Sexo antes
de se casar é não somente pecado, como também um risco porque, tratando-se de
uma desvirginada ela ficaria marcada para sempre”, concluiu o Sapo que explica,
ainda a necessidade de se saber o estado financeiro do futuro namorado. Aí o
bichinho pula fora e fecha este parêntese.
Voltamos à casa
de Karen, onde o ambiente não pesou em nada. Apenas o casal acertou que ela
dormiria em outro quarto por causa dos pernilongos. Parecia brincadeira, mas a explicação é a seguinte:
ele, Enéias, queria sempre dormir com a janela aberta. Ela, Karen não aceitava,
porque esses “Culex Pepeans Fatigans” (nove científico do extrator de sangue)
preferem a mulher. A explicação da separação de corpos aos filhos se deu assim,
exatamente para que ninguém se envolva. De si para si, Karen explicou-se que
precisava dar um tempo ou uma oportunidade para o marido. Chegou a confidenciar
a uma de suas amigas de trabalho, Elenice, que queria ser reconquistada pelo
Enéias.
Aí segue a vida.
De longe, Marcos se julgava já apaixonado, interessado, louco para ir à frente
com Karen. Assim, ocorreu um longo bate-papo já no mês de dezembro do mesmo
ano, 2008. Falaram-se muitas vezes por telefone. Quando um não encontrava o
outro, deixavam mensagens nas redes particulares. Mas o normal passou a ser o
falatório que aumentava — e muito mesmo — as contas telefônicas. Contudo, surgiu
um pouco mais tarde o telefone via WhatsApp, totalmente gratuito, as trocas de
afagos aconteciam ao vivo e quase a cores. Inacreditável era a percepção de
Karen. Pensava ela que a voz do amigo fosse algo assim entrecheada de arranhos,
um pouco fanhosa. Será o sotaque do Nordeste? Ou é uma alteração feita pela
distância, pois estavam a mais de 2.800 quilômetros de separação física.
À amizade ela já
havia se entregado inteiramente. Considerava Marcos Aurélio um verdadeiro guru,
talvez um psicólogo de graça. Todas as suas questões mundanas contava para ele,
ou por escrito pelo WhatsApp ou MSN ou num telefonema. Eram problemas do seu
casamento que se desmoronava aos poucos, dos filhos que os sentia diferentes ou
no relacionamento com os demais familiares e até amigos. Certo dia, Karen
gritou ao telefone umas expressões fantásticas de elogios ao amigo. Disse que
estava se sentindo cada vez mais segura quando conversava com ele, agradeceu-o
penhoradamente
Chegou a época do Natal e do Ano-Novo e aconteceu um
fato interessante: Karen quis comprar um presente para o seu amigo. Resolveu,
então, ligar para a amiga Antonieta, como sempre a cupido dessa amizade que se
empenhava em tornar-se namoro ou amor. E a ligação:
— O que você
acha de eu lhe dar um presente, Nieta?
— Espetacular!
Boa ideia, minha amiga.
— O que você,
então, me sugere?
— Tenho que
pensar. Você me dá um tempo? Acho que preciso ligar para ele.
— Então, aguardo
a sua chamada, Nieta. Tão logo me fale, vou comprar e envio a ele.
— Olhe —
antecipou Antonieta — eu devo ir lá me encontrar com o meu amor, né? O rapaz de
que lhe falei, Geraldo Bonifácio, que é colega de emprego do Marcos em João
Pessoa. Devo passar por lá as festas de fim de ano. Posso levar o presente dele
ou eu mesma comprar para você.
— Olha, me veio uma luz aqui agora — diz Karen — não vou dar
presente nenhum. Ele é meu amigo e nem penso em transformar isso em namoro.
Dar-lhe um presente vai parecer interesse meu. Minha mãe me ensina que uma
mulher nunca deve se antecipar ao homem no interesse sentimental — concluiu Karen e deu como encerrado o
assunto.
E Karen volta
para si mesma. Percebe uma mudança operando: era muito calada e se tornou uma
tagarela. Mas nunca contava tudo, deixava as pessoas sem saber, logicamente, o
que se passava com ela. Fazia perguntas incríveis às pessoas. Por exemplo:
— Você acredita
no amor?
— Existe ilusão
e existe amor de verdade?
— A grande
descoberta do ser humano na terra chama-se amor?
— As pessoas
podem apaixonar-se mais de uma vez?
— O amor existe
na adolescência ou na idade madura?
Caminhava pelas
ruas de sua cidade sempre à cata de uma pessoa com quem falar. Não encontrava,
no entanto, as que desejava abrir-lhes o coração. Quando aparecia alguém mais
confiável, levava-lhe a notícia, que seria de uma paixão que “atravessava o
coração de alguém” mas nem dizia nenhum dos “alguéns”, o de lá ou a de cá.
Percebeu que falava muito e precisava se conter. Lembrou-se de uma palestra em
que o palestrante dizia: “A grande utopia das pessoas é encontrar ouvintes”.
Naquela ocasião, o conselho do psicólogo que falava tinha o seguinte conselho:
“Não ceda! Só fale com quem o quer ouvir. Normalmente — explicou na ocasião —
as pessoas querem falar, somente falar.
Nelson
Rodrigues, escritor brasileiro que brilhou no seu tempo (década de 1960) e
continua ainda vendendo livros, apesar de estar em outro plano de vida. Segundo
ele, somente duas pessoas nos ouvem hoje, o psicanalista e o médium espírita.
Ao primeiro pagamos para que nos ouça; ao segundo apenas nos curvamos a uma
nova fé religiosa. “A igreja vazia também é um ouvinte: — ouvia o eterno e
ouvia o sagrado, que estão enterrados em nós”, escreveu o dramaturgo.
E estamos em setembro
de 2008 numa casa da Rua das Flores, cidade de Cata-Prego, Estado de Minas
Gerais, Brasil, América do Sul, Mundo. Karen Helena, com coragem e tudo, parte
para a frente do espelho e se olha assustada. “Nossaaaa... preciso de um recauchutagem
urgente!” — clamou de si para si a situação de seu semblante,. como se fosse um
pneu desgastado. Os olhos fundos e profundos, escuros, olheiras quase roxas como
se tivesse levado uns incríveis bofetadas. As sobrancelhas requerem trato especial de algum profissional
qualificado. A face clara paira um pouco
inchada como uma manga rosa exposta na fruteira da copa. Não se acha bonita nem
antes nem agora ao sair da cama. Ou melhor, na sua perene humildade, requer as
coisas lindas somente para outras pessoas. Sinal insofismável de virtudes que trouxe do berço,
da mãe, um pouco do pai saudoso. Veio a
conclusão imediata: “Preciso me cuidar!” Ou ir ao borracheiro?
Correu direto ao
smarthphone e o encontra cheio de mensagens. No Facebook havia uma foto sua
com a família: filho, filhas e a mãe amada, adorada, os filhos venerados.
Faltou o marido, repórter de “Diário de Cata-Prego”. As opiniões dos amigos em
comentários nunca variavam: “Lindos, lindos, lindos!”. Olhou uma foto sua feita no trabalho, melhor dizendo,
numa feira realizada na cidade. Ela como recepcionista, depois expositora, a
seguir vendedora, a profissão nata. Clicou em fotos e os inarredáveis
comentários: “Linda, linda, linda”. E voltou a pensar: “Se eu fizer um sélfie
ou selfie (inglês) e postar, com
essa feiúra toda, juro que vão comentar
mesmo assim: ‘Linda, linda, linda’. Então, devo ouvir a minha opinião
somente e digo a mim mesma que estou
horrível, horrível, horrorosa. Vou ligar pro salão de beleza e pronto, devo
cuidar de mim”. Papo final, horário marcado para a tarde. Era um sábado desses
sem agitação, nem casamentos, nem aniversários.
Por conta do
nada ter o que fazer, vai ao computador. Abre o No
Facebook. Lá está o “amigo” Marcos Aurélio com mensagens e
suplicando atenção: “Bom dia, querida amiga!” — o anúncio de sua
presença às 9:15. A seguir outra mensagem: “Quero mais uma foto sua. Me
envia? Anexo uma minha para vc espantar baratas”. Que diabo, pensou Karen,.
ele já tem a minha foto. Mas isso é bom. Sinal de haver insistência em ser
amigo porque viu a minha cara de há muito. Com certeza, gostou dela. Karen
Helena ainda não respondeu. Esperou. e leu “Escrevendo” — informa a tecnologia
do MSN, ou melhor, havia pulado para o WhatsApp. Adiante: “Outro sélfie para você!”. E
Karen repara bem a imagem: “Não parece bonito de morrer, não é um galã de
cinema de Hollywood nem um ser bronzeado como um artista havaiano. Isso me
convence de uma coisa: ele não é trapaceiro”. As fotos eram normais, ou seja,
ele nem muito lindo, mas razoavelmente bonito. Avaliou o rapaz: alto, moreno,
sem cabeça chata como os nordestinos, tudo bem. Mas o que importa são as
palavras, afinal, eram apenas amigos e assim queria continuar sempre,
desfrutando de sua cultura.
Deu as suas respostas.
Desta vez mais branda, bem amena e diferente do contato passado. Respeitosa, amiga, interessada numa amizade
nordestina. Ter amigos nesses lugares é bom. Quem sabe, um dia, uma temporada
de descanso? O Nordeste é, hoje, uma região muito requisitada pelo resto do
Brasil. Acabou-se aquele tempo de ter pena do povo por causa da seca, de
esperar que o governo implemente aqueles planos especiais de ajuda ao
agricultor, ou ao fazendeiro. Nada como do tempo de Vidas Secas, drama
inconteste de Graciliano Ramos. Então, dedilharam muito, muito, muito. Marcos
Aurélio cada vez mais interessante, ela avaliava. Escreve bem, pensou. Expressa
sentimentos com a autoridade de quem os sente. Faz expressões vivas tornarem-se uma espécie de
sussurros. Como? Vou ver se dá para explicar: parece que ela está perto dele,
sentindo seu hálito, vendo seus gestos, algo assim notável e de gosto apurado.
Ele conta casos de sua amizade com Antonieta, com 22 anos, seis anos mais nova.
“Nossa! Graças a Deus, não haverá nada mais que amizade entre nós porque tenho
34 e não vou mesmo namorar um verdadeiro menino para mim. Já tenho uma filha de
13, outra de 11 e um menino de 7. Posso me soltar mais porque você se parece um amigo muito leal!” — escreveu a ele
de supetão, quase sem pensar. Arrependeu-se mas não dava tempo mais de apagar.
Deixa pra lá, pensou..
“Idade não
interessa!” — Exclama o paraibano vendo escorrer por entre as teclas do
computador a sua esperança, pois o que deseja, de verdade é conquistar aquela
mineira muito bem recomendada pela amiga Nieta, moradora de São José dos
Pinhais. Nessa conversa via Zap-Zap que
se passou houve várias tentativas de um papo por telefone, uma conversa mais
natural. Ambos tentaram discar, mas nada concretizado. Ficou a promessa de se
falarem pelo som e, no bate-papo,
clareou-se mais o desejo de Karen de trocar palavras vivas, normais. Nada de
relevante, pensou Karen, porque foi muito bom saber que ele se expressa bem e é
bom trocar palavras com quem respeita o nosso achincalhado idioma. Então, na verdade, há, neste dia de contato,
muita vibração positiva, aquilo que Karen sempre ouve nas palestras ou nos
livros de autoajuda, muito comum, a mesma linguagem dos especialistas no tema.
E em casa? Como
estava o ambiente familiar? Uma pequena mudança que os filhos notaram, é claro,
mas parecia algo assim com um único culpado: os pernilongos. O quê? — alguém se
assustaria. Que diabo de pernilongos são esses? O seguinte: Karen e Enéias
tiveram uma pequena discussão. Voz baixa. Nada de gritos de ciúme por parte da
mulher, apenas um princípio forte de amor próprio. É o que ocorre com as pessoas hoje
em dia: “O único problema do casamento é a falta de confiança” — já
escrevia em sua coluna do jornal Estado
de Minas, em 1952, a conselheira e guia
sentimental Ivone Borges Botelho. A afirmativa continuou valendo como se fosse
uma lei para os anos seguintes.
E nisso aparece
o intruso, mas quem sabe providencial, o Sapo da Ponte para fazer abrir um novo parêntese como
no capítulo anterior. Ele chega com os seus ensinamentos. Diz que o mais
importante de toda a história do casamento é a mudança de comportamento,
sentimento, entendimento. Vem dizendo
que no tempo do onça os homens nunca tinham contato com a
namorada senão por recados, às vezes rápidos encontros na rua, ou um aceno de mão. Se
gostava da menina, chamava um cupido para conversar com ela ou escrevia aos
pais dela. Para pedir casamento, mesmo
sem contato algum um com a outra, escrevia uma carta, ou incumbia alguém de
fazer por ele. A resposta do pai da moça quase sempre vinha, no caso de
positiva, marcando já a data do casório. Se fosse negativa, havia o respeito
total e cancelavam-se os sonhos. Não havia naqueles tempos o esquentar de
impetuosas paixões.
O Sapo esclarece
que quando e enquanto havia namoro, perdurava também o mesmo comportamento de
antes, nem um toque nas mãos, não havia esse “desrespeito”. O bicho, coaxando
bem alto, explicava o seguinte: “O pai da moça queria saber que o pretendente
da sua filha era, fisicamente, um homem
normal. Ou seja, se tinha o costume de ‘trocar o óleo’ em alguma casa de tolerância”. Em
outras palavras, a família da moça queria ter sempre a certeza de que o
namorado ou noivo jamais ficaria com o seu par antes do casamento. “Sexo antes
de se casar é não somente pecado, como também um risco porque, tratando-se de
uma desvirginada ela ficaria marcada para sempre”, concluiu o Sapo que explica,
ainda a necessidade de se saber o estado financeiro do futuro namorado. Aí o
bichinho pula fora e fecha este parêntese.
Voltamos à casa
de Karen, onde o ambiente não pesou em nada. Apenas o casal acertou que ela
dormiria em outro quarto por causa dos pernilongos. Parecia brincadeira, mas a explicação é a seguinte:
ele, Enéias, queria sempre dormir com a janela aberta. Ela, Karen não aceitava,
porque esses “Culex Pepeans Fatigans” (nove científico do extrator de sangue)
preferem a mulher. A explicação da separação de corpos aos filhos se deu assim,
exatamente para que ninguém se envolva. De si para si, Karen explicou-se que
precisava dar um tempo ou uma oportunidade para o marido. Chegou a confidenciar
a uma de suas amigas de trabalho, Elenice, que queria ser reconquistada pelo
Enéias.
Aí segue a vida.
De longe, Marcos se julgava já apaixonado, interessado, louco para ir à frente
com Karen. Assim, ocorreu um longo bate-papo já no mês de dezembro do mesmo
ano, 2008. Falaram-se muitas vezes por telefone. Quando um não encontrava o
outro, deixavam mensagens nas redes particulares. Mas o normal passou a ser o
falatório que aumentava — e muito mesmo — as contas telefônicas. Contudo, surgiu
um pouco mais tarde o telefone via WhatsApp, totalmente gratuito, as trocas de
afagos aconteciam ao vivo e quase a cores. Inacreditável era a percepção de
Karen. Pensava ela que a voz do amigo fosse algo assim entrecheada de arranhos,
um pouco fanhosa. Será o sotaque do Nordeste? Ou é uma alteração feita pela
distância, pois estavam a mais de 2.800 quilômetros de separação física.
À amizade ela já
havia se entregado inteiramente. Considerava Marcos Aurélio um verdadeiro guru,
talvez um psicólogo de graça. Todas as suas questões mundanas contava para ele,
ou por escrito pelo WhatsApp ou MSN ou num telefonema. Eram problemas do seu
casamento que se desmoronava aos poucos, dos filhos que os sentia diferentes ou
no relacionamento com os demais familiares e até amigos. Certo dia, Karen
gritou ao telefone umas expressões fantásticas de elogios ao amigo. Disse que
estava se sentindo cada vez mais segura quando conversava com ele, agradeceu-o
penhoradamente
Chegou a época do Natal e do Ano-Novo e aconteceu um
fato interessante: Karen quis comprar um presente para o seu amigo. Resolveu,
então, ligar para a amiga Antonieta, como sempre a cupido dessa amizade que se
empenhava em tornar-se namoro ou amor. E a ligação:
— O que você
acha de eu lhe dar um presente, Nieta?
— Espetacular!
Boa ideia, minha amiga.
— O que você,
então, me sugere?
— Tenho que
pensar. Você me dá um tempo? Acho que preciso ligar para ele.
— Então, aguardo
a sua chamada, Nieta. Tão logo me fale, vou comprar e envio a ele.
— Olhe —
antecipou Antonieta — eu devo ir lá me encontrar com o meu amor, né? O rapaz de
que lhe falei, Geraldo Bonifácio, que é colega de emprego do Marcos em João
Pessoa. Devo passar por lá as festas de fim de ano. Posso levar o presente dele
ou eu mesma comprar para você.
— Olha, me veio uma luz aqui agora — diz Karen — não vou dar
presente nenhum. Ele é meu amigo e nem penso em transformar isso em namoro.
Dar-lhe um presente vai parecer interesse meu. Minha mãe me ensina que uma
mulher nunca deve se antecipar ao homem no interesse sentimental — concluiu Karen e deu como encerrado o
assunto.
E Karen volta
para si mesma. Percebe uma mudança operando: era muito calada e se tornou uma
tagarela. Mas nunca contava tudo, deixava as pessoas sem saber, logicamente, o
que se passava com ela. Fazia perguntas incríveis às pessoas. Por exemplo:
— Você acredita
no amor?
— Existe ilusão
e existe amor de verdade?
— A grande
descoberta do ser humano na terra chama-se amor?
— As pessoas
podem apaixonar-se mais de uma vez?
— O amor existe
na adolescência ou na idade madura?
Caminhava pelas
ruas de sua cidade sempre à cata de uma pessoa com quem falar. Não encontrava,
no entanto, as que desejava abrir-lhes o coração. Quando aparecia alguém mais
confiável, levava-lhe a notícia, que seria de uma paixão que “atravessava o
coração de alguém” mas nem dizia nenhum dos “alguéns”, o de lá ou a de cá.
Percebeu que falava muito e precisava se conter. Lembrou-se de uma palestra em
que o palestrante dizia: “A grande utopia das pessoas é encontrar ouvintes”.
Naquela ocasião, o conselho do psicólogo que falava tinha o seguinte conselho:
“Não ceda! Só fale com quem o quer ouvir. Normalmente — explicou na ocasião —
as pessoas querem falar, somente falar.
Nelson
Rodrigues, escritor brasileiro que brilhou no seu tempo (década de 1960) e
continua ainda vendendo livros, apesar de estar em outro plano de vida. Segundo
ele, somente duas pessoas nos ouvem hoje, o psicanalista e o médium espírita.
Ao primeiro pagamos para que nos ouça; ao segundo apenas nos curvamos a uma
nova fé religiosa. “A igreja vazia também é um ouvinte: — ouvia o eterno e
ouvia o sagrado, que estão enterrados em nós”, escreveu o dramaturgo.
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