segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

HISTÓRIA VERÍDICA DO INACREDITÁVEL. (Capítulo 6)

O PASSO DIFÍCIL DA AMIZADE PARA O AMOR

Enéias chegou cedo à sua casa, viu e sentiu com um certo ressentimento, de vazio por dentro, que, agora, a separação estava consumada. Engraçada a questão, serve até para muitos exemplos aos casais que vivem procurando parâmetros em questões similares: enquanto o marido esperava reconciliação, a esposa Karen  simplesmente desejava ser reconquistada pelo próprio marido. Como nenhum dos dois tomou a iniciativa de uma conversa pacificadora ou romântica, deu nisso, ou seja, no nada feito. Quer dizer: nem sempre o silêncio é a solução para os quesitos de uma vida em paz, quanto menos a inércia.

Nessas horas, quem sabe, modestamente, um bom vinho tinto seco a dois, ingerido sob o silêncio da noite ou da madrugada, resolva. E, assim, ou seja, sem uma tomada de medidas inovadoras, passaram-se os dias sequentes para adaptação à nova vida da dupla que encerrava 17 anos de união. Karen volta para a casa da mãe e leva consigo  o “rapa de tacho” Wilton com pouco mais de sete anos àquela altura. Das meninas, Ana, a mais velha, fica com o pai e a do meio, Adília, parte para o Vale do Aço para estudar.

Enquanto isso, na Paraíba – eita João Pessoa boa! —  a vida queimava de calor e amor, saudade sem estrutura inicial, mas viva e forte, segundo palavras do já apaixonadíssimo Marcos Aurélio. Ele dispõe da presença de um amigo confidente, Geraldo Bonifácio, as notícias transmitidas à namorada Antonieta, e Karen, agitada e esperançosa de uma vida em paz na velha São José do Cata Prego. Tempos climáticos diferentes, quente no Nordeste, frio no Sul e temperado no Centro-Sul, mas o tempero de sentimentos se dava mesmo sob as rédeas de Maria Antonieta, só dela, dona de toda a situação, liderança inconteste.

Vamos colocar os pingos nos iis: Antonieta amava Bonifácio e este amigo de Marcos, que ama Karen, que não ama ninguém. Ou ainda espera por Enéias? Parece até aquele poema de Drummond...

“João amava Teresa 
que amava Raimundo
que amava Maria 
que amava Joaquim
que amava Lili
que não amava ninguém...”

Parece com a Quadrilha de Drummond,  mas não é. Virou apenas enfeite para o divertimento de muitos os que acompanham uma história de vida. Pois, então, muita gente quer saber o que vai dar esta história e não há pressa para seguir à frente. As pessoas são pacientes nas novelas de TV, mas por aqui preferem a brevidade. Tudo será narrado conforme o que se sucedeu, até com mais presteza. E, agora, há uma mudança bem acentuada ocorrendo na vida de algumas pessoas. Karen, por exemplo, está saindo do estado de expectativa de retorno à monotonia de uma vida de casada ou meio-casada, terminando a sua expectativa de ser reconquistada, estancando-se agora numa desilusão sem medidas. O que era intrigante neste caso até agora é que na vida de Karen e Enéias jamais um equívoco, uma discussão turvaram a felicidade conjugal. De repente, tudo vira de cabeça para baixo.

A desilusão era um vácuo coberto por uma amizade virtual bem adiantada, por sinal, com aquele “protegido” da cupido Antonieta. Realmente, Karen gostava de ser cortejada e o era por mensagens no MSN ou SMS e até Zap-Zap, Face ou ao telefone, por Marcos. Só que preferia que mantivesse aquela situação como amizade.

Pelas ruas da cidade, tortuosas e movimentadas, ela, Karen não ia além do que podia a sua simples imaginação. Com quase ninguém para conversar, reparava que todo mundo estava sempre ocupado ao celular. “Incrível, que mundo é este?”! Sentia a mudança nas relações pessoas com pessoas. Via amigos, amigas, conhecidos, desconhecidos, todos indisponíveis. É uma mania esquisita do momento, o mundo parece optar por contato online a um frente a frente, cara a cara, olho no olho. A maioria digitava, outra parte ouvia música. Nas caminhadas em alguma avenida, é comum encontrarem-se casais desligados, ou seja, cada um no seu fone de ouvido.

A vida, a que chamam de real, vai se transformando aos poucos em vida silenciosa. Reduzem-se os contatos interpessoais, poucos abraços e beijos. A tecnologia toma o lugar do sentimentalismo. Ela própria, na sua nova solidão, tentava se adaptar a esse novo mundo. E não era mais ninguém, a não ser as duas sagradas criaturas: Antonieta lá do Sul e Marcos, no Nordeste. Uma a empurrando ao amor que lhe era duvidoso e outro, terno e cada vez mais amável, confortando-a pela vida que considera sempre um desafio.

Ela própria entra em êxtase: “Não é desagradável ser esse relacionamento uma amizade pura”, comentava Karen com os mais próximos.  “Mas, por que, meu Deus, ele insiste em amor? Existe base para esse salto?” — Pensava consigo mesma ou às vezes com os  mais chegados. O que a intrigava era que, se ele não enviasse uma mensagem, não proferisse um alô, a tristeza e o vazio vinham logo, sentia que Marcos  está fazendo falta  com as suas palavras mansas e oportunas para cada momento. Mesmo porque não o conhece ainda pessoalmente. As reflexões valiam para conter o seu ardor de ávida por amigos. Tanto que ela teve esta conversa com Antonieta:

— Nieta, queria que o meu relacionamento com Marcos não passasse de amizade.
-— Também eu penso assim. Só que ele virou totalmente a cabeça e quer que seja um namoro sério e fiel.
— Impossível! Como vou namorar alguém que não conheço?
— Eu conheço e o abono pra você. É uma pessoa muito atraente, desejado por todas as meninas, sério e correto.
— Vou acreditar em você até que o veja, pegue em suas mãos e até possa ter ou não o desejo de beijá-lo. Enquanto isso não acontece, gostaria que ele me tratasse como amiga, ora, somos amigos! Fora disso não é mesmo razoável. 
— Olha, Karen, acho que você está certa. Vou ver se consigo fazê-lo entender e, assim, promovam um encontro físico, pessoal, tangível, total.
— Tudo bem. Um bom dia para você!
— Bye!

E assim aconteceu. Imediatamente, o panorama ficou mudado. De repente, Karen sentiu, pelos novos contatos, por escrito ou por fala, com Marcos, a sua mudança inesperada. Ela  estranhou a aceitação imediata ao novo sistema adotado por ele e e até quis perguntar o motivo. Ora, pensou consigo mesma, nem dava tempo para que Antonieta falasse com ele.Inteligente e cautelosa, calou-se. Na voz como sempre arranhada do amigo Marcos, percebeu que ele tinha sido advertido e, imediatamente, tomado a sua decisão. Até que houve uma conversa entre os dois assim:

— Marcos, você é mesmo meu amigo?
— Claro, isso está muito claro. Você tem dúvida?
— Olha, estou sentindo falta de umas palavras que me dizia e não diz mais... como, por exemplo, que quer me ver, que quer me dar um abraço, que gosta de mim.
— Acho que não preciso mais dizer isso a você, Karen. Quero que se sinta à vontade.
— O que você pensa de minha situação, de meu fim de relacionamento com o Enéias?
— Não faço nenhum juízo. Nenhum... Acho que você é madura para resolver tal questão com maestria. Você quer voltar pra ele?
—Queria, mas não quero mais. Não quero porque lhe dei a oportunidade da reconquista e ele não a aproveitou. E acho que agora está bem feliz com a sua antiga namorada.
— Se você tem a certeza de que ele tem outra namorada, acho que deve esquecê-lo imediatamente...
— Era isso o que queria ouvir de meu amigo.Obrigada.

E, então, ia o amor sendo colocado de lado, de molho, no banco de reservas. Ou como diz sempre Nielsen no seu programa de rádio, “os sentimentos sendo cozinhados como um galo duro”. Logo ele que é cruzeirense, torce pelo time azul, mesmo sendo comentarista de futebol, que respeita o rival Atlético como time forte e duro. E “vingador”, como está escrito no hino alvinegro. Mas, para a sua esposa, Nancy, é sempre assim, os casos se repetem. Sem nenhuma maldade, o locutor comenta em programa que tem sido cada fez mais frequente os namoros virtuais que acabam se tornando reais. E contou um caso interessante sobre um casal que se casou online sem se conhecer pessoalmente.

Todos, afinal, torcem para que haja um desfecho feliz naquele imbróglio romântico em que se transformara a vida daquelas pessoas, todas amigas, principalmente o casal Enéias-Karen, de sua família inteira e até mesmo Antonieta, que fora funcionária de seu empreendimento comercial, um restaurante feito com  amor de iguarias deliciosas. As sugestões do locutor, diariamente sobre o prato do almoço era um momento bem quente de seu horário. Muita gente se embriagava de fome pelas sugestões. Esse é o poder do rádio!

Aqui entra, num rápido parêntese, não apenas um intruso, mas acabam sendo duas oportunas criaturas metidas a sábias. Ele, o Gambá da Rua de Baixo e o Sapo da Ponte. E olhem que ficou na espreita a Onça Parda, decidida a dar um palpite também. Os dois curiosos, lá de outras paragens, da cidade vizinha de  Zumbeta,  pequenina e por isso chamada de Pílulas de Vida do Doutor Ross, isto é, que resolvem, começam a discutir entre si sobre o tema do momento, um papo cabeça entre bichos. Pode?

— Você acha, senhor Sapo, que é correto transformar amizade em namoro?
— Ora, isso já foi discutido, considero que entre os dois sexos é impossível. A amizade já é namoro.
— Então, por que chega com essa cara de reprovação?
— Você entendeu mal, seu Gambá bicudo! Sou contra transformar uma amizade virtual em amor virtual...
— Mas que tipo de amor você, Sapo, enxerga entre Marcos e Karen, se ambos estão a uma distância de mais de 2 mil quilômetros?
— Qualquer atitude de ambos é precipitação, amigo Gambá. Acho primordial que se conheçam pessoalmente. É preciso captar gestos, palavras, atitudes, sondar simpatia, empatia, tudo para se ver que há realmente sentido a continuidade dessa história.
— A empatia é fator primordial. Ela resolve tudo, meu caro Sapo. E chega de o senhor continuar coachando a noite toda, perdendo tempo em dizer a verdade. . 
— Então, vamos aguardar, seu fedorento! – finalizou a conversa o senhor Sapo da Ponte. E a Onça Parda, que funcionou espontaneamente como mediadora, pediu que fosse fechado o parêntese.

Tá certo!. Queira ou não queira o mundo ao redor, eis que a palavra amizade não comporta  mais neste presente caso, porque, de repente, ambos perceberam que não era mais possível um viver sem o outro, mesmo que fosse isto mesmo, online, a dois mil quilômetros de distância. 

E ocorria uma tentativa até certo ponto interessante: Geraldo tentava convencer Marcos a mudar de cidade. Estava  Geraldo prestes a conseguir uma transferência empresa ou mudança de emprego, seu objetivo agora seria levar consigo o amigo. Segundo Antonieta, que o instigava sempre, esse se tornou o objetivo, ou seja, praticamente o próximo passo da vida desse grupo dentro do qual um ama o outro. Nos seus encontros no centro da cidade, os amigos trabalhavam a ideia. Geraldo arrastou Marcos para um cafezinho, e aí foi demorando até cair a noite e começarem a pedir cerveja mais cerveja. Durante a conversa, regada a bebida preferida dos dois, havia uma condição: trabalhar noutra cidade, no Sul, comportaria mudar-se completamente. Marcos Aurélio tem pai e mãe, além de duas irmãs e teria que encaixar todos noutra cidade bem longe.. Mesmo que  a família tenha boa condição financeira, então, bastava para uma mudança de região, já que o pai de Marcos tinha de há muito empreendimentos pequenos em Curitiba.

— É muito trabalhoso, Geraldo, convencer meu pai e minha mãe a se mudarem para o Sul — asseverou Marcos Aurélio — mesmo com imóveis lá.
— Vamos combinar — concluiu o amigo — você toca no assunto com ele e o resto deixe por minha conta.

Despediram-se e em poucos dias, Seu Joaquim e Dona Francisca resolveram comprar uma casa na praia, perto de Curitiba, além de um apartamento no centro da bela cidade sulina. Mas ainda não arredaram pé de João Pessoa. Seria, no caso, como disse o pai de Marcos, investimentos. Mas o mecânico-metalúrgico Marcos esperava contato do amigo Geraldo Bonifácio para se desligar de sua empresa. Faltava um novo emprego para Marcos, o que também era questão de tempo, devido à sua competência, esse é o pensamento de todos. 

Por isso não durou muito e a sua saída de João Pessoa foi sentida demais pelos diretores com os quais ele trabalhava, mas, como dizem os experientes: as oportunidades não aparecem todos os dias e agora seria uma nova vida, numa região mais próspera. E estava, então, contratado o rapaz, ou melhor, os dois amigos numa mesma empresa, a Foster Co., multinacional metal-mecânica paranaense.

Movida pelos acontecimentos, sentindo apenas que essa mudança poderia ter sido melhor para os dois, ou seja, que Marcos viesse para São José do Cata Prego, Karen sentiu, geograficamente falando, que o “amigo” era uma bênção de Deus, pensou logo que ir ao Sul ver essa pessoa fosse infinitamente mais fácil. Na vontade de ir, no desejo que parecia ser de ambos, o ânimo tornou-se patente. E se misturaram desejos de encontro com a real situação do momento. Afinal, Karen e Marcos, que continuavam trocando mensagens, eram o quê? Amigos, namorados, desconhecidos especiais?

Depois da trégua que deram para conter o namoro, voltaram a parecer  espontaneamente, nas mensagens diárias o tratamento  “querida” “querido”, “meu bem” e até “meu amor”. Então, Karen, livre e desimpedida resolveu permitir ou deixar acontecer, como mandam as regras desse sentimento que, segundo os poetas, chega sem que se perceba, embora, um dia desapareça também, deixando ou não vestígios ou marcas. 

No caso de Karen e Marcos estava definitivamente feita a ponte da amizade para o amor. E nem se cogitava mais ouvir a expressão virtual. Era tudo real e fim.

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