sábado, 16 de janeiro de 2016

Mesmo virtualmente, está iniciado um namoro

(Capítulo 5)

Introspectiva desde os seus primeiros passos aqui no Planeta Terra, Karen Helena tornou-se outra pessoa, completamente ao contrário. O que tinha mudado para refletir tanto na sua personalidade ? Ninguém sabe, nem ela, sequer as pessoas mais íntimas, pelo menos por enquanto. O que ela estaria fazendo de novo? Absolutamente nada exteriormente. No fundo, contudo, ela sentia, sem explicar e sem se explicar, que ocorriam mudanças extraordinárias em sua caminhada de ser vivente Ela estava ainda morando na sua casa própria, com os filhos e o marido, só que separada fisicamente deste, como se sabe Na sua troca de palavras com Enéias estava tudo normal, até as anedotas que surgiam vez por outra eram compartilhadas entre eles. Afinal, ambos sempre se entenderam como amigos, fora do amor.

Mas o que é o amor, afinal? Esse troço, como dizem lá pros brejos abaixo, não seria somente algo prazeroso, cheio de motivações e cultivador de emoções? Inexplicável! Às vezes o casal vive as mesmas aventuras como de Enéias e Karen durante 17 anos e muito bem. De repente, algo se rompe, uma torneira vaza e o cano começa a deteriorizar-se. Antônio Mesquita, sempre presente nas discussões sobre o assunto, amigo da família, comentou numa roda de amigos: “O casamento durou 17 anos? Puxa! Deu certo demais e foi um milagre!” Em seguida, completa: “De minha parte, considero esse tal de matrimônio uma instituição fracassada!” E desfia uma série de exemplos com casos verídicos na ponta da língua, citando o milagre e o santo: “Sem a preocupação do casamento, a união dá muito mais certo!” — arremata.

Karen decidiu, naquela tarde de um dia ensolarado de janeiro de 2009, ir conversar com a sua genitora, que mora em bairro não tão distante, mas na outra ponta da cidade:
—  Pronto, cheguei, a bênção, mãe1
—  Deus te abençoe, minha filha, mas o que traz você aqui agora?
—  Novidade, né? Mas aproveitei que nesse horário estava sem nada para fazer e sabia que a senhora permanecia em casa, então, vim conversar um pouco sobre um assunto um tanto quanto delicado.
—  Ihhhhhhhhhhhh!!! Espero que seja coisa boa e não desagradável!

Karen Helena estava disposta a resolver o seu delicado problema agora e, então, foi diretamente ao assunto:
— Mãe, estou me separando do Enéias! — e deu uma parada como se a separação fosse aqueles segundos de acontecer e voltar ao normal, numa respiração do ar impuro que a cidade emite e distribui para os seus moradores, de graça, esperando toda a reação da calma Dona Querenina. Fitou-a nos olhos, esperou mais um pouco, até que a querida mãe retrucasse:
— Assim, de repente, parecendo sem motivo sério? Por que nunca abordou esse assunto comigo? Ou melhor, fiquei sabendo, pelas suas meninas, que vocês estavam dormindo em quartos separados, mas Aninha me disse, sim, acho que foi ela — ou foi a Adília? — Não, foi Aninha mesmo, que me explicou tudo direitinho, isto é, que tudo aconteceu por causa de divergências sobre os malditos pernilongos. Acabamos rindo bastante e comentei com elas assim: meninas, já pensou se seus pais se separam e jogam a culpa do divórcio nos pernilongos? (rsrsrsrsrs)...
— Aquilo foi uma desculpa que ele e eu arrumamos para justificar um fato que aconteceu e que dele não pretendíamos fazer alarde.

— Agora me conte, minha filha, o que, de verdade, ocorreu? Foi chifre que saiu por aí? (rsrsrsrsrsrs)...
— Mais ou menos, mãe, não vamos conversar isto agora, em respeito a ele que optou por não discutir. Sei que houve um caso dele, mas não me magoei. Olha, acho até que posso entrar com as minhas culpas como revide, embora não tenha sido, mas jamais tive tal intenção.

A conversa, depois de uma parada quando o telefone fixo da casa tocou, foi prosseguida por Querenina 15 minutos depois:

— Olha, você que sabe o que está fazendo. Tudo o que quero para os meus filhos e netos é a felicidade. Você sabe que detesto dar palpites em casos assim de relacionamento familiar, sempre fui assim, principalmente com a minha família.

— Sim, mas eu, como filha e ainda assim única — Dona Querenina tem apenas Karen como mulher e mais dois rapazes — não poderia deixar de vir conversar com a senhora. Ainda mais que não tenho outro lugar para morar senão a sua casa!

Por aí o diálogo se encerrou. Querenina foi cuidar da casa e a filha retornou à casa que deixaria no dia seguinte.

Faltou um assunto que Karen omitiu à sua mãe. Será que estava prestes a iniciar um inédito namoro que, por ser virtual, quis esperar  acontecer inicialmente? Propostas e mais propostas de Marcos Aurélio, ainda morando em João Pessoa. choviam. Ela, na sua filosofia do pé no chão, segurança total, ainda preferia ficar assim sem aceitar. Mas era verdade que aquelas palavras convidativas a um encontro, as animadoras esperanças que chegavam, tanto escritas quanto faladas, lhe davam estímulo quase cem por cento para garantir que a sua vida estava prestes a mudar.

A voz “arranhada”, que ela própria assim apelidou, mas que parecia um sussurro de carinho no ouvido ansioso por ser adulado como uma preparação para o romance, estava dominando plenamente a sua queda pelo rapaz de 28 anos, seis anos mais nova que ela, que lhe prometia amor para sempre, amor eterno, como dizia o incorrigível e talentoso Nelson Rodrigues: “O amor é eterno ou não era amor”.

O janeiro foi todo assim, de sussurros quase ininterruptos, predominando a voz arranhada, que acabou sendo uma novidade. Essa novidade tinha que acontecer rápido, ou seja, Karen queria ficar frente a frente com aquele que, aos poucos, tornava-se seu amor. Sem uma palavra a alguém sobre o amor que se iniciava, olha que interessante: a sua amiga Antonieta, aquela que se tornou uma promissora cupido em sua vida, real responsável pelo início deste romance, passou a ser indispensável.

Aí entra o Sapo da Ponte, atrevido como sempre, mas desejoso de prestar algum esclarecimento. A sua intromissão se deve ao caso de Karen ter andado pensando noite e dia, dia e noite, em não exceder de amizade. Mas o Sapo não concorda. E apurou o seguinte: "Entre um homem e uma mulher não é possível haver amizade. É possível haver paixão, hostilidade, veneração, amor, mas amizade, não."  A frase, o Sapo da Ponte, com exclusividade buscou do notável escritor irlandês Oscar Wilde (1854 – 1900), parece datada, mas não podia estar mais em sintonia com as atuais discussões sobre as relações entre os sexos. Assistido por mais de seis milhões de pessoas, um vídeo amador se tornou viral nos Estados Unidos e no Canadá justamente por explicitar a diferença de opiniões entre homens e mulheres no que tange às amizades entre homem e mulher.

Nele, um estudante universitário pergunta a suas colegas de faculdade se elas acreditam ser possível existir amizade entre um homem e uma mulher. A resposta? “Sim, claro”, dizem todas. Já quando ele dirige a mesma questão a seus colegas homens, ouve de todos que “hummm... não!”

O tema, abordado de forma lúdica no vídeo, ganhou roupagem científica em três recentes pesquisas que buscam entender melhor as implicações das amizades entre pessoas de sexos opostos. Numa delas, os estudiosos definiram os quatro tipos mais comuns de relações entre eles e elas. Em outro estudo, pesquisadores concluíram que existe ao menos um pequeno nível de atração na maioria das amizades entre os dois sexos , o que não é necessariamente ruim, já que a terceira pesquisa aponta que o sexo, para surpresa (e alegria) de muitos, pode fortalecer os laços entre os amigos. Aqui o Sapo volta para a Ponte e dá como concluída a sua “ajuda”.

Mas, afinal, Karen estava liberada pelo compromisso desfeito e pôde deixar que as rédeas de seu coração seguissem soltas ou às soltas. Agora é com ela mesma, que pensa, imagina, faz profundas reflexões sobre o amor. E chega à sua própria conclusão: “Amor é momento, instante, passagem, para não dizer balela”. Para o Mesquita, que é tão sabido quanto o Sapo da Ponte, o que atrapalha o casamento é o compromisso, a obrigação, as leis artificiais e as exigências. Para ele, que mandou na época o recado a Karen: “Se for mudar de amor não se case porque o casamento torna o homem e a mulher plenamente donos um do outro; sem casamento as pessoas lutam para a cada dia conquistar o seu par e aí a união se torna longa”.

O Gambá da Rua de Baixo, de outras histórias quase silenciosas, aproxima-se quando o Mesquita diz alguma coisa. Na verdade, o Gambá fala baixinho, sem ênfase, e apenas meigo, quase inaudível. Ele não é burro, entende que não precisa de voz rompante para convencer alguém sobre determinado assunto. Para ele, basta o seu cheiro horroroso, característico do dele próprio, também chamado de Opossum, ou Ticaca, que tem um discurso próprio sobre o ciúme: “Estado emocional complexo que envolve um sentimento penoso provocado em relação a uma pessoa de que se pretende o amor exclusivo”. Pela definição é dado o sinal da presença do egoísmo, totalmente fora do contexto humano, apesar de ser uma característica forte do home atual.

A partir de um princípio de namoro — Karen pensava que só virtualmente não seria válido um relacionamento — a menina, prestes a divorciar-se do primeiro e único casamento, quis falar mais com a sua amiga Antonieta. Se ela se interessou tanto, se foi uma cupido bem aplicada, teria que ir prestando mais informações a respeito de seu amigo Marcos Aurélio. E assim, passaram a conversar, ora por telefone, ora pelo MSN praticamente toda noite. A pergunta de Karen a Antonieta a embaraçou por alguns instantes:

— Já senti que Marcos é um homem inteligente nas paqueras, falando mais claramente, afinal, ele é ou não é um galanteador profissional?

Antonieta ficou meio entre a porta e a parede, mas deu a sua resposta:

—  Calma, minha filha, já lhe falei que ele vive do trabalho, da casa para a companhia que o admitiu e vice-versa. Desde quando se formou em técnico metalúrgico a sua vida é uma grande monotonia. Nem pense que ele é igual aos outros homens, o conheço há muitos anos.

Na conversa, Maria Antonieta sugere a Karen que se torne amiga mais íntima de seu namorado, o Geraldo Bonifácio, colega de trabalho do Marcos Aurélio. E veio aquela corriqueira pergunta:

— Você não tem ciúmes dele não?
E a resposta em cima da pinta:

— Juro que sou meio ciumenta, ou toda ciumenta, mas garanto a você que de você não tenho nem um fio de linha! E você perguntou se Marcos é galanteador, vou lhe dizer que o meu namorado era um grande “chavequeiro”, mas o consertei para sempre. Assim que nós, mulheres, devemos fazer com esses galãs safados que, se deixar, acabam se dando bem com as suas conquistas e nos deixando a ver navios.

Assim as duas amigas encerram a conversa e saem para as últimas façanhas do dia, antes do sono reparador. Obsessiva, Karen Helena não para de pensar: “Estou gostando mesmo desse cara, mas eu quero me encontrar com ele, quero, quero, quero”. E guarda uma frase que, certa vez, alguém lhe disse: “Na internet só tem enrolo, mentira, tapeação, tudo feito por pessoas desocupadas e inescrupulosas. Nunca, jamais, serei vítima disso!”


E olhando para a foto do namorado virtual, que colou na parede de seu quarto, fechou os olhos e dormiu...

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