terça-feira, 30 de abril de 2019

“O MUNDO DOS SABES-TUDO QUE NADA SABEM”


Vivo no momento de resguardo das vistas, período cauteloso determinado pela ciência oculista e prescrito pelo oftalmologista. Fiz a tal cirurgia de catarata que de cirurgia só tem o lado anestésico. É simples e revolucionária.  Estou tolerando passar 30 dias sem ler nem escrever muito porque a descoberta da visão foi tão extraordinária quanto a sensação que tive, há exatos 44 anos, de que nada ouvia ou escutava. Com a ajuda ímpar do aparelho auditivo consegui recuperar a faculdade de ouvir. Agora, com o auxílio da ciência, transcorreu a segunda descoberta de mais um dos cinco sentidos de que estava sendo privado, a de ver ou enxergar nitidamente bem. Fecho este parêntese para dizer que neste momento estou desobedecendo a uma ordem científica. Azar meu. E dos que se atrevem a seguir adiante nesta página que prometo não ser maior que todas as babaquices até hoje rabiscadas por mim.

O atrevimento a esta desobediência tem sentido. Hoje fui despertado por jornais da TV e internet, e comecei a pensar sobre o que ouvia e via. Cheguei à primeira seguinte conclusão: todo mundo — especialmente jornalistas, comentaristas, radialista tele-radialistas, cientistas, políticos e outros mais — pensa que sabe tudo. Aí caio na pergunta: será que sabe mesmo?

Inexoravelmente, aparece o desafio de ver e ouvir tantos opinantes sobre quaisquer temas, principalmente economia e política fazerem o que dizem. Não seria prudente adotar este procedimento: se fulano de tal, famoso por falar sempre  aos nossos ouvidos diante de nossos olhos sabe consertar o Brasil, o mundo, por que não chamá-lo e entregar-lhe um cargo executivo, por exemplo, o de ministro? Ora, ora, ora, pelo que sei, nunca fizeram tal proeza, de convidar, ou convocar, o sabe-tudo para fazer o que garante que vai dar certo.

Minto. Levando o assunto para o futebol, lembro-me que, em 1969, quando o Brasil se preparava para disputar as últimas partidas das eliminatórias da Copa do Mundo de do ano seguinte, 1970, algo notável ocorreu. Desacreditado, o escrete brasileiro caminhava para um rumo completamente oposto aos sonhos do torcedor brasileiro, de ser tricampeão do mundo. Críticas ferrenhas do jornalista e radialista João Saldanha, entre outros, sobre comando da Seleção Brasileira, começaram a incomodar a cúpula, na época dirigida por outro João, o Havelange.




A saída foi magistral: Saldanha foi convidado a assumir a direção técnica da equipe canarinho. Aceitou o João e mudou o João. De cara, em sua primeira entrevista, anunciou que só convocaria craques, o atleta que sabia jogar futebol de verdade e jamais os pernas-de-pau. A imprensa, atenta, denominou os convocados de “Feras do Saldanha”. O primeiro desafio do novo treinador foi escalar Pelé ao lado de Tostão. Houve um rebuliço estrondoso em manchetes dos jornais e programas de rádio e TV. Diziam os críticos pseudoentendidos que não daria certo porque eram dois craques que tinham as mesmas características técnicas de jogar bola. Acertou em cheio o treinador revolucionário e errou a sabichona imprensa do “chuta que dá certo”.

Além das feras Pelé eTostão, juntas, Saldanha contrariou novamente a imprensa “sabe-tudo” ao colocar em campo Rivelino e Gerson, mais uma dupla que balançou o coreto. Resultado de tudo: o Brasil acabou sendo campeão do mundo, no México, e formou o que muitos dizem até hoje ter sido o melhor escrete brasileiro de todos os tempos. Não com o João Sem Medo, porque ele foi demitido por motivos políticos, mas usando o time que ele formou.

Bem, é um pouco diferente do que ocorre em nossos tempos sobre a economia e a política, principalmente. Não quero afirmar que o presidente da República, o governador do Estado, o prefeito de todas as cidades devessem convidar as Mírians Leitões, os Chicos Pinheiros, Felipes Mouras Brasis, Ruis Goiabas, Mauros Sabinos, Alexandres Garcias e Diogos Mainardis entre outros, para aplicar suas táticas e resolver tudo em qualquer direção executiva. Mas é tentador. Fosse eu o chefe da nação, o faria. Hoje o ouvinte e telespectador ou internauta percebe que todo mundo é um mega-sabe tudo. Os formadores de opinião são drásticos com as suas filosofias e ideias.

Então, que venham as mudanças tipo Saldanha, que seriam as “Feras do Bolsonaro”, do Zema, do Ronaldo Magalhães. Por que não? Ah, acho que sim! E nos livrariam da seguinte anotação que um ET teria feito sobre o mundo e, especialmente o Brasil, ao voar em sua nave cintilante por aqui, segundo alguns ufologistas: “Eis aí o mundo dos sabes-tudo que nada sabem”.

José Sana
30/04/2019

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