sábado, 11 de abril de 2020

O AUTO DA INCOERÊNCIA, HIPOCRISIA E POLITICAGEM


O tema de hoje nada tem a ver com a peça (ou o filme) do conhecimento de muitos, o “Auto da Compadecida”. Até que se encaixariam alguns de seus personagens nesta história do Conoravírus ou Covid-19. Contudo, os atores de agora são muito mais espertos que João Grilo e Chicó, dois nordestinos pobres sobreviventes graças a golpes mesquinhos.  


Os ardis de hoje são de mestres profissionais, de categoria  nacional, estadual e municipal. A  história, ou estória, primeiro de 1955, no teatro, depois de 2000, é algo verídico e inacreditável nos dias de 2020. Faltará a aparição da Nossa Senhora, no caso para salvar não os salafrários, mas o massacrado e saqueado do Brasil. Quem sabe depois?

Ah... Será que Deus precisava escolher este auto neste mundo doido para nos fixar quase inertes na plateia? Merecemos? Em supostas últimas e eventuais reencarnações enforcamos o pai e decapitamos a mãe? Sofremos pelas estradas do mundo afora, passamos apertos cruciais, corremos sérios riscos de muitas topadas, sempre somos ameaçados pela morte. E ainda temos que ver tornar-se verdadeiro o que Ariano Suassuna apenas imaginou em sua famosa peça teatral e cinematográfica?

No palco, as três mais impertinentes e desagradáveis atoras que um diretor de teatro poderia ter pela frente. O roteirista  nem sabe o que fazer, qual das três coloca como vilã da peça, mesmo sabendo que o enredo é o seguinte, sem tirar nem pôr e sem um ponto de exclamação: “Trapaças descaradas contra o cidadão brasileiro”.


Nas encenações, as atoras devem respeitar o  roteiro, feito por um dramaturgo, mas o enganam a cada instante pelos seus interesses escusos. Provocam inimagináveis confusões, tudo entrelaçado nas suas tramoias. O diretor inicial e verdadeiro da peça soltou as rédeas, deixando-a  por conta dos prepotentes humanos. Sua decisiva ação foi expulsar  os descarados do paraíso. Em seguida, eles caíram na gandaia e afundaram-se até o pescoço. Quem realmente assumiu o papel  de fazer com que o roteiro fosse cumprido nos mínimos detalhes  chama-se, para não dizer um nome muito feio comumente usado, Belzebu. Capeta é mais horripilante.

Os cenógrafos também são muito importantes, já que eles caracterizam o espaço em que a peça é  apresentada. Neste caso atual se denominam  imprensa escusa, ou mídia, cujo interesse se mistura aos demais, resumido no seguinte: poder, dinheiro, fama, atratividade  material,  ludíbrio. Combinam muito bem com as três importantes atoras: Incoerência, Hipocrisia e Politicagem.

Voltando ao primeiro parágrafo e para não alongar muito — a peça total é extensa, já dura milhões de anos e vai durar mais um pouco — vamos resumir a história de hoje num único e pequeníssimo espetáculo. O tema é Conoravírus, ou Covid-19. Trata-se de um vírus terrível, que causa pânico, assusta, amedronta o Planeta Terra. E mata também.

A Incoerência diz no palco, de alto e bom tom, que cada cidadão brasileiro deve recolher-se, ficar em casa, isolar-se, porque o perigo vem aí. Quando deve ouvir uma resposta da Hipocrisia que vai sugerir o trabalho livre para uns e para outros não, vem a Politicagem e prova por A mais B ou C que ninguém deve fazer absolutamente nada e viver como se vive, por exemplo, em Cuba. Sua assessora principal, a Demagogia, resolve subir no tamborete (existe isto ainda?) e fazer um discurso em favor da eternidade do corpo, banido no primeiro ato da vida, e baseado na mortalidade da alma. “Falou a voz da sabedoria!” – gritos e palmas gerais na plateia.

Nesta altura, alguém que está como visitante, um turista qualquer, anota no seu caderno de apontamentos: “Aqui existem robôs e são inacreditáveis!” A Hipocrisia também defende os pobres (alguém lhes traz a comida na mão) e os desempregados, que procuram emprego nas empresas “não-essenciais”, de portas fechadas.

 “É preciso defender a economia” — solta em tonalidade audível alguém situado do outro lado do próximo teatro, situado logo ali, atravessando a rua. Mas ninguém deve correr o risco de vida. Morrer pode  -  de AVC, câncer, infarto, acidente – mas não deste que se apresenta autoritário e dono do mundo, o tal de Corona. “Desaforo dele, uai!” – esbravejaria um mineiro bem sentadinho na poltrona.

E tudo se embola no meio do palco. Os prefeitos, especialmente o de Itabira, vê a sua primeira manobra: decreta “estado de emergência” contando nos dedos os dias e as horas para soltar a sentença final: “calamidade pública”. Até os céus estremecem! Nem plano de enfrentamento do vírus existe mas para que fim  inventaram o óleo de peroba? Deve ser melhor que álcool-gel. Tudo é esquematizado não apenas nas reuniões das segundas-feiras, nas quais só se resolvem dois assuntos  -  assinar um decreto qualquer, que virou doce de leite, e marcar a próxima reunião. Depois cada um vai embora, recolhe-se ao respectivo isolamento porque ninguém é de ferro.

Registra-se a decisão municipal como irrefutável e jamais isolada. Tudo combinado entre vários chefes de executivos espalhados pelo Brasil  afora, o País da Piada Pronta, como diz sempre Zé Simão, de acordo com a pequenez, o mediano e  a grandeza de cada um. O próprio prefeito já expõe o decreto fatal desta forma: “É um instrumento que permite à  Prefeitura  ter acesso a recursos federais para o enfrentamento do Coronavírus e  do momento atípico na cidade”. Eta enfrentamento bruto! Parece luta na selva de “Tarzan Contra o Mundo”, ou Jerônimo, o Herói do Sertão, derrotando o Dr. Satã!

A peça termina logo para se emendar a outras. A Politicagem está vencendo de balaiada. Mas ela não pode negar, em absoluto, a ajuda que lhes dá a Incoerência e a Hipocrisia. Nas reuniões de bastidores, que ocorrem sempre nos intervalos e, principalmente, no fim, a Politicagem abraça, com efusivo orgulho, a Demagogia. Respeitável entre elas, esta carrega a ajuda indispensável para se obter do palco  acirrados aplausos, depois votos nas urnas. As palmas se estendem aos cenógrafos, ou repórteres, que vão consagrar o grande sucesso da ópera do Belzebu no reino do mal.

Todos se retiraram, autores, atores e plateia. Restou uma figura esquecida na última poltrona, logo ela que seria insubstituível, talvez única indispensável. Refiro-me à Saúde. Mas, coitada dela, nem foi lembrada! Ou será mais adequado dizer: coitados de nós?

Que Deus retome as rédeas do mundo e mude as cenas dos próximos capítulos!

 José Sana

Em 10/04/2020

Um comentário:

  1. Muito bem, caro José Sana! Muito bem colocado sua opinião diante do acontecimentos. Você agora tem vasto material para os próximos capítulos até que Deus retome as rédeas. Abraços. Flor

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