Não era planejamento deste escriba tocar mais profundamente no tema “Pernilongo”, mas ele se aflorou de tal maneira que, devido à exiguidade de tempo e espaço, resolvo fazer sua inserção em caráter exclusivo. Até porque, como podem perceber, a alegria de minha Tia Irmã Miriam de Almeida comigo tocava muito na citação dos pernilongos.
Então, vamos abordar o assunto com mais detalhes, avisando que,
provavelmente, surgirão outros causos engraçados do mesmo inseto perturbador da
ordem. “Vamos ao que segue”, como dizia
meu Professor Chaves, de Geografia e História, no Ginásio Estadual de Guanhães,
hoje Escola Estadual Milton Campos, onde estudei durante dois anos.
PERNILONGOS
SAUDOSOS DE MIM
Pernilongo era
sempre o prato do dia nas conversas à vontade com Irmã Miriam. O inseto me
deixava curioso quanto à sua origem. Não o conhecia “pessoalmente”, primeiro
problema. Na época em que fiquei sabendo de sua existência, mantive-o como
sinal de progresso, porque na roça eles não perambulavam, só nas grandes
cidades. Hoje, com a denominada indevidamente “evolução”, já tenho, desde os
tempos da brilhantina, explicações pelas causas dessa epidemia que, na verdade,
é proveniente da intensa urbanização. Então, considerava Itambacuri uma cidade
de grande porte. É aconchegante, mas quanto ao culex pepeans fatigans
(nome científico do pernilongo), hoje está contra o progresso. Portanto, dá sinal de poluição e
não de desenvolvimento. É um problema do Brasil, talvez do mundo e “não de
Bacuri somente”, diz um morador das redondezas.
Os pernilongos
de Itambacuri ficaram famosos graças a
Governador Valadares e Teófilo Otoni, além de outras cidades da região. O calor
exagerado traz sua fama para todo o Vale do Mucuri. Mesmo assim, Irmã Miriam os
tratava com supremo bom-humor. Vejam
esta...
Fazia tempo que
ligava para ela semanalmente. Estreitamos nossos contatos a partir do
cinquentenário de sua vida religiosa, em 2001. Quando não, ela me chamava para contar ou
buscar as últimas novidades. No fim de todas as nossas conversas, dizia: “Um abraço
para você e todos aí”. Depois, completava: “Os pernilongos lhe enviam também um
forte abraço, com picadas mais fortes ainda! Eles mandam dizer que estão com
muita saudade!” (ha... ha... ha... he...he...he...).
ARAPUCA PARA
PERNILONGOS
O dia amanheceu em Itambacuri, em 15 de agosto de 2018, feriado, com o povo todo na rua. Era o fechamento da festa religiosa anual da cidade. Acordei todo vermelho, picado dos pés à cabeça por esses culex malditos. Na hora do café, minha Tia me olhou e colocou a mão em meu rosto: “Coitadinho!” – exclamou ela – “os pernilongos fizeram festa com você nesta noite!” E promoveu um desabamento daquela inesquecível gargalhada, a ponto de estremecer todo o Convento das Irmãs Clarissas Franciscanas do Santíssimo Sacramento. E arrematou: “Hoje vou cuidar deles, você vai dormir tranquilo... se é que pretende dormir aqui ... ha... ha... ha... he... he.... he!”
Aconteceu assim:
minha Tia pede ao José, funcionário
muito querido das irmãs, para colocar um véu, tipo filó, em volta de uma cama.
Na hora de dormir, lá pelas dez da noite, me leva ao quarto e apresenta-me ao
conjunto que ela mesma denominou “arapuca para combater pernilongos”.
Dormi sossegado.
Mas aconteceu o imprevisto. Como sempre nas madrugadas acordo para ir ao
banheiro. Vou sempre de olhos semi-abertos para não perder o sono. Só que não
me lembrei do véu e acordei no banheiro todo enrolado nele. Tive a impressão de
que era um peixe e havia caído numa rede, em pleno mar. Sacudi de todo lado, na
verdade me enrolei todo. Graças a Deus, acordei-me por inteiro depois de dançar
samba, bolero, twist e chá-chá-tchá, Custou-me um tempo alongado para me safar
das redes do pescador José...
Não deu outra:
de manhã, quando fui narrar o ocorrido à Tia, o que aconteceu todos já sabem:
riu como se tivesse encontrando a mina do Rei Salomão. E sempre contava o fato
para seus amigos itambacurienses, que riam mais ainda.
CIÚME DOS PERNILONGOS
Como sempre num
espaço bimestral, estou indo a Itambacuri, notável cidade do Vale do Mucuri,
Minas Gerais. Em lá chegando, naqueles dias quentes de novembro de 2013, minha
Tia me encurrala na parede da sala do Convento, onde reina pendurada a famosa e poderosa Oração de São Francisco de
Assis: “Estou desconfiada que você está vindo muito a Itambacuri e não é para
me ver, mas sim para saber da história dos Almeida e mais alguma coisa”.
Respondo-lhe, perguntando: “O que é mais alguma coisa?”
Toma ar perto da janela, suspira, respira e solta esta: “Você está mais comprometido com os pernilongos e vem aqui para estudá-los”. Risos para inundar o ambiente depois que fecho a conversa: “Vou denunciar aos primos e amigos que a senhora está com ciúme dos pernilongos”. Ela me abraçou e nada disse mais, somente deu a registrada gargalhada continuadamente.
PALESTRAS SOBRE
O CULEX
Em 2013, já estou de saída da revista, depois de 20 anos ininterruptos de chefia de redação, viajando neste tempo uma média de 5 mil quilômetros por mês. Agora tento uma ocupação mais leve, de palestrante. Conto para Irmã Miriam a ideia e ela fica mais atenta, fazendo-me várias perguntas.
Silencia-se
depois do interrogatório e caminha rumo ao seu quarto de dormir, segurando o
aparelho telefônico, mandando-me tomar banho e vestir-me com a melhor roupa.
Burro que sou, não percebo que me preparava uma surpresa. Apenas penso: acho
que vamos abrir uma garrafa de vinho. Ela tinha uma predileção pelo tinto-seco.
Mas será que ela quer que eu me vista bem somente para ingerir uma garrafa de vinho? Voando
como uma andorinha no verão estou ainda.
São 18h30 e sou
chamado no corredor. Quem me intima é a Irmã Camila, com aquela doce voz, bem calma:
“Irmã Miriam está chamando o senhor; está na sala de visitas”. E completou a
querida freira: “Tem visita para o senhor!” Neste momento me sinto mais perdido
que cego em tiroteio, imaginando mil e tantas opções.
Chego na sala e
lá está um senhor de postura muito simpática. Levanta-se, cumprimenta-me e Irmã Miriam lhe diz: “Este é o meu sobrinho
de que lhe falei. Espero que se entenda sobre o que ele pleiteia”. Susto meu.
Esse “pleito” deixa-me outra vez agarrado a incertezas: “Meu Deus, o que foi
que requeri à minha Tia?” Lembra-me de várias conversas, mas não consigo concluir o que ela me apronta agora.
Volto à
apresentação: a visita era de um presidente de sindicato da cidade. Ele na
retaguarda da conversa, aguarda que eu fale, mas continuo perdido. Mais uma vez
Irmã Miriam intercede: “Vamos, rapaz, conte para ele o que você está
pretendendo fazer em Itambacuri”. O nome do sindicalista me foge à mente, anotei
num caderno, mas esse desapareceu. Abro um parágrafo para dizer que tento
obter com Irmã Francisca o nome dele, mas até agora não tenho muitas
referências.
Fecho o
parágrafo. Pronto. Agora sei que minha Tia quer que eu combine com o presidente
do sindicato uma palestra para seus associados. Pisei no chão, finalmente. Irmã
Miriam escolheu uma entidade em que pudesse palestrar. Ela queria presentear-me sempre mostrando-se atual e
prestativa.
Depois de duas
horas de conversa, o sindicalista me passa seu telefone (já disse que o perdi,
bem como o seu nome, fato normal de septuagenário). No dia seguinte é hora de
retornar a Itabira. Acerto tudo com o sindicalista, só falta um pequeno
detalhe. É o que informo à minha Tia na
hora de retornar a Itabira.
Disse-lhe mais: “Não acertamos tudo porque faltou escolhermos o tema. Preciso ver mais de perto
as necessidades que se juntam à luta maior da organização”.
Então, ligo o
motor do veículo e começo a arrancá-lo.
Ela, intrigada, afirma: “Você viaja tanto tempo e não escolhe um tema simples?”
– penso que ela pensa. Mas solta mesmo a voz, antes e depois da
gargalhada diz com força nos pulmões:
“Oh, José, faça uma palestra sobre os seus amados e idolatrados pernilongos”.
E deu “tchau”,
sem parar de rir... Eu também.
José Sana
13/09/2021
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