segunda-feira, 13 de setembro de 2021

IRMÃ MIRIAM: UMA VIDA PAUTADA POR ALEGRIAS FESTIVAS E RISADAS ANTOLÓGIC AS (Capítulo II)

Não era planejamento deste escriba tocar mais profundamente  no tema “Pernilongo”, mas ele se aflorou de tal maneira que, devido à exiguidade de tempo e espaço, resolvo  fazer sua inserção em caráter exclusivo. Até porque, como podem  perceber, a alegria de minha Tia Irmã Miriam de Almeida comigo tocava muito na citação dos pernilongos.

Então, vamos abordar o assunto com mais detalhes, avisando que, provavelmente, surgirão outros causos engraçados do mesmo inseto perturbador da ordem. “Vamos ao que  segue”, como dizia meu Professor Chaves, de Geografia e História, no Ginásio Estadual de Guanhães, hoje Escola Estadual Milton Campos, onde estudei durante dois anos.


PERNILONGOS SAUDOSOS DE MIM



Pernilongo era sempre o prato do dia nas conversas à vontade com Irmã Miriam. O inseto me deixava curioso quanto à sua origem. Não o conhecia “pessoalmente”, primeiro problema. Na época em que fiquei sabendo de sua existência, mantive-o como sinal de progresso, porque na roça eles não perambulavam, só nas grandes cidades. Hoje, com a denominada indevidamente “evolução”, já tenho, desde os tempos da brilhantina, explicações pelas causas dessa epidemia que, na verdade, é proveniente da intensa urbanização. Então, considerava Itambacuri uma cidade de grande porte. É aconchegante, mas quanto ao culex pepeans fatigans (nome científico do pernilongo), hoje está contra  o progresso. Portanto, dá sinal de poluição e não de desenvolvimento. É um problema do Brasil, talvez do mundo e “não de Bacuri somente”, diz um morador das redondezas.

Os pernilongos de Itambacuri  ficaram famosos graças a Governador Valadares e Teófilo Otoni, além de outras cidades da região. O calor exagerado traz sua fama para todo o Vale do Mucuri. Mesmo assim, Irmã Miriam os tratava com supremo bom-humor.  Vejam esta...

Fazia tempo que ligava para ela semanalmente. Estreitamos nossos contatos a partir do cinquentenário de sua vida religiosa, em 2001.  Quando não, ela me chamava para contar ou buscar as últimas novidades. No fim de todas as nossas conversas, dizia: “Um abraço para você e todos aí”. Depois, completava: “Os pernilongos lhe enviam também um forte abraço, com picadas mais fortes ainda! Eles mandam dizer que estão com muita saudade!” (ha... ha... ha... he...he...he...).

 

ARAPUCA PARA PERNILONGOS


O dia amanheceu em Itambacuri, em 15 de agosto de 2018, feriado, com o povo todo na rua. Era o fechamento da festa religiosa anual da cidade. Acordei todo vermelho, picado dos pés à cabeça por esses culex malditos. Na hora do café, minha Tia me olhou e colocou a mão em meu rosto: “Coitadinho!” – exclamou ela – “os pernilongos fizeram festa com você nesta noite!” E promoveu um desabamento  daquela inesquecível  gargalhada, a ponto de  estremecer todo o Convento das Irmãs Clarissas Franciscanas do Santíssimo Sacramento. E arrematou: “Hoje vou cuidar deles, você vai dormir tranquilo... se é que pretende dormir aqui ... ha... ha... ha... he... he.... he!”

Aconteceu assim: minha Tia pede  ao José, funcionário muito querido das irmãs, para colocar um véu, tipo filó, em volta de uma cama. Na hora de dormir, lá pelas dez da noite, me leva ao quarto e apresenta-me ao conjunto que ela mesma denominou “arapuca para combater pernilongos”.

Dormi sossegado. Mas aconteceu o imprevisto. Como sempre nas madrugadas acordo para ir ao banheiro. Vou sempre de olhos semi-abertos para não perder o sono. Só que não me lembrei do véu e acordei no banheiro todo enrolado nele. Tive a impressão de que era um peixe e havia caído numa rede, em pleno mar. Sacudi de todo lado, na verdade me enrolei todo. Graças a Deus, acordei-me por inteiro depois de dançar samba, bolero, twist e chá-chá-tchá, Custou-me um tempo alongado para me safar das redes do pescador José...

Não deu outra: de manhã, quando fui narrar o ocorrido à Tia, o que aconteceu todos já sabem: riu como se tivesse encontrando a mina do Rei Salomão. E sempre contava o fato para seus amigos itambacurienses, que riam mais ainda.

 

CIÚME DOS PERNILONGOS



Como sempre num espaço bimestral, estou indo a Itambacuri, notável cidade do Vale do Mucuri, Minas Gerais. Em lá chegando, naqueles dias quentes de novembro de 2013, minha Tia me encurrala na parede da sala do Convento, onde reina pendurada  a famosa e poderosa Oração de São Francisco de Assis: “Estou desconfiada que você está vindo muito a Itambacuri e não é para me ver, mas sim para saber da história dos Almeida e mais alguma coisa”. Respondo-lhe, perguntando: “O que é mais alguma coisa?”

Toma ar perto da janela, suspira, respira e solta esta: “Você está mais comprometido com os pernilongos e vem aqui para estudá-los”. Risos para inundar o ambiente depois que fecho a conversa: “Vou denunciar aos primos e amigos que a senhora está com ciúme dos pernilongos”. Ela me abraçou e nada disse mais, somente deu a registrada gargalhada continuadamente.


PALESTRAS SOBRE O CULEX


Em 2013, já estou de saída da revista, depois de 20 anos ininterruptos de chefia de redação, viajando neste tempo uma média de 5 mil quilômetros por mês. Agora tento uma ocupação mais leve, de palestrante. Conto para Irmã Miriam a ideia e ela fica mais atenta, fazendo-me várias perguntas.

Silencia-se depois do interrogatório e caminha rumo ao seu quarto de dormir, segurando o aparelho telefônico, mandando-me tomar banho e vestir-me com a melhor roupa. Burro que sou, não percebo que me preparava uma surpresa. Apenas penso: acho que vamos abrir uma garrafa de vinho. Ela tinha uma predileção pelo tinto-seco. Mas será que ela quer que eu me vista bem somente para ingerir uma garrafa de vinho? Voando como uma andorinha no verão estou ainda.

São 18h30 e sou chamado no corredor. Quem me intima é a Irmã Camila, com aquela doce voz, bem calma: “Irmã Miriam está chamando o senhor; está na sala de visitas”. E completou a querida freira: “Tem visita para o senhor!” Neste momento me sinto mais perdido que cego em tiroteio, imaginando mil e tantas opções.

Chego na sala e lá está um senhor de postura muito simpática. Levanta-se, cumprimenta-me  e Irmã Miriam lhe diz: “Este é o meu sobrinho de que lhe falei. Espero que se entenda sobre o que ele pleiteia”. Susto meu. Esse “pleito” deixa-me outra vez agarrado a incertezas: “Meu Deus, o que foi que requeri à minha Tia?” Lembra-me de várias conversas,  mas não consigo  concluir o que ela me apronta agora.

Volto à apresentação: a visita era de um presidente de sindicato da cidade. Ele na retaguarda da conversa, aguarda que eu fale, mas continuo perdido. Mais uma vez Irmã Miriam intercede: “Vamos, rapaz, conte para ele o que você está pretendendo fazer em Itambacuri”.  O  nome do sindicalista me foge à mente, anotei num caderno, mas esse desapareceu. Abro um parágrafo para dizer que tento obter com Irmã Francisca o nome dele, mas até agora não tenho muitas referências.

Fecho o parágrafo. Pronto. Agora sei que minha Tia quer que eu combine com o presidente do sindicato uma palestra para seus associados. Pisei no chão, finalmente. Irmã Miriam escolheu uma entidade em que pudesse palestrar. Ela queria  presentear-me sempre mostrando-se atual e prestativa.

Depois de duas horas de conversa, o sindicalista me passa seu telefone (já disse que o perdi, bem como o seu nome, fato normal de septuagenário). No dia seguinte é hora de retornar a Itabira. Acerto tudo com o sindicalista, só falta um pequeno detalhe. É o que informo à minha Tia  na hora de retornar a Itabira.

Disse-lhe  mais: “Não acertamos tudo porque faltou  escolhermos o tema. Preciso ver mais de perto as necessidades que se juntam à luta maior da organização”.

Então, ligo o motor do veículo e começo  a arrancá-lo. Ela, intrigada, afirma: “Você viaja tanto tempo e não escolhe um tema simples?” – penso que ela pensa.  Mas  solta mesmo a voz, antes e depois da gargalhada  diz com força nos pulmões: “Oh, José, faça uma palestra sobre os seus amados e idolatrados  pernilongos”.

E deu “tchau”, sem parar de rir... Eu também.

José Sana

13/09/2021

 

 

 


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