A
vida é engraçada e nos pega sempre de surpresa. Quem duvida disso? Dia destes
resolvo descer ruas vizinhas à clássica e movimentada Avenida João Pinheiro,
quando me encontro com um dos poucos cidadãos que me leem. E não era uma
incentivadora que mora no Bairro do Pará, aqui em Itabira. Esse, que prezo
muito também, arrasta-me pelo braço, nem pergunta se posso interromper a caminhada (estava de roupa de academia) e me
leva a um banco de assentar da Estação Rodoviária Genaro Mafra. Antes de
criticar o ambiente, que precisa de outra rodoviária de há muito e “os
políticos nem se lembram disso sequer nas eleições”, busca um guaraná para ele
e água mineral para abastecer a
garrafinha que me acompanha a tiracolo. Reitero que não tenho nem um centavo no
bolso. Ele diz que vai pagar. Mas contra-argumento que não posso parar a
caminhada. Ele desconversa e se lembra de que nas velhas eras nossas na Vale, quando
labutávamos nas alturas do Pico Cauê, eu não impunha condições para uma boa
conversa, e me diz que agora um bom papo
seria importante para ele. Se é
importante, concordo, cancelo a caminhada e passo a ouvi-lo.
Um
passo à frente, reclama de novo, agora que no mundo não há mais ouvintes. E diz
que todo mundo quer é só falar e postar ideias no facebook (“Os pseudo-donos do
mundo nunca curtem o que a gente escreve”). Em seguida, queixa-se dos que chama
de doutores dos pontos de vista diferentes. Ilustra que as pessoas brigam
demais para expor suas opiniões como se fossem intocáveis. Esclarece que as
ideias discutidas em todas as partes — praças, esquinas, velórios, bancos e
lotéricas — são quase sempre sobre política, o que diz detestar, mas abre um
parênteses para criticar o governo. Futebol é debatido nos botecos. Nas
academias, os jovens falam do último e do próximo show musical. Nos salões de
beleza triunfa quase sempre a fofoca, segundo ele. Sobre crianças, alerta que
estão alheias ao mundo e se entregam a jogos eletrônicos enquanto comem pipocas
ou sanduíches. “As pessoas que discutem
têm sempre argumentos que são mostrados como imbatíveis e inalienáveis”,
acrescenta. Meu amigo ainda proclama: “Imagine que cada pessoa no mundo aprende a pensar sempre guiada pela mídia. No Brasil, ou em muitos
países, a Rede Globo pensa para o povo. Mesmo assim, a consciência crítica do
cidadão garante estar com a razão. Ele é o dono da verdade que ainda procede de
origem duvidosa”.
Pergunta-me
o que penso de tudo isso, não espera a resposta e dá sequência à sua aula
particular: “O pior é que o debate agora é via whatsapp ou msn, sms,
istagram, snapchat, pouco pelo telefone e quase nada
pessoalmente”. Para quebrar a sisudez, ornamenta a fala com um fato hilário:
“Pelo tal zap se tornou muito complicado discutir. Às vezes sai uma
expressão que não queríamos digitar; por outro caminho, aparece um corretor
ortográfico que nunca pensa por nós, apenas ‘deduz’ artificialmente. Certa vez
receitei água de coco para um amigo. Quando fui conferir estava escrito ‘água
de cocô’. Aí começamos a travar uma briga sem fim sobre falta de respeito”.
Então,
resolve ministrar outra aula: “O pensamento é inimigo do ser humano”, anuncia
olhando para todas as pessoas que estão ao nosso redor, inclusive uma senhora
patusca que come pastel e deixa a gordura pingar sobre os fartos seios. Uai,
será mesmo? — pensei eu, e ele explica me antecipando a reflexão: “Existem
várias vertentes para provar isso, mas vou me concentrar em apenas uma. Quem
faz um curso de meditação transcendental (e acrescenta que fez e faz) entende que
a técnica ensina o contrário, ou seja, a
não pensar. Ou, por outra, a solução é desviar a mente do pensamento. Por isso
há o mantra, que é uma repetição preparada para evitar que bulhufas brotem em
nossas cabeças”. A duras penas, entro no seu raciocínio simplório: “Quer dizer
que pensar não é nada bom porque o que chove torrencialmente sobre nós não
pertence a nós?” — questiono com humildade e ele se aquiesce sem parar de
falar.
Começou
a enfiar as palavras no tema política, mesmo odiando-a, como dissera. Citou
vários nomes e concluiu o que para todos parece que há sentimentos
inexplicáveis. “Por exemplo, gostar de fulano, cicrano e beltrano para uns pode
parecer algo incompreensível. Há quem desfia defeitos estarrecedores inerentes a
determinados homens públicos. Na verdade, o que há chama-se utilização do
pensamento sem sustentáculo. Se há alguém que começa a pensar na vida, pensa
durante um longo período (por exemplo, de sete a setenta anos), a partir daí percebe-se
que está decadente” — disse tudo isso fazendo uma pose como estivesse fazendo
uma palestra para 500 pessoas e citando dois termos aplicados corriqueiramente:
demência e Mal de Alzheimer. E concluiu assim: “Gostou da minha explanação?”
Fico
grato pelas suas aulas, disse-lhe, e preparo uma despedida, mas ele quer falar
mais. Agora está conclamando que o
pensamento não parece conflitante entre o dele e o meu, ou seja, que
pensamos iguais. Assusto-me por um minuto e bebo uma boa quantidade de água
para não me engasgar. Em seguida, ele alega o seguinte: “Por trás do pensamento
vem outra situação indesejável chamada preocupação”. Mais uma vez concordo,
porém, passando a minha receita, aproveito o espaço para um anúncio: “A Vida é
Bela”. Neste instante, há um sobressalto de meu amigo, o bastante para me detonar: “Vi uma palestra sua em
vídeo e concordei apenas que você estava fazendo festa para agradar o freguês”.
Como? — questionei. Aí, meu caro e crítico amigo explica: “Aqui neste mundo não
tem saída. Nascemos para sofrer, padecer e depois morrer. Fora isso é pagar,
pagar, pagar”. Imediatamente, paga a pequena despesa no bar à frente e diz que
precisa ir embora para pagar o IPVA de
seus carros. E repete: “Meus carros”, enchendo o peito, como se todo mundo
tivesse carros com toda essa clara pluralidade. Vai embora e me deixa a ver
navios, e provando, a seu modo, ser mais um que não acredita na beleza da vida.
Apesar
de tudo, entendi terem sido proveitosas as aulas que recebi de graça. Tiro
várias conclusões e a seguinte destaco em sintonia com o meu eventual
professor: pensar não é mesmo uma boa ideia. Meu amigo é “o cara” e está
repleto de razões. Gente, vale a pena tentar um outra forma ou mania de encarar
a chuva de juízos que recebemos seguidamente, dos quais desconhecemos até a
origem!
Pronto, falei...
Nenhum comentário:
Postar um comentário