domingo, 14 de janeiro de 2018

Por que todo mundo pensa diferente?

A vida é engraçada e nos pega sempre de surpresa. Quem duvida disso? Dia destes resolvo descer ruas vizinhas à clássica e movimentada Avenida João Pinheiro, quando me encontro com um dos poucos cidadãos que me leem. E não era uma incentivadora que mora no Bairro do Pará, aqui em Itabira. Esse, que prezo muito também, arrasta-me pelo braço, nem pergunta se posso interromper a  caminhada (estava de roupa de academia) e me leva a um banco de assentar da Estação Rodoviária Genaro Mafra. Antes de criticar o ambiente, que precisa de outra rodoviária de há muito e “os políticos nem se lembram disso sequer nas eleições”, busca um guaraná para ele e  água mineral para abastecer a garrafinha que me acompanha a tiracolo. Reitero que não tenho nem um centavo no bolso. Ele diz que vai pagar. Mas contra-argumento que não posso parar a caminhada. Ele desconversa e se lembra de que nas velhas eras nossas na Vale, quando labutávamos nas alturas do Pico Cauê, eu não impunha condições para uma boa conversa, e me diz que agora um bom papo  seria importante para ele. Se é  importante, concordo, cancelo a caminhada e passo a ouvi-lo.

Um passo à frente, reclama de novo, agora que no mundo não há mais ouvintes. E diz que todo mundo quer é só falar e postar ideias no facebook (“Os pseudo-donos do mundo nunca curtem o que a gente escreve”). Em seguida, queixa-se dos que chama de doutores dos pontos de vista diferentes. Ilustra que as pessoas brigam demais para expor suas opiniões como se fossem intocáveis. Esclarece que as ideias discutidas em todas as partes — praças, esquinas, velórios, bancos e lotéricas — são quase sempre sobre política, o que diz detestar, mas abre um parênteses para criticar o governo. Futebol é debatido nos botecos. Nas academias, os jovens falam do último e do próximo show musical. Nos salões de beleza triunfa quase sempre a fofoca, segundo ele. Sobre crianças, alerta que estão alheias ao mundo e se entregam a jogos eletrônicos enquanto comem pipocas ou sanduíches. “As pessoas  que discutem têm sempre argumentos que são mostrados como imbatíveis e inalienáveis”, acrescenta. Meu amigo ainda proclama: “Imagine que cada pessoa no mundo aprende a pensar sempre guiada pela mídia. No Brasil, ou em muitos países, a Rede Globo pensa para o povo. Mesmo assim, a consciência crítica do cidadão garante estar com a razão. Ele é o dono da verdade que ainda procede de origem duvidosa”.

Pergunta-me o que penso de tudo isso, não espera a resposta e dá sequência à sua aula particular: “O pior é que o debate agora é via whatsapp ou msn, sms, istagram, snapchat, pouco pelo telefone e quase nada pessoalmente”. Para quebrar a sisudez, ornamenta a fala com um fato hilário: “Pelo tal zap se tornou muito complicado discutir. Às vezes sai uma expressão que não queríamos digitar; por outro caminho, aparece um corretor ortográfico que nunca pensa por nós, apenas ‘deduz’ artificialmente. Certa vez receitei água de coco para um amigo. Quando fui conferir estava escrito ‘água de cocô’. Aí começamos a travar uma briga sem fim sobre falta de respeito”.

Então, resolve ministrar outra aula: “O pensamento é inimigo do ser humano”, anuncia olhando para todas as pessoas que estão ao nosso redor, inclusive uma senhora patusca que come pastel e deixa a gordura pingar sobre os fartos seios. Uai, será mesmo? — pensei eu, e ele explica me antecipando a reflexão: “Existem várias vertentes para provar isso, mas vou me concentrar em apenas uma. Quem faz um curso de meditação transcendental (e acrescenta que fez e faz) entende que a técnica ensina o contrário, ou seja,  a não pensar. Ou, por outra, a solução é desviar a mente do pensamento. Por isso há o mantra, que é uma repetição preparada para evitar que bulhufas brotem em nossas cabeças”. A duras penas, entro no seu raciocínio simplório: “Quer dizer que pensar não é nada bom porque o que chove torrencialmente sobre nós não pertence a nós?” — questiono com humildade e ele se aquiesce sem parar de falar.

Começou a enfiar as palavras no tema política, mesmo odiando-a, como dissera. Citou vários nomes e concluiu o que para todos parece que há sentimentos inexplicáveis. “Por exemplo, gostar de fulano, cicrano e beltrano para uns pode parecer algo incompreensível. Há quem desfia defeitos estarrecedores inerentes a determinados homens públicos. Na verdade, o que há chama-se utilização do pensamento sem sustentáculo. Se há alguém que começa a pensar na vida, pensa durante um longo período (por exemplo, de sete a setenta anos), a partir daí percebe-se que está decadente” — disse tudo isso fazendo uma pose como estivesse fazendo uma palestra para 500 pessoas e citando dois termos aplicados corriqueiramente: demência e Mal de Alzheimer. E concluiu assim: “Gostou da minha explanação?”

Fico grato pelas suas aulas, disse-lhe, e preparo uma despedida, mas ele quer falar mais. Agora está conclamando que o  pensamento não parece conflitante entre o dele e o meu, ou seja, que pensamos iguais. Assusto-me por um minuto e bebo uma boa quantidade de água para não me engasgar. Em seguida, ele alega o seguinte: “Por trás do pensamento vem outra situação indesejável chamada preocupação”. Mais uma vez concordo, porém, passando a minha receita, aproveito o espaço para um anúncio: “A Vida é Bela”. Neste instante, há um sobressalto de meu amigo, o bastante  para me detonar: “Vi uma palestra sua em vídeo e concordei apenas que você estava fazendo festa para agradar o freguês”. Como? — questionei. Aí, meu caro e crítico amigo explica: “Aqui neste mundo não tem saída. Nascemos para sofrer, padecer e depois morrer. Fora isso é pagar, pagar, pagar”. Imediatamente, paga a pequena despesa no bar à frente e diz que precisa ir embora para  pagar o IPVA de seus carros. E repete: “Meus carros”, enchendo o peito, como se todo mundo tivesse carros com toda essa clara pluralidade. Vai embora e me deixa a ver navios, e provando, a seu modo, ser mais um que não acredita na beleza da vida.

Apesar de tudo, entendi terem sido proveitosas as aulas que recebi de graça. Tiro várias conclusões e a seguinte destaco em sintonia com o meu eventual professor: pensar não é mesmo uma boa ideia. Meu amigo é “o cara” e está repleto de razões. Gente, vale a pena tentar um outra forma ou mania de encarar a chuva de juízos que recebemos seguidamente, dos quais desconhecemos até a origem!

Pronto, falei...

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