domingo, 21 de janeiro de 2018

De cães, gatos e castra móvel

Uai, cadê a Sociedade Protetora dos Animais? Andei procurando sinais de ativistas, mesmo relaxados, para denunciar os costumeiros absurdos, mas não os encontrei. O que vi pelas ruas movimentadas de Itabira, agora quase sem  cães, foi o tal Castra Móvel correndo atrás das presas, o cão e o gato. O que faz a equipe castradora? Pega o animalzinho, impiedosamente, sem pedir licença, e creu... Fiquei sabendo, todavia, que a tal sociedade protetora (ou seria incomplacente?) é favorável à capação dos povoadores de nossas ruas, praças, becos e avenidas. Não parece contraditório? Juntando-se a um monte de entidades e praticamente todo mundo, chegando a vereadores, prefeitos, deputados, não ouvi uma só voz em defesa da raça canina. Que injustiça! Precisamos eleger representantes dos animais que os ajudem a viver!

Neste momento estou numa reunião comunitária  de um bairro bem badalado de Itabira como velho repórter, portanto, neutro, que entra mudo e sai calado. Um frequentador assíduo do ambiente, a quem chamo de Senhor M, levanta a  voz a plenos decibéis para anunciar o seguinte: “Como não aparece alguém aqui para latir em defesa dos animais, eu me apresento e passo a ser o advogado dos conhecidos erroneamente como irracionais, e quero agora miar, ganir e rosnar enquanto tiver garganta”. O presidente da associação esbraveja do fundo da sala, esmurra a mesa e  grita com força: “Aguarde o momento de tocarmos no assunto cães e gatos, por favor! O tema está na pauta de hoje, infelizmente.” O infelizmente fere a autoestima dos cidadãos que se apresentam como procuradores da gataria e das matilhas desvairadas a esta altura.

Chega, afinal, o instante mais aguardado pelos dois únicos cidadãos legítimos que se posicionam em favor das vítimas. Aí o assunto passa a ser Castra Móvel, o terror criado e patrocinado por políticos, de origem meio desacreditada no momento: Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais.
Abro um parênteses para registrar um comentário que ouvi na sala de espera de um hospital: “Que falta do que fazer!” Fecho o parênteses e retorno à reunião comunitária.

“Que luxo! — ironiza o Senhor M, levantando-se de seu assento — agora os parlamentares mineiros estão capando os quatro patas, se é que já não começaram também a capar os duas patas, nós.” Constato que o Senhor M, que está acompanhado pelo seu amigo, ou irmão, Senhor N, arrasta a cadeira, atropela mesas e põe a boca no trombone: “Um absurdo está acontecendo nestes dias em nossa cidade!” Engole uma saliva seca, raspa a garganta, só não cospe porque o tempo das escarradeiras já se foi, e prossegue: “Estão perseguindo os nossos animaizinhos indefesos, pegando-os à força, amarrando-os e fazendo a mais violenta castração. Para completar, sem anestesia!”

À exceção dos senhores M e N, todos os presentes na reunião parecem desaprovar o que acaba de ser dito. Corrigindo: tem uma senhora que até alimenta matilhas na porta de sua casa. Diante da maioria absoluta contrária, o Senhor M resolve aumentar o tom de voz e cuspir marimbondos por todas as ventas: “Meus senhores e minhas senhoras! — agora já virou comício — pergunto a vossas senhorias ou excelências: que prazer de viver tem um cão e um gato?” Ensaia, em pose bem destacada, uma pausa, bebe água e dispara: “Respondam-me, por favor: eles vão à praia, chupam picolé ou sorvete, frequentam cinemas, aparecem em festas, botecos, casamentos, batizados, ou bebem cerveja ou uísque ou cachaça? Entram em estabelecimentos bancários para sacar dinheiro? A nada disso têm direito, são simplesmente pobres-coitados, excluídos, sofredores, humildes e humilhados, exceto os adestrados, que gozam de mordomias, tratados como reizinhos a pão e leite. Só há daqui para a frente um escasso prazer para os maiores amigos do homem: estabelecerem-se de plantão na porta de algum generoso açougue, muito raro por sinal, aguardando uma incerta muxiba. Perambular atrás das fêmeas de cio é coisa do passado. A castração retira esse item principal da vida deles.” Em tempo: as fêmeas sofrem o processo de esterilização. Aí, viu? Piora para os machos.

Cala-se o auditório. Uma nuvem cinza percorre os olhares das pessoas junto de uma ducha imaginária de água gelada. Nem uns dois ou três cachorros, que normalmente apareciam para abocanhar sobras de pão de queijo na hora do lanche, estão presentes para agradecer ou bater palmas. Os gatos também sumiram. Os  contentes, neste caso, são os ratos, que vão aumentar ainda mais sua população, principalmente nos sótãos de velhos casarões tombados ou não tombados pelo patrimônio histórico. Dizia meu avô que gato capado não liga nem para ratazanas prenhes.

O excelentíssimo senhor presidente, meio abatido e gaguejante, considerando as lições de moral engolidas à força, encerra a reunião, justifica que não é o responsável pelas limitações dos irracionais, e anuncia: “Nada há a fazer porque o que foi capado foi capado e não volta mais a descapar (sic)”. E fez um gesto de que este assunto vai para o lixo, colocando nele a tal  pá de cal. “Em nome de Deus e das normas estatutárias vigentes, declaro encerrada esta primeira reunião do ano.”

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