Desde meus tempos de criança sempre tive obsessões que, dentro de mim, criam mitos. Esses podem ser gente, objetos, paisagens, qualquer símbolo. Vou dar um exemplo: o Pico do Cauê, que conheci de vários pontos de Itabira aos cinco anos de idade, era um mito especial. Via-o como algo sinistro, que escurecia Itabira sempre antes do pôr do sol. E até me metia medo.
Eu o perseguia determinadamente: aos 11 anos, tinha o costume de subir uma serra de quase 2 mil metros de altitude, atrás do casarão onde morávamos, em São Sebastião do Rio Preto, para ver a olho nu as dinamites arrebentarem a rica hematita, religiosamente ao meio-dia. Cauê, meu mito antológico, tornou-se uma cava. E que cava depressão!
Agora, vamos ao que interessa neste momento: outro mito imaginário, este humano, chamava-se Professor José Antônio Sampaio. Conheci-o pessoalmente em 1972, exatamente no mês de julho. Foi um dia após ter meu nome inserido em ata como candidato a vereador, pelo meu amigo e secretário do MDB, Marcos Evangelista Alves, o Gabiroba. Ao invés de sair pelas ruas e casas a pedir votos e de nem sequer planejar a campanha, tomei a iniciativa de ir à espreita da História de Itabira. Exigi de mim mesmo: como poderei ser vereador de uma cidade da qual não conheço a história?
Fui guiado a procurar o Museu do Ferro, situado na Rua Tiradentes, 55, bem no centro de Itabira, defronte o Zequinha Alfaiate e nos arredores de Aloísio Sampaio e Magalhães & Cia.
E vamos ao momento presente. Não me lembro que dia é hoje, só sei que estamos numa segunda-feira do mês 7, bem à tardinha. O Pico do Cauê já tapava o sol refrescante do inverno rigoroso daqueles tempos gelados.
Paro no primeiro degrau do casarão. Não vejo sequer um vira-latas vadiando pelas ruas, ou um gato em algum telhado por perto do Oswaldo Sampaio. Silêncio total, cada vez mais ensurdecedor, termo comum nos filmes de Martin Scorcese. Detenho-me ao pisar o chão da escadaria e deparo-me com um senhor, escrevendo à uma mesa, largando imediatamente a caneta-tinteiro e levantando-se para atender-me atenciosamente.
Peço-lhe desculpas assim: “Perdão, eu vim aqui à procura da História de Itabira, não sei se estou no caminho certo”. Não precisou dizer nem uma palavra e me arrastou gentilmente a uma sala, com ferros pendurados em suportes de mais ferros, nomes de forjas dos tempos idos pós-mineração do ouro, depois conduz-me a um armário recheado de livros com recortes de jornais colados e também revistas catalogadas, sobre História do Brasil, Minas Gerais, Regional e de Itabira
E começa a mostrar-me ainda uma ruma de descrições com os nomes de Padre Manoel do Rosário, vindo de Portugal, e dos Irmãos Albernaz, estes paulistas (seriam dois, mas um deles a ex-vereadora Maria José Pandolfi pesquisou e descobriu que apenas um esteve por estas bandas).
O Professor fala da Serra Cabeça de Boi, em Itambé do Mato Dentro, de onde o Cauê fora visto em 1720. E me enche de informações, fala de Tutu Caramujo, Drummond, Alfredo Duval, Maria Cassemira; mostra-me foto dos vereadores reunidos na primeira Câmara Municipal e marcamos novas aulas.
Nem me pergunta qual seria a minha intenção de conhecer as causas da descoberta do ouro, depois do ferro, nestas terras complicadas e misteriosas. E eu nem tive a coragem de pedir-lhe o primeiro sufrágio, calo-me pelo motivo claro: quem desconhece a terra pedir voto a quem a cabe de cor e salteado? Será que mereço? Volto lá dezenas de vezes e só quero mesmo saber da terra cercada pelo imenso pico de hematita compacta.
Mas desejo saber dele a sua própria história, que o tornara sábio do passado. Conta-me aos poucos: é “garrucheiro” da vizinha Santa Maria, leciona História, tornou-se inspetor escolar e por aí narra alguns tópicos até chegar àquele casario que parecia assombrado.
Três anos depois, eu eleito vereador, no segundo ano da primeira legislatura, tomo conhecimento de sua morte, bate-me grande arrependimento por não ter procurado essa criatura para falarmos mais sobre a história itabirana que poucos conhecem.
Já pra lá da idade escolar, resolvo estudar História, fazer duas pós, mesmo exercendo jornalismo. E me cresce a cada relance o arrependimento de não ter conhecido com mais profundidade essa figura que elegi como algo simbólico-imagético. Achava que por conhecer os Sampaio, muito populares nestas bandas, pudesse redescobri-lo facilmente. Mas, não! .
Mas, finalmente, por meio de um vereador, Marcelino Freitas Guedes, retorno àquela época mágica de correr atrás dos Albernaz e dos Rosário. Recordo-me ter construído outros mitos, como Dr. Pedro Martins Guerra, Terezinha Fajardo Incerti, Dr. Costa de Santa Maria, Dr. Mauro Alvarenga, Glória Lage (a enciclopédia) e outros, mais outros.
Voltando ao homem do momento, já fiz o relato: o Professor José Antônio Sampaio inventou o Museu do Ferro, que neste ano de 2021, transformado em Museu de Itabira, celebra seu cinquentenário.
Parabéns, meu mito Professor José Antônio Sampaio!
Parabéns,
vereador Marcelino Freitas Guedes!
Parabéns,
vereadores que aprovam o projeto!
Parabéns,
prefeito que promulgará a importante lei!
Anuncio e prometo revelar mistérios que ainda rondam a história itabirana. Às vezes passando pelos mitos, às vezes por meio de minha intermitente curiosidade nascida na infância, que vaza a velhice e segue para sempre.
José Sana
Em 07/05/2021
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