sábado, 9 de fevereiro de 2013

Maia: um livro, uma vida e muitos sentimentos

Em  mãos o livro “Encontros e Perdas” — SANTOS, Conceição Maia, 1.ed., Produção Editorial: Lílian Teixeira, Gráfica Paulinelli, Belo Horizonte: 2012, 200 p. Tudo a mesma coisa de outros livros de poemas e prosa  não fosse a autora uma pessoa de várias funções, sendo a principal a sensibilidade em tocar um assunto sem ferir nem a língua nem talvez um alvo que lhe tenha ferido. Quem sabe ler e entender enxerga o significado completo das entrelinhas.

É preciso dizer que foi ela uma minha quase professora. Nos meus tempos de curso primário — como era chamada a primeira etapa do Fundamental de hoje — me escalaram para ser aluno de Dona Inês, que nunca mais vi  e  sei que existe com toda a sua simpatia pelos lados da capital mineira. Mas acompanhava tanto Conceição quanto Lucinha, duas irmãs contemporâneas e inseparáveis, ora na escadaria e pátio do velho Grupo Escolar Odilon Behrens, em São Sebastião do Rio Preto, ora nos altares da Igreja Matriz. Aí elas estavam sempre presentes, e eu como coroinha, que ajudava missas em Latim, a respeitá-las como catequistas.  Do “Ad Deum qui laetificat, juventutem meam  passando pelo “Dominus vobiscum” e se destacando no “Confiteor Deo omnipotenti, beatae Mariae semper Virgini, beato Michaeli Archangelo”, via as duas irmãs como eternas mestras  religiosas e intelectuais, que sabiam traduzir para o português o que era falado na cerimônia, e nos transmitir.

Maia, como é conhecida fora dos eixos de nossa terra natal, onde atende por Dona Conceição, se perpetuou para muitos conterrâneos a princípio graças às referências extraordinárias dos pais: a mãe, Dona Isaura, exímia costureira, que debruçava na janela, a distribuir olhares de simpatia principalmente às crianças; o pai, Seu Lulu, artesão do couro, que eu via como um artista de cinema com a imponência de um Burt Lancaster ou John Wayne. Depois pelas suas próprias e firmes atitudes que mostravam um caráter inquebrantável. Na família, o mais novo, José Garcia, hoje apenas Garcia, como sou Sana em várias cidades por onde passei. Garcia era o meu protetor quando a barra pesava no tempo da adolescência arredia e repleta de peripécias. Lembro-me de quando um soldado quis me espancar, eu apenas um menino de 16 anos; ele se prontificou a enfrentar o dito cujo tira no meu lugar. Imaginem hoje um policial ameaçando um adolescente apenas por um motivo fútil, implicância da polícia naqueles tempos idos, meio atrasados, das cidadezinhas do interior. Garcia amedrontou o valentão mau-exemplo e me deixou orgulhoso. Nem sei se ele se lembra disso.

Não posso fugir do assunto. Devorei o livro de Maia com toda  a curiosidade com que devoro outros tantos,  me procurando localizar naqueles cenários simples que ela narra, ou por trás do sentido figurado dos poemas leves de sua autoria. São Sebastião do Rio Preto foi conservada em todo aquele encantamento do passado na sua pena castiça de suntuosidade  transbordando o simples. Também Itabira e até mesmo o Maranhão, onde ela descreveu em verso e prosa como marcantes de sua passagem mereceram versos e referências de prosa.  Não pude deixar de ser tocado também pelo poema dedicado a Alzira, a governanta da casa, a quem muitas vezes ia à procura de uma verdura para o almoço de minha casa. Não me esqueço dela pela amizade que tinha com a minha segunda mãe, a negra Maria Lucinha, que atravessou a minha convivência do nascimento à juventude.

A maior dádiva de “Encontros e Perdas”, sob o ângulo de meu olhar, é a capacidade que a autora demonstrou ao revelar-se a princípio uma figura passiva dos sofrimentos impostos pela vida e, paulatinamente, a capacidade de mostrar como fez para se erguer. Finalmente, no esplendor de uma profícua existência, aos poucos encontrou o ponto de apoio, de referência, o porto seguro da vida. Ela não deixa, porquanto, o leitor desestimulado com a vida a tornar-se um perdido ou deprimido. Pelo contrário, assim como naquele “levanta, sacode a poeira, dá a volta por cima”, didaticamente não ensina, mas muito mais do que isso, na prática oferece sua mão para um puxão ou empurrão em qualquer leitor.

Fiquei deveras  arrependido por  não ter feito maior esforço para ir à festa de seus 80 anos, evento ocorrido recentemente,  para o qual fomos convidados. Havia uma força maior que nos impediu, mas se antes tivesse lido essa bela obra  teria avançado sinais, subido serras, tudo para lhe dar um sincero abraço.

Siga em frente, Maia! Você se revelou uma ótima escritora de prosa e poetisa de sentimentos apurados. A sua alma fala com voz audível e singela na comoção em “Encontros e Perdas”. Quem sabe conta mais de sua vida que, doravante, é apenas Conquistas e Riquezas. Sim, da alma, do coração, da beleza de grande parte de sua vida que soube revelar com total perícia. Parabéns!

Um comentário:

  1. Estou muito feliz com suas palavras de carinho, entusiasmo e amizade.Meus 80 anos sao um trofeu, uma tocha olimpica que carrego com orgulho pela vida afora.O mais necessario eu tenho, a disposicao para a felicidade e a certeza de que sempre estarei em tempo de viver uma vida produtiva.Foi uma pena voce nao ter comparecido. Mais do que a comemoracao de um aniversario, foi um encontro de amigos.Agradeco de coracao sua manifestacao por ter gostado do meu livro. Estou tentantando fazer o lancamento dele em Itabira. O que voce acha da ideia? Tem algum local que voce recomenda?
    Abracos,
    Maia.

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