sábado, 2 de fevereiro de 2013

Atestado de minha (e de mais ninguém) incompetência para demitir Eleni Cássia Vieira do Museu do Tropeiro

Tomei um susto de subir a pressão arterial quando li que Eleni Cássia Vieira, especialista em tropeirismo, natural e residente em Ipoema, não é mais diretora do Museu do Tropeiro. Para quem não entende o que quero registrar, vou ao tema por etapas.

Inicialmente, quero me habilitar a discorrer sobre o assunto com os seguintes argumentos: 
—  não sou mais político, mesmo que muitos desacreditem e possa eu me declarar vacinado contra esse "mal"; 
— militei na política e fiquei conhecendo dos porões até o teto da política ipoemense; 
— tornei-me um seguidor dos desafios que provocaram o progresso e o desenvolvimento do distrito; 
— transformei-me em adepto da proposta Estrada Real e não só marquei presença na região frequentemente como percorri todo o trecho, de Diamantina a Paraty, e até a Lisboa, para dizer que "vigiei" as riquezas escaparem de nosso poder pelo Atlântico; 
— acompanhei quase toda a movimentação de três figuras de Ipoema para as quais pediria, caso fosse chefe de um tribunal de canonização, no mínimo o estudo de propostas de reconhecimento; 
— não sou amigo de Eleni Cássia Vieira o suficiente para me tornar seu escudeiro, embora seja seu inconteste admirador.

Para deixar o Jornalismo, enveredei-me pelos caminhos da História. Retornei-me  à Faculdade e estudei até duas pós-graduações. Tive a Estrada Real e Ipoema como constantes objetos de estudo. Conclui em meus trabalhos acadêmicos que Ipoema é exemplo para o Brasil e, acima de tudo, deve receber o troféu máximo do lugar que mais se desenvolveu após decretada a arrancada da Estrada Real, como o maior roteiro turístico do Brasil a partir de 1999. Provei em minhas dissertações e artigos, diante de rigorosas bancas julgadoras, que a velha Estalagem, depois Pouso Alegre, em seguida Aliança e, finalmente, Ipoema, não só aproveitou todas as oportunidades que foram dadas a 170 municípios, como liderou as realizações e atuou além de todas as expectativas.

Acompanho o desenvolvimento de Ipoema desde 1966, quando cheguei a Itabira. Admirava a política quente do distrito, "enfoguetada" pelo ex-colega de Legislativo, o combatente José Ignácio Vieira. Vereador sem remuneração, mas com excesso de idealismo e vontade de fazer, apesar das agruras, fazia ele das tripas o coração para garantir melhorias para a sua terra. Essa foi a primeira etapa vivida por mim. Na segunda, a luta por uma cooperativa de cana, incentivada pelo governo e por esse mesmo governo puxando o tapete, fato que deixou Ipoema com estima abaixo da temperatura na Rússia em inverno rigoroso. A seguinte batalha, dela também participei, foi quando se mudou o conceito de turismo e ele passou a fazer parte de todas as cidades e não apenas de meia dúzia de privilegiadas históricas e recheadas de lendas.

No advento da Estrada Real, conheci Eleni Cássia Vieira participando de reuniões com especialistas em tropeirismo e montando um projeto de memorial do tropeiro para Ipoema. Isto na pré-história do Museu do Tropeiro. No passo seguinte, ela foi a figura central na organização da Expedição Spix e Martius, que inaugurou, oficialmente, a arrancada da Estrada Real na região de Ipoema, Senhora do Carmo, Bom Jesus do Amparo e Itambé do Mato Dentro. Brava, intrépida em suas  posições, durante quatro anos ou mais ela se tornou voluntária do projeto, acreditando nele com todas as forças até que, em 2003, ajudou a inaugurar o Museu do Tropeiro.

Ipoema seguiu Eleni, alicerçada até inconscientemente por dois baluartes: Reinaldo Luiz Vieira, seu irmão, e Roneijober Andrade, empresário do turismo, guia turístico e melhor fotógrafo que conheço. Hoje não vou falar dessas duas figuras de destaque e quanto menos  discorrer sobre o  povo do Distrito Sorriso. Ah, me esqueci: Distrito Sorriso era de outro apaixonado por aquele torrão, o ex-prefeito de Itabira Daniel Jardim de Grisolia. E ainda deveria dizer algo mais a respeito de meu ex-colega de Câmara e amigo pessoal, José Braz Torres Lage, de saudosa memória. E também devo falar um pouco de  Raimundo Afonso, que revolucionou o distrito com obras. Desculpem-me Torrinha, Élio Quadrado e os anônimos que seguem a carruagem mais célere da Estrada Real.

Retorno a Eleni Cássia Vieira para encerrar estas mal traçadas e despretenciosas linhas. Eleni projetou, criou, organizou e administrou o turismo ipoemense. Conquistou a imprensa brasileira e muitos políticos, que se sensibilizaram com a sua dedicação. Liderou a grande participação das Mulheres Caminhantes da Estrada Real. Fez com que as portas coloniais e as janelas barrocas do museu fossem vistas por quem mais apoiou o projeto da Estrada Real. O seu segredo, tentei, em vão, descobrir e só pude ver, realmente, os resultados. Agora, que se desponta a conclusão significativa de um trabalho muito demorado e cheio de emoções — o título de Patrimônio da Humanidade para o Museu do Tropeiro e/ou o Tropeirismo Mineiro — eis que ela se afasta com sua total saúde física, moral, intelectual e com o verdadeiro idealismo à flor da pele.

Compreendo perfeitamente o que seja o rodízio de trabalho dentro do regime democrático. A alternância do poder garante esse momento áureo da liberdade e busca de justiça social em todos os segmentos. Só faço uma ou outras concessões: para demitir Eleni do Museu do Tropeiro — e ela não era apenas Museu, mas Ipoema, Região e Estrada Real como um todo — era preciso pedir licença a tantos que acreditaram naquilo que realmente foi feito e que deu resultados concretos diante de muitos e muitos fracassos, infelizmente, em regiões ora dominadas pela mineração, ou nas fronteiras de São Paulo e Rio de Janeiro, as quais, ainda, não deram o braço a torcer à grande rota.

Para demitir Eleni, alguém teria que chamá-la bem num cantinho e prestar-lhe várias homenagens e, também, pedir-lhe que concedesse um estágio ao seu substituto. Não sei se é possível transmitir conhecimento em um, dois, três meses de trabalho. Só sei que não se pode perder o que essa profissional fez de coração e de técnica em matéria de transformar um distrito de essencialmente político e cansado de perder batalhas em infinitamente confiante e seguro, com a cabeça erguida para a frente.

Só quero desejar felicidades ao sucessor que foi indicado para o seu lugar. Porque Ipoema continua sendo ícone de minha admiração no conceito de história, um distrito que mais deu certo na Estrada Real. Dou fé a este atestado que assino com convicção. E levo minha humilde firma para ser reconhecida em algum cartório de esperança. E que me perdoe a incompetência.

P.S.: Quero pedir desculpas a Eleni Cássia Vieira por tomar a liberdade de falar dela com tanta sinceridade e usando meus pequenos conhecimentos. Tudo isso sem consultá-la ou sem submeter a ela um texto que considero simplesmente o retrato de minha visão durante 46 anos de convivência com Ipoema.

Um comentário:

  1. Concordo com o autor do blog sobre tudo o que escreveu de Eleni do Museu do Tropeiro. Mas parece que nos últimos tempos ela estava desanimada. Não sei se foi porque o seu suposto candidato, o Ronaldo, tinha perdido a eleição. Mas apoio tudo o que está aqui escrito porque Ipoema deve muito a ela.

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