terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Itabira: bombardeios silenciosos, terremotos invisíveis e poeira de levar sinusites e rinites para os pulmões

Desde 1966 moro em Itabira, mas muito antes, aos cinco anos de idade, já conhecia a cidade dos morros e dos ventos uivantes. Nessa distante idade, subia a serra do terreno em que viríamos a morar, em São Sebastião do Rio Preto, a 60 quilômetros de distância, para ver as explosões no lendário Cauê. Todo santo dia, ao meio-dia, uma serra de hematita explodia sobre uma das mais famosas montanhas do Brasil. E eu vibrava como se aquilo fosse algo do outro mundo.

Ao chegar à terra de Drummond, de João Camillo de Oliveira Torres, Cornélio Pena, Alfredo Duval e  de outras figuras notáveis, para aqui morar,  antes de tomar posse no cargo que conquistei em concurso na velha Companhia Vale do Rio Doce, ouvi uma surpreendente palestra, proferida no escritório do Areão, pelo meu então chefe, o saudoso Sinésio Valeriano Alves. Disse ele de bom tom que “hoje vocês chegam para a Vale do Rio Doce, mas pode ser que, em breve, a empresa os deixe, porque o nosso minério de ferro não tarda a acabar.

Os anos passaram, saí da Vale, a síndrome da exaustão continuou assombrando o itabirano,  aposentei-me depois (nunca na CVRD como dizem os maliciosos, jogando indireta para uma possível malandragem), o minério de ferro, além de não ter-se findado, ainda deu o que chamam de “terceira safra”, exatamente a fase em que vivemos agora: o itabirito, ou minério duro, até então conhecido como rejeito, passou a ser matéria-prima de alta importância. 

Presenciei na empresa em que trabalhei durante 13 anos várias de suas fases. Traumática, a privatização não trouxe, pelo menos por enquanto, prejuízos à cidade. Muito pelo contrário, fez com que houvesse mais empregos, os velhos empregados se tornassem patrões e a cidade passou a negociar, sem politicagem, com a diretoria da velha Madrasta. De tão ruim, de tão politiqueira, desde os tempos de PSD e UDN, esse apelido de mãe indesejável lhe pegou e era sumamente proibida a sua repetição dentro dos espaços da estatal, principalmente no período da ditadura militar, sob pena de ser demitido sumariamente.

Mas, infelizmente, acelerando a produção, porque a empresa passou a ser privada, recentemente, a Vale inaugurou os bombardeios silenciosos. Antes, as explosões faziam mais barulho e sacudiam as mais de 40 mil casas. Hoje o processo mudou. A notável  tecnologia contratada pela poderosa mineradora faz com que as casas dancem de samba a twist e desse a forró, passando pelo rock e até a dança da garrafa. Não há, verdadeiramente não há, uma só casa ou apartamento na cidade que não pegue o pique e que, mesmo sem querer, deixe de sambar no meio de todos os que vão se acostumando com a diária hora dançante. E algumas ou muitas construções estão trincadas, telhas caem ou se quebram. Os resultados não são nada animadores.

Esses terremotos sombrios e sorrateiros atingiram o grau máximo sísmico na data de aniversário da cidade, 9 de outubro de 2012. Não sei por que a empresa resolveu prestar essa homenagem à sua enteada, Itabira. Foi uma sacudida que mexeu com todos os quadrantes da urbe, fora de hora, na calada da noite. Desses passos sem ritmo, pulamos para a ventania, notadamente substituta do tsunami, que não poderia faltar, levantando a poeira ao contrário do samba que faz dar a volta por cima. Quando ninguém espera, especialmente ao entardecer, chega com furor uma tempestade de minério de ferro, tal como as que massacram os desertos, aqui chamado essa matéria elegantemente de partículas em suspensão, notadamente mais simpático termo que poeira.

Itabira privilegiada tem de tudo: não lhe falta aquele que adora ver a sua casa e a do vizinho dançar, os que bebem pensam que é efeito etílico; mesmo vendo a poeira subir, há quem aprecie o estrondo silencioso, que estraga mais, abre veias de busca da matéria-prima, seja debaixo das igrejas, dos casarões históricos ou mesmo quebrando o asfalto; e a maior abundância tentando desmontar os pulmões resistentes. O meu, por exemplo, nunca assustou os otorrinolaringologistas, que não se cansam de diagnosticar: bronquite, rinite, sinusite e o que, se Deus quiser não vem, a danada da asma.

A receita do doutor ou da doutora? Ah “Pinga isso nas narinas, tome aquilo na bunda e engula esses comprimidos. Caso não queira fazer nada disso, tome vergonha na cara, pegue suas trouxas e mude de Itabira, se possível para uma praia. E agradeça a Deus por não ter morrido ainda”.

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