Tãozinho é o primeiro da Banda do Zé Grande, pai do Godó, em 1923 |
Vamos voltar no calendário, agora mais antigamente ainda, a
1923, ano muito importante na vida de Sebastião Cândido Ferreira de Almeida, o
Tãozinho do Godó. Naquela distante época,
nasceu, em Ouro Preto, aquela que seria, a partir de 30 de outubro de 1943, a
sua companheira para a vida toda, depois minha mãe e de mais nove pequerruchos, Itália Sana. E, também, ocorreu
um fato que foi importante para a família do seu pai, Godofredo Cândido
D’Almeida, a chegada triunfal da imagem de São Godofredo a São Sebastião do Rio
Preto. Um dia inesquecível, segundo José Lucas Ferreira.
Naquele tempo, como se diz nos evangelhos, era usual aos
católicos ter, cada um, um santo protetor para a vida toda. Esse escudeiro tinha no
nome dado ao filho de Deus, o último nascido, levado ao cartório e à pia
batismal. Assim, chamo-me José por causa de São José; meu pai Sebastião, em homenagem ao santo combatente da
fome, da peste e da guerra. Mas meu avô não sabia quem era São Godofredo e
ansiava pela sua presença em imagem. Então, ele, sempre um homem determinado e
de muita fé, não se contentou e começou a luta à procura do seu especial
defensor no Céu e na Terra.
Godó saiu procurando afoitamente um desconhecido São Godofredo
qualquer, desde que fosse bom, que chamasse Godofredo e nem precisava ter sido
beatificado. Tive acesso, por meio de uma tia, Luzia Cândida Ferreira de
Almeida Dias, às correspondências dele dirigidas ao Vaticano, com as suas respostas
e a outras cartas dirigidas ao Bispado
de Reims, na França. Nas buscas, meu avô constatou que na França vivera o exato
“santo” que se encaixava dentro de suas exigências. Assim, com base em
informações recebidas, por correspondência, da embaixada francesa, organizou a
biografia de seu santo preferido e encomendou uma escultura de madeira ao velho
santeiro Alfredo Duval, em Itabira. O fato de ter sido esculpida a imagem em
madeira, em Itabira, foi narrado por uma
das filhas de Duval, Maria, a mais nova da família, em 1993.
Depois de tudo providenciar, uma
festa de recepção à imagem foi marcada e muito bem organizada para o mês de julho daquele ano. Chegaram à
Vila de São Sebastião do Rio Preto seis bispos de outras cidades, especialmente
da Diocese de Diamantina, e até a Banda de Música do seu arqui-inimigo
declarado, Marciano Moura, desfilou pelas ruas são-sebastianenses. A Banda do
Godó ainda não era a Banda do Godó, mas do Zé Grande, pai de meu avô. A foto
abaixo mostra Godofredo com vários de seus parentes, incluindo, pela sequência,
os filhos Tãozinho, Zezé e Maria Jacintha, todos ainda crianças. Ele,
imponente, segura o seu instrumento musical que o acompanhou pela vida afora, o
Oficlide, que nós chamávamos para correção
imediata do velho Godofredo e o seu esbravejar de “ore, ore”, “Pé de Mamão”.
A imagem super aguardada saiu de Itabira, mas a informação é que
sua origem teria sido Portugal e passou por Morro do Pilar, carregada num andor
com todas as pompas. A festa foi mesmo
de arromba, é claro, para José Lucas ou Zezé da Maricas, como a mais animada de
todos os tempos. São Godofredo aportou
no alto do Cemitério, carregada por uma multidão e desfilou pelas ruas do arraial saudada por
uma barulhada intensa e ensurdecedora: bandas de música, marujos, caboclos e um
foguetório sem tréguas. Era pároco na época o Padre Manoel Madureira, filho da
Terra.
Aí entra a narrativa oral de meu pai, Tãozinho. Ele tinha nove
anos. Zezé e Maria Jacintha pouco mais
velhos. Ele viu e ouviu tudo com detalhes. Seu pai, o Godó, fez, no final do desfile, ou profissão, um
empolgante discurso. Num trecho de sua oratória, fez uma saudação especial à
imagem e a chamou o novo santo de “Meu querido xará”. Milhares de pessoas que
assistiam àquela apoteose caíram na gargalhada, mas, também ecoaram palmas intensas
naquela euforia indescritível.
Depois da festa, São Godofredo passou a ocupar lugar de destaque
no altar-mor da Igreja do Rosário. Nos
anos seguintes, Padre Argel também permitiu a presença da escultura no principal altar da antiga Matriz, que se
localizava na Rua do Rosário. Mas, a partir da década de 1950, o novo pároco,
Padre Raul de Melo, cassou a santidade do ex-bispo de Reims, cuja imagem
encontra-se até os dias atuais escondida entre outras num canto da sacristia da
atual Matriz de São Sebastião. De acordo com o vigário local, o santo não fazia
parte dos beatos canonizados pela Igreja Católica.
A Banda do Godó, que brilhou naquela festa, continuou a sua
vida. Ela teve Tãozinho e Zezé nas suas fileiras, além do pai. Mais tarde,
Godofredo e alguns sobrinhos — filhos de Dona Maricas e Dona Naguita entre
tantos. Nas gerações seguintes, foi
sempre renovada por maestros contratados pelo meu avô, enquanto a Furiosa, do
Marciano Moura, com sede na localidade do Porto, colocava um ponto final em sua
existência.
A Banda do Godó merece um capítulo à parte, principalmente na
época em que fiz parte dela, com meu pai, e os irmãos Carlos e Sebastião;
praticamente todos os primos que residiam na Vila; ampliada por jovens moradores
locais, de adultos e outros que eram considerados sequência da Família do Godó. Vale lembrar que
Tãozinho se tornou exímio músico — tocava vários instrumentos, inclusive violão,
e o principal de todos, a requinta, que se assemelha à clarinete.
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