segunda-feira, 11 de março de 2019

CARNAVAL: FIM DE UMA FESTA QUE JÁ FOI INTERESSANTE


Antes que meia dúzia de leitores venha me proclamar antigo, reforço a opinião de cada um: sou anterior às Inconfidências Baiana e Mineira, à Guerra do Paraguai, a todas as ditaduras brasileiras e estendo essa antiguidade ainda mais: venho do período do entrudo português nos tempos do Brasil Colônia. Aí, dispenso qualquer tipo de antecipação sobre a minha mente ligada ao passado.

E é exatamente por causa disso que me sinto um tanto quanto credenciado a falar da festa de momo, muitas vezes lembrada como cultura  mas sempre com um viés distorcido para o lado oposto. No Brasil, o tipo de carnaval dos umbigos de fora começou no advento da televisão, até certo ponto muito recente porque foi o anteontem de nossa história.

O tempo em que vivi, muito antes da televisão, se havia devassidão ela se confinava nos salões chiquérrimos das grandes cidades e nunca nos recintos modestos que frequentei. Tão contundente era a escola com aulas de  pudor que até me lembro de um “escândalo” da época, divulgado na transmissão da Rádio Nacional do Rio de Janeiro (estão vendo como sou antigo?), uma modinha que guardei no recôndito mais atento da memória:

“Na minha casa não racha lenha./
Na minha racha, na minha racha./
Na minha casa não falta água. / Na minha abunda.”

“Ah! Antigamente é que era bom!”. Quando alguém com mais de 60 anos faz essa afirmação é imediatamente chamado de saudosista, desatualizado e de tantos outros adjetivos deprimentes. É claro que não pretendemos voltar a brincar com lança-perfume, bisnagas e vestindo smoking. Apenas lembrando como o carnaval caiu no termômetro cultural, no Rio de Janeiro, talvez a sua capital mundial, em cuja Cidade Maravilhosa predominava o culto de Machado de Assis, caiu essa característica, inesperadamente, para  a baixa literatura dos gandaeiros. Para salvar tal situação, inventaram termos  como “nu da arte”, “beleza intocável”, e outros mais, surgindo a tal Globeleza, símbolo de uma época que se desembarcava do puritanismo.




Carnaval seguido por carnaval, umbigos passaram a nem ser vistos mais, nem focalizados pelas câmareas, nenhum existe. Se até meados do século XX  e, em grande parte, a gente brasileira vivia a repressão do erotismo e transformando interesseiramente a nudez em arte, a partir dos anos 1960 observou-se uma clivagem. O corpo despido lentamente se disponibilizou. Lentamente, também, caíram os panos. A nudez deixou de ser sinônimo de proibição até mesmo sem arte e tudo o que dissesse respeito à sexualidade começou a ganhar o centro da vida social, servindo  também  às estratégias de consumo.

Estourou 2019, vamos chegar aqui rapidamente para que este texto não dure tanto. Houve, então, um salto de fazer inveja a Sodoma e Gomorra. O desbandalho foi escandaloso de abalar céu, purgatório e inferno, como dizem por aí . Nem sou capaz de escrever o que vi, todos viram, muito além daquilo que o presidente Bolsonaro, a meu ver inadequadamente, no calor de seu susto, postou nas redes sociais  e que recebeu hipócritas críticas de vários jornais do mundo, sem contar de alguns brasileiros igualmente perdidos no jardim da falsidade chamada ideológica e que não passa de completa proclamação da hipocrisia, do “faça o que falo mas não faça o que faço”.

Só tenho a dizer que o carnaval definitivamente acabou, foi  sepultado pela depravação, também embalado por algumas expressões que são simplesmente homofobia, ideologia de gênero e outras mais. Como escrevi acima, não vou citar o que vi, tenho extrema vergonha de nossa raça chamada humana, muito mais horrenda que a dos irracionais pelo que se expôs neste tempo que precisa ser esquecido.

Não se pode censurar, é contra a democracia. Imitar o presidente até eu condeno, o certo são aqueles espantalhos expostos em posição que Napoleão perdeu a guerra, de vista escancarada para o deprimente, em plenas praças públicas. O que precisamos assumir, no ver dos babacas internacionais, nacionais, estaduais e municipais, é fazer de conta que tapamos os olhos e enxergar tudo com natural vergonha na cara. E o futuro? Definitivamente não haverá. As gerações que vêm perderam o direito de viver por culpa dos covardes e (ir) responsáveis causadores do caos.

Sem contar a falta de vergonha mencionada, levando para o lado da imbecilidade dos interessados em cenas promíscuas entre seres humanos de ambos os sexos, repetidos e horrorizados, há o mesmo processo dos umbigos, que não são vistos mais: a libertinagem arrasa com o desejo sexual e aí é o fim do fim. Caso em 2020 venha esse tal de  progresso pregado pelos imorais como “evolução”, a partir de então teremos de mudar também o Código Penal (CP) que se refere ao crime do atentado ao pudor.

O CP trata tais crimes contra os costumes, classificando-os, nos vários capítulos, e chegando ao ‘ultraje público ao pudor’. Incluem-se todos os termos do título, revogam-se todas proibições ao contrário e entraremos definitivamente na classe dos vira-latas de esquina e gatos de telhado, irracionais por obrigação e dever de ofício.

Adeus, mundo retardado e besta!

José Sana

Em 11/03/2019


P.S.: No meio desse clima ignóbil citado acima, quero destacar uma bela exceção. O positivo que houve cumprimento com minha simplicidade: o casal amigo, Márcio Passos e Eloíza Passos, conhecido de nossas rodas de João Monlevade e Itabira, que desfilou em alto estilo no carnaval carioca da Viradouro, escola classificada entre as primeiras na Marquês de Sapucaí, Rio de Janeiro. Eterna homenagem ao belo que precisa ser preservado. Parabéns!



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