Antes
que meia dúzia de leitores venha me proclamar antigo, reforço a opinião de cada
um: sou anterior às Inconfidências Baiana e Mineira, à Guerra do Paraguai, a
todas as ditaduras brasileiras e estendo essa antiguidade ainda mais: venho do
período do entrudo português nos tempos do Brasil Colônia. Aí, dispenso
qualquer tipo de antecipação sobre a minha mente ligada ao passado.
E é
exatamente por causa disso que me sinto um tanto quanto credenciado a falar da
festa de momo, muitas vezes lembrada como cultura mas sempre com um viés distorcido para o lado oposto.
No Brasil, o tipo de carnaval dos umbigos de fora começou no advento da
televisão, até certo ponto muito recente porque foi o anteontem de nossa
história.
O
tempo em que vivi, muito antes da televisão, se havia devassidão ela se
confinava nos salões chiquérrimos das grandes cidades e nunca nos recintos
modestos que frequentei. Tão contundente era a escola com aulas de pudor que até me lembro de um “escândalo” da
época, divulgado na transmissão da Rádio Nacional do Rio de Janeiro (estão
vendo como sou antigo?), uma modinha que guardei no recôndito mais atento da
memória:
“Na minha casa não racha lenha./
Na minha racha, na minha racha./
Na minha casa não falta água. / Na minha abunda.”
“Ah!
Antigamente é que era bom!”. Quando alguém com mais de 60 anos faz essa
afirmação é imediatamente chamado de saudosista, desatualizado e de tantos
outros adjetivos deprimentes. É claro que não pretendemos voltar a brincar com
lança-perfume, bisnagas e vestindo smoking. Apenas lembrando como o carnaval
caiu no termômetro cultural, no Rio de Janeiro, talvez a sua capital mundial, em
cuja Cidade Maravilhosa predominava o culto de Machado de Assis, caiu essa
característica, inesperadamente, para a
baixa literatura dos gandaeiros. Para salvar tal situação, inventaram termos como “nu da arte”, “beleza intocável”, e
outros mais, surgindo a tal Globeleza, símbolo de uma época que se desembarcava
do puritanismo.
Carnaval seguido
por carnaval, umbigos passaram a nem ser vistos mais, nem focalizados pelas
câmareas, nenhum existe. Se até meados do século XX e, em grande parte, a gente brasileira vivia
a repressão do erotismo e transformando interesseiramente a nudez em arte, a
partir dos anos 1960 observou-se uma clivagem. O corpo despido lentamente se
disponibilizou. Lentamente, também, caíram os panos. A nudez deixou de ser
sinônimo de proibição até mesmo sem arte e tudo o que dissesse respeito à
sexualidade começou a ganhar o centro da vida social, servindo também
às estratégias de consumo.
Estourou 2019,
vamos chegar aqui rapidamente para que este texto não dure tanto. Houve, então,
um salto de fazer inveja a Sodoma e Gomorra. O desbandalho foi escandaloso de abalar
céu, purgatório e inferno, como dizem por aí . Nem sou capaz de escrever o que
vi, todos viram, muito além daquilo que o presidente Bolsonaro, a meu ver
inadequadamente, no calor de seu susto, postou nas redes sociais e que recebeu hipócritas críticas de vários
jornais do mundo, sem contar de alguns brasileiros igualmente perdidos no
jardim da falsidade chamada ideológica e que não passa de completa proclamação da
hipocrisia, do “faça o que falo mas não faça o que faço”.
Só tenho a dizer
que o carnaval definitivamente acabou, foi sepultado pela depravação, também embalado por
algumas expressões que são simplesmente homofobia, ideologia de gênero e outras
mais. Como escrevi acima, não vou citar o que vi, tenho extrema vergonha de
nossa raça chamada humana, muito mais horrenda que a dos irracionais pelo que
se expôs neste tempo que precisa ser esquecido.
Não se pode
censurar, é contra a democracia. Imitar o presidente até eu condeno, o certo
são aqueles espantalhos expostos em posição que Napoleão perdeu a guerra, de
vista escancarada para o deprimente, em plenas praças públicas. O que
precisamos assumir, no ver dos babacas internacionais, nacionais, estaduais e
municipais, é fazer de conta que tapamos os olhos e enxergar tudo com natural vergonha
na cara. E o futuro? Definitivamente não haverá. As gerações que vêm perderam o
direito de viver por culpa dos covardes e (ir) responsáveis causadores do caos.
Sem contar a
falta de vergonha mencionada, levando para o lado da imbecilidade dos
interessados em cenas promíscuas entre seres humanos de ambos os sexos,
repetidos e horrorizados, há o mesmo processo dos umbigos, que não são vistos
mais: a libertinagem arrasa com o desejo sexual e aí é o fim do fim. Caso em
2020 venha esse tal de progresso pregado
pelos imorais como “evolução”, a partir de então teremos de mudar também o
Código Penal (CP) que se refere ao crime do atentado ao pudor.
O
CP trata tais crimes contra os costumes, classificando-os, nos vários
capítulos, e chegando ao ‘ultraje público ao pudor’. Incluem-se todos os termos
do título, revogam-se todas proibições ao contrário e entraremos
definitivamente na classe dos vira-latas de esquina e gatos de telhado,
irracionais por obrigação e dever de ofício.
Adeus, mundo
retardado e besta!
José Sana
Em 11/03/2019
P.S.: No meio
desse clima ignóbil citado acima, quero destacar uma bela exceção. O positivo
que houve cumprimento com minha simplicidade: o casal amigo, Márcio Passos e
Eloíza Passos, conhecido de nossas rodas de João Monlevade e Itabira, que
desfilou em alto estilo no carnaval carioca da Viradouro, escola classificada
entre as primeiras na Marquês de Sapucaí, Rio de Janeiro. Eterna homenagem ao
belo que precisa ser preservado. Parabéns!
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