terça-feira, 7 de outubro de 2014

UM HOMEM QUE SE TORNA MODALIDADE DE ATENDIMENTO PARA ALAVANCAR UM COMÉRCIO

Itabira sempre foi a terra do dinheiro, onde mais “corre” no Brasil. Parece ser uma atleta da São Silvestre, possivelmente um queniano.  Quando aqui cheguei, em 1966, ouvia as pessoas dizerem que “é verdade, o dinheiro daqui é ágil como um gato”. Na minha ignorância de quem só tinha visto o vil metal nas mãos de terceiros, pensei comigo: parado não consigo pegar, imagine correndo...

Depois de trabalhar na Vale, já com mais de 12 anos de presença na cidade, resolvi abrir uma porta comercial por essas plagas.  Imaginem o susto que levei: em menos de uma semana depois de começar a montagem do Cantinho do Pão de Queijo, comerciantes me pediam “pelo amor de Deus, não mexa com comércio aqui.” Um bem-vivido comerciante me parou no sinal de trânsito e me esfregou na cara a sua frase inacreditável: “O povo de Itabira não sabe comer.” Com essa fui dormir e até sonhei. Ou melhor, tive pesadelos ao pensar que pão de queijo, quindim, olho de sogra, brigadeiro, amor em pedaços e rocambole fariam mal a cada um que experimentasse.

Falei disso porque imagino a dificuldade com que o Grupo Tia Eliana encontrou para vingar aqui com o seu Restaurante e Pizzaria Apricci. Acompanhei passo a passo as idas e vindas das novidades que eram inventadas para que o ponto, na Avenida Mauro Ribeiro, dos mais chiques da cidade, ganhasse tradição e projeção. Implantaram o À La Carte, não teve sucesso. A pizza, servida à noite, era até certo ponto uma atração, mas aquelas bem montadas instalações para o funcionamento apenas noturno não teria compensação econômica viável  Abriram os balcões às  verduras e legumes à vontade e outros ingredientes na balança, mas não vingou; e é verdade que muitos chegavam e comiam somente folhas e legumes, consequentemente faziam refeições de graça. Finalmente, veio o self-service. Mas, no princípio foram murros seguidos em ponta de faca, nada de clientes frequentes.

Mas chegou o dia em que surgiu uma modalidade de serviço para consolidar o restaurante e pizzaria para sempre. O molde não era um prato diferente; também não consistia num arranjo atraente e nem numa espécie de atrativo extra gastronômico. Era simplesmente uma pessoa: Bruno Barcelos Amaral. Ele se aportou, mansinho, voz baixa, quase inaudível, como manda a educação que entoemos. Batia nos ombros alheios como um político em véspera de eleição, sem, contudo, machucar o amigo que chegava. Vestido impecavelmente, não fazia cara  feia nem para a pia de lavar louças, nem o balcão, nem o forno que assa e queima. Sequer o pano de chão foi ou é por ele maltratado. Faz mesas, limpa cadeiras, lava copos, prepara caipirinhas e sucos, além de buscar novos pratos da cozinha para o balcão expositor e de arrumar cada prato com a sua correta postura. E dirige, é claro, essa a sua função primordial.

Assim conquistou a clientela itabirana, dura de matar que, segundo os meus amigos de antigamente, não sabe comer, e marcou seu nome na cidade. Acredito que muitas pessoas hoje frequentam o restaurante porque querem ver a desenvoltura de um perfeito executivo fora-de-estrada, como um Mercedes Benz no barro, encarando tudo e com todas as forças. E aí está montado um dos melhores pontos, não somente para o almoço, mas ainda as noites bem-vividas por casais e famílias itabiranas de refinado gosto.

Mas, como nem tudo são flores neste mundo, dia deste cheguei lá para almoçar e me informaram: “O Bruno vai embora.” Assentei-me assustado e pensei comigo: se ele vai embora tenho que me assentar. O sujeito que dá uma notícia dessa não sabe o que é o funcionamento do sistema cardiovascular do ser humano. Pode ser que haja nele um eventual entupimento, que se complique com a má novidade e mande o sujeito lá para a porta de São Pedro. Fui a ele e, aos poucos, me contou. Paulo, o homem-chave do Grupo Tia Eliana, também confirmou, diante de minha autorizada amizade. Voltei ao Bruno que tentou amenizar a sua próxima ausência ao apresentar a  sua substituta, Elisângela Guimarães, belo-horizontina, vinda de Governador Valadares.

Tudo se encaixou no seu devido lugar. A sucessora do Bruno já mostrou serviço. E como mostrou! Com o jeito muito parecido, ela também encara a tarefa de dirigir como o fazer tudo, sem medo de nada. Esse é um dos pontos preferidos de Itabira em peso. Só queria, então, em nome dos fregueses (aprendi, nos tempos do Onça a dizer isso; cliente era apenas o que esperava o médico na clínica, cujo nome agora é paciente) e dar boas-vindas à nova dirigente da casa ao me despedir do Bruno. Como emblema da despedida vou contar, para encerrar, uma passagem com ele.

Numa dessas noites de futebol, dei vontade de ingerir um chope e liguei para o restaurante. Alguém masculino atendeu e anotou o que eu queria: três canecas. O rapaz garantiu: “Entrego aí já!” Aí nada mais podia ser senão o meu apartamento que fica acima do Apricci. Mais alguns minutos, quem me liga é ele, o Bruno: “Infelizmente, não tem como levar o chope aí.” E desligou o telefone. Meia hora depois tocam as campainhas do portão e da porta. Chega ele, o executivo, o diretor, o não sei mais o quê, carregando três copos plásticos com seus chopes desejados. Não tive onde mais enfiar a cara, se debaixo da mesa, se atrás da parede, se longe, na área de serviço. Fiquei sabendo: ele não tinha copo plástico e atravessou três desertos para comprar. Depois fez as devidas aplicações do “bigode” que estimo no copo. Subiu em elevador (essa foi a sua única mamata). E só.

Se eu viver 200 anos não esquecerei aquele momento: o bem-trajado, super elegante e bem penteado, parecendo um galã de Hollywood, não tão queimado como um havaiano de filme, mas convenientemente arrumado, fazendo esforço para não derramar o líquido precioso, na porta erguendo um troféu de campeonato importante, a taça da amizade.

Até mais, Bruno! Bom trabalho para você no seu novo endereço.  Que fique mais ao lado da família, a exigência máxima de sua leal companheira e dos filhos. Belo Horizonte o espera com novos “clientes malas que encomendam chope na calada da noite e o recebem sem nenhum acréscimo de preço. Obrigado!

À Elisângela, pode contar com a nossa chata maneira de ser. Quando mais espera um dia ou noite tranquilos, eis que alguém daqui quer um suco. E você sobe o elevador com o líquido. Cuidado para não entornar na área! Sucesso em sua grande missão!

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