Itabira sempre
foi a terra do dinheiro, onde mais “corre” no Brasil. Parece ser uma atleta da
São Silvestre, possivelmente um queniano.
Quando aqui cheguei, em 1966, ouvia as pessoas dizerem que “é verdade, o
dinheiro daqui é ágil como um gato”. Na minha ignorância de quem só tinha visto
o vil metal nas mãos de terceiros, pensei comigo: parado não consigo pegar,
imagine correndo...
Depois de
trabalhar na Vale, já com mais de 12 anos de presença na cidade, resolvi abrir
uma porta comercial por essas plagas.
Imaginem o susto que levei: em menos de uma semana depois de começar a
montagem do Cantinho do Pão de Queijo, comerciantes me pediam “pelo amor de
Deus, não mexa com comércio aqui.” Um bem-vivido comerciante me parou no sinal
de trânsito e me esfregou na cara a sua frase inacreditável: “O povo de Itabira
não sabe comer.” Com essa fui dormir e até sonhei. Ou melhor, tive pesadelos ao
pensar que pão de queijo, quindim, olho de sogra, brigadeiro, amor em pedaços e
rocambole fariam mal a cada um que experimentasse.
Falei disso
porque imagino a dificuldade com que o Grupo Tia Eliana encontrou para vingar
aqui com o seu Restaurante e Pizzaria Apricci. Acompanhei passo a passo as idas
e vindas das novidades que eram inventadas para que o ponto, na Avenida Mauro
Ribeiro, dos mais chiques da cidade, ganhasse tradição e projeção. Implantaram
o À La Carte, não teve sucesso. A pizza, servida à noite, era até certo ponto
uma atração, mas aquelas bem montadas instalações para o funcionamento apenas
noturno não teria compensação econômica viável
Abriram os balcões às verduras e
legumes à vontade e outros ingredientes na balança, mas não vingou; e é verdade
que muitos chegavam e comiam somente folhas e legumes, consequentemente faziam
refeições de graça. Finalmente, veio o self-service. Mas, no princípio foram
murros seguidos em ponta de faca, nada de clientes frequentes.
Mas chegou o dia
em que surgiu uma modalidade de serviço para consolidar o restaurante e
pizzaria para sempre. O molde não era um prato diferente; também não consistia
num arranjo atraente e nem numa espécie de atrativo extra gastronômico. Era simplesmente
uma pessoa: Bruno Barcelos Amaral. Ele se aportou, mansinho, voz baixa, quase
inaudível, como manda a educação que entoemos. Batia nos ombros alheios como um
político em véspera de eleição, sem, contudo, machucar o amigo que chegava.
Vestido impecavelmente, não fazia cara
feia nem para a pia de lavar louças, nem o balcão, nem o forno que assa
e queima. Sequer o pano de chão foi ou é por ele maltratado. Faz mesas, limpa
cadeiras, lava copos, prepara caipirinhas e sucos, além de buscar novos pratos
da cozinha para o balcão expositor e de arrumar cada prato com a sua correta
postura. E dirige, é claro, essa a sua função primordial.
Assim conquistou
a clientela itabirana, dura de matar que, segundo os meus amigos de
antigamente, não sabe comer, e marcou seu nome na cidade. Acredito que muitas
pessoas hoje frequentam o restaurante porque querem ver a desenvoltura de um
perfeito executivo fora-de-estrada, como um Mercedes Benz no barro, encarando
tudo e com todas as forças. E aí está montado um dos melhores pontos, não
somente para o almoço, mas ainda as noites bem-vividas por casais e famílias
itabiranas de refinado gosto.
Mas, como nem
tudo são flores neste mundo, dia deste cheguei lá para almoçar e me informaram:
“O Bruno vai embora.” Assentei-me assustado e pensei comigo: se ele vai embora
tenho que me assentar. O sujeito que dá uma notícia dessa não sabe o que é o
funcionamento do sistema cardiovascular do ser humano. Pode ser que haja nele
um eventual entupimento, que se complique com a má novidade e mande o sujeito
lá para a porta de São Pedro. Fui a ele e, aos poucos, me contou. Paulo, o
homem-chave do Grupo Tia Eliana, também confirmou, diante de minha autorizada
amizade. Voltei ao Bruno que tentou amenizar a sua próxima ausência ao
apresentar a sua substituta, Elisângela
Guimarães, belo-horizontina, vinda de Governador Valadares.
Tudo se encaixou
no seu devido lugar. A sucessora do Bruno já mostrou serviço. E como mostrou!
Com o jeito muito parecido, ela também encara a tarefa de dirigir como o fazer
tudo, sem medo de nada. Esse é um dos pontos preferidos de Itabira em peso. Só
queria, então, em nome dos fregueses (aprendi, nos tempos do Onça a dizer isso;
cliente era apenas o que esperava o médico na clínica, cujo nome agora é
paciente) e dar boas-vindas à nova dirigente da casa ao me despedir do Bruno.
Como emblema da despedida vou contar, para encerrar, uma passagem com ele.
Numa dessas
noites de futebol, dei vontade de ingerir um chope e liguei para o restaurante.
Alguém masculino atendeu e anotou o que eu queria: três canecas. O rapaz
garantiu: “Entrego aí já!” Aí nada mais podia ser senão o meu apartamento que
fica acima do Apricci. Mais alguns minutos, quem me liga é ele, o Bruno:
“Infelizmente, não tem como levar o chope aí.” E desligou o telefone. Meia hora
depois tocam as campainhas do portão e da porta. Chega ele, o executivo, o
diretor, o não sei mais o quê, carregando três copos plásticos com seus chopes
desejados. Não tive onde mais enfiar a cara, se debaixo da mesa, se atrás da
parede, se longe, na área de serviço. Fiquei sabendo: ele não tinha copo
plástico e atravessou três desertos para comprar. Depois fez as devidas
aplicações do “bigode” que estimo no copo. Subiu em elevador (essa foi a sua
única mamata). E só.
Se eu viver 200
anos não esquecerei aquele momento: o bem-trajado, super elegante e bem
penteado, parecendo um galã de Hollywood, não tão queimado como um havaiano de
filme, mas convenientemente arrumado, fazendo esforço para não derramar o
líquido precioso, na porta erguendo um troféu de campeonato importante, a taça
da amizade.
Até mais, Bruno!
Bom trabalho para você no seu novo endereço.
Que fique mais ao lado da família, a exigência máxima de sua leal
companheira e dos filhos. Belo Horizonte o espera com novos “clientes malas que
encomendam chope na calada da noite e o recebem sem nenhum acréscimo de preço.
Obrigado!
À Elisângela, pode
contar com a nossa chata maneira de ser. Quando mais espera um dia ou noite
tranquilos, eis que alguém daqui quer um suco. E você sobe o elevador com o
líquido. Cuidado para não entornar na área! Sucesso em sua grande missão!
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