Em todos os bairros nos quais
morei em Itabira – Major Lage de Baixo, Centro, Campestre, Penha, Pará e agora
XIV de Fevereiro ou Esplanada da Estação – sempre convivi com fogueteiros. Por
coincidência, todos são cruzeirenses e, mais coincidência ainda, nenhum entende
bem de futebol. O que pode deixar o eventual leitor destas linhas duvidando de
minhas palavras é que nunca conheci pessoalmente
nenhum dos muitos fogueteiros que incomodaram
e incomodam a minha vida. Detesto foguete desde quando descobri que cachorro
também detesta. Sou solidário ao chamado melhor amigo do homem.
Existem fogueteiros atleticanos
também, é claro, mas os de Itabira são mais econômicos e deixam para comemorar
em momentos especiais e quando a cartada está selada. Já os cruzeirenses são
apavorados e vão queimando as suas pólvoras e rojões sem miséria antes, durante
e depois dos jogos, nesse último caso quando o time vence. Há partidas que
fazem o fogueteiro azul ficar todo o dia por conta da queima de fogos.
Normalmente, ele acompanha os programas de rádio e televisão. Se foi falado do
jogo de seu time, corre imediatamente para uma fogueira que acende na rua e
começa a dar vazão ao tiroteio.
Não é fácil suportar isso porque,
além dos nossos ouvidos sacrificados, sentimos o que se passa com os animais,
principalmente o cão, de que já falei. Luma, uma pitbul que criei até a sua
dolorosa morte, de câncer, tremia como
uma vara de bambu quando o primeiro tiro zoava no ar. Coitada! Além de fazer
medo nas pessoas sem culpa alguma, porque era uma doce cadela, ainda passava os
seus apertos com o foguetório. Vida, ou Vidinha, também tem lá as suas volúpias
negativas, embora hoje more num lugar afastado da cidade, onde os barulhentos
não fazem muita questão de perturbar. Qualquer vira-latas sente o poder do estrondo, o que nos permite
concluir que todo cão tem uma sensibilidade auditiva acima do normal, ou maior
que nos humanos.
O fogueteiro cruzeirense deveria
procurar ler um livro sobre regras de futebol e de competições. Ele ouve ou vê
na televisão que o seu time vai jogar no dia tal. Na véspera, confere o estoque
de fogos em sua casa – todos os do meu bairro mantêm um verdadeiro arsenal de
fogos capaz de meter medo em qualquer habitante da Faixa de Gaza. No dia do
embate do seu time, começa a barulhada no primeiro noticiário da TV sobre o
assunto. “Bom dia, Brasil!” e “Bom dia, MG!” provocam nele uma fúria de touro
bravo na arena. Espaçadamente até o Globo Esporte, o cidadão vai soltando as
suas espalhafatosas expressões de
ansiedade ou de anúncio de uma vitória antecipada.
Se o jogo é à tarde, acelera-se o
tiroteio a poucas horas ou minutos do início do prélio. Se for à noite, os seus
vizinhos já sabem, antecipadamente, que terão uma noite mal dormida. A única
ocorrência que consegue deter a sua ânsia de queimar fogos é se o seu time
sofre um gol. Aí ele fica na espreita de um empate para re-bombardear o seu
universo. Pode ocorrer que o empate não venha, mas, sim, ameaças com bolas na
trave, escanteios, faltas próximas à área adversária. Então, ele não perde
tempo e acende pelo menos uma meia dúzia de unidades para comemorar.
Nesta quarta-feira, 12 de
novembro, o fogueteiro da Esplanada teve uma ânsia pré-agônica antes de
Atlético x Cruzeiro. Da manhã dos programas “Bom dia, Brasil!” e “Bom dia, MG!”
até os 9 minutos do primeiro tempo ele
foi o nosso Bin Laden sem barba (me disseram que ele não tem nenhum cavanhaque
nem bigode) de nos tirar toda a vontade de viver. Graças a Deus e ao time
forte, o Galo abriu o placar aos 9 m e 30 s. Aí o nosso vilão teve que parar
com as suas brutalidades esquisitas.
E encostou, definitivamente, pelo
menos na noite, a sua produção de intranquilidade. Guardou, como ocorre em
derrotas do time estrelado, as caixas de barbaridades para outra ocasião.
Contrariado, é claro, mas sentindo o dever cumprido. Enquanto isso, os atleticanos
iniciavam as rajadas que foram até o fim do estoque. Mas esses torcedores
alvinegros se diferem demais dos azuis porque só com a vitória segura e certa
resolvem fazer as provocações. O
cruzeirense mostra que nada sabe sobre o tempo de jogo; a possibilidade
de mudança no placar; a certeza de que a atuação dos times alterna entre maus e
bons momentos e de outros detalhes. Meu
pai, outro atleticano, que me presenteou com a sua preferência pelo Galo, não
se cansava de dizer aos fogueteiros: “Esperem, esperem, esperem”.
E assim terminou o primeiro jogo
da Copa do Brasil: Galo 2 x Raposa 0. Dia 26 haverá o jogo final. Se o Cruzeiro
ganhar de 1 x 0, o Atlético será o campeão. Mas, mesmo assim, enquanto os
jogadores farão a volta olímpica depois de receberem as homenagens, o
fogueteiro do meu bairro estará soltando as suas rajadas. Ele não saberá alguma
coisa sobre o regulamento da competição. Para a sua ignorância das regras o
vitorioso é o seu time e ponto final.
Mas ele ainda tem uma
oportunidade de ser Campeão Brasileiro. Aí é que estão os quinhentos porque
o seu time é líder e já está com uma mão
na taça. Confirmando-se a conquista celeste, estaremos fritos – nós e os
cachorros e gatos – porque o moço não vai se sossegar. Mas, caso ocorra uma
zebra total e o Cruzeiro perder a chance de receber o troféu, tudo será como
dantes. No jogo seguinte, um amistoso do time azul com qualquer Ibis F. C.
despertará de novo o fogueteiro de meu bairro a partir do “Bom dia, Brasil!” e “Bom dia, MG!”
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