quinta-feira, 13 de novembro de 2014

O FOGUETEIRO DO MEU BAIRRO



Em todos os bairros nos quais morei em Itabira – Major Lage de Baixo, Centro, Campestre, Penha, Pará e agora XIV de Fevereiro ou Esplanada da Estação – sempre convivi com fogueteiros. Por coincidência, todos são cruzeirenses e, mais coincidência ainda, nenhum entende bem de futebol. O que pode deixar o eventual leitor destas linhas duvidando de minhas palavras é que nunca  conheci pessoalmente nenhum  dos muitos fogueteiros que incomodaram e incomodam a minha vida. Detesto foguete desde quando descobri que cachorro também detesta. Sou solidário ao chamado melhor amigo do homem.

Existem fogueteiros atleticanos também, é claro, mas os de Itabira são mais econômicos e deixam para comemorar em momentos especiais e quando a cartada está selada. Já os cruzeirenses são apavorados e vão queimando as suas pólvoras e rojões sem miséria antes, durante e depois dos jogos, nesse último caso quando o time vence. Há partidas que fazem o fogueteiro azul ficar todo o dia por conta da queima de fogos. Normalmente, ele acompanha os programas de rádio e televisão. Se foi falado do jogo de seu time, corre imediatamente para uma fogueira que acende na rua e começa a dar vazão ao tiroteio.

Não é fácil suportar isso porque, além dos nossos ouvidos sacrificados, sentimos o que se passa com os animais, principalmente o cão, de que já falei. Luma, uma pitbul que criei até a sua dolorosa morte,  de câncer, tremia como uma vara de bambu quando o primeiro tiro zoava no ar. Coitada! Além de fazer medo nas pessoas sem culpa alguma, porque era uma doce cadela, ainda passava os seus apertos com o foguetório. Vida, ou Vidinha, também tem lá as suas volúpias negativas, embora hoje more num lugar afastado da cidade, onde os barulhentos não fazem muita questão de perturbar. Qualquer vira-latas  sente o poder do estrondo, o que nos permite concluir que todo cão tem uma sensibilidade auditiva acima do normal, ou maior que nos humanos.

O fogueteiro cruzeirense deveria procurar ler um livro sobre regras de futebol e de competições. Ele ouve ou vê na televisão que o seu time vai jogar no dia tal. Na véspera, confere o estoque de fogos em sua casa – todos os do meu bairro mantêm um verdadeiro arsenal de fogos capaz de meter medo em qualquer habitante da Faixa de Gaza. No dia do embate do seu time, começa a barulhada no primeiro noticiário da TV sobre o assunto. “Bom dia, Brasil!” e “Bom dia, MG!” provocam nele uma fúria de touro bravo na arena. Espaçadamente até o Globo Esporte, o cidadão vai soltando as suas espalhafatosas  expressões de ansiedade ou de anúncio de uma vitória antecipada.

Se o jogo é à tarde, acelera-se o tiroteio a poucas horas ou minutos do início do prélio. Se for à noite, os seus vizinhos já sabem, antecipadamente, que terão uma noite mal dormida. A única ocorrência que consegue deter a sua ânsia de queimar fogos é se o seu time sofre um gol. Aí ele fica na espreita de um empate para re-bombardear o seu universo. Pode ocorrer que o empate não venha, mas, sim, ameaças com bolas na trave, escanteios, faltas próximas à área adversária. Então, ele não perde tempo e acende pelo menos uma meia dúzia de unidades para comemorar.

Nesta quarta-feira, 12 de novembro, o fogueteiro da Esplanada teve uma ânsia pré-agônica antes de Atlético x Cruzeiro. Da manhã dos programas “Bom dia, Brasil!” e “Bom dia, MG!” até os  9 minutos do primeiro tempo ele foi o nosso Bin Laden sem barba (me disseram que ele não tem nenhum cavanhaque nem bigode) de nos tirar toda a vontade de viver. Graças a Deus e ao time forte, o Galo abriu o placar aos 9 m e 30 s. Aí o nosso vilão teve que parar com as suas brutalidades esquisitas.

E encostou, definitivamente, pelo menos na noite, a sua produção de intranquilidade. Guardou, como ocorre em derrotas do time estrelado, as caixas de barbaridades para outra ocasião. Contrariado, é claro, mas sentindo o dever cumprido. Enquanto isso, os atleticanos iniciavam as rajadas que foram até o fim do estoque. Mas esses torcedores alvinegros se diferem demais dos azuis porque só com a vitória segura e certa resolvem fazer as provocações. O  cruzeirense mostra que nada sabe sobre o tempo de jogo; a possibilidade de mudança no placar; a certeza de que a atuação dos times alterna entre maus e bons momentos e de  outros detalhes. Meu pai, outro atleticano, que me presenteou com a sua preferência pelo Galo, não se cansava de dizer aos fogueteiros: “Esperem, esperem, esperem”.

E assim terminou o primeiro jogo da Copa do Brasil: Galo 2 x Raposa 0. Dia 26 haverá o jogo final. Se o Cruzeiro ganhar de 1 x 0, o Atlético será o campeão. Mas, mesmo assim, enquanto os jogadores farão a volta olímpica depois de receberem as homenagens, o fogueteiro do meu bairro estará soltando as suas rajadas. Ele não saberá alguma coisa sobre o regulamento da competição. Para a sua ignorância das regras o vitorioso é o seu time e ponto final.

Mas ele ainda tem uma oportunidade de ser Campeão Brasileiro. Aí é que estão os quinhentos porque o  seu time é líder e já está com uma mão na taça. Confirmando-se a conquista celeste, estaremos fritos – nós e os cachorros e gatos – porque o moço não vai se sossegar. Mas, caso ocorra uma zebra total e o Cruzeiro perder a chance de receber o troféu, tudo será como dantes. No jogo seguinte, um amistoso do time azul com qualquer Ibis F. C. despertará de novo o fogueteiro de meu bairro a partir do  “Bom dia, Brasil!” e “Bom dia, MG!”

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