sexta-feira, 28 de novembro de 2014

PALAVRAS AO VENTO QUE NUNCA LEVAM A PAIXÃO ALVINEGRA

Adotei o Galo antes de nascer. Para dizer isso mais uma  vez me permitam plagiar o jornalista Chico Pinheiro em entrevista ao Folha de São Paulo: “Não torço para time nenhum, sou atleticano”. Mas só pude vestir uma camisa alvinegra quando tinha 15 anos porque não existiam camisas sobrando em vitrines no tempo da minha pré-história. Quando da inauguração do Mineirão, em 1965,  trabalhava de repórter policial do Diário de Minas, jornal extinto, mas que o mencionavam como melhor escola de jornalismo de Minas Gerais. O meu mestre, Vargas Villaça, carregava a fama de ser um dos maiores jornalistas do Brasil,  especializado em polícia. Ao lado de Márcio Rubens Prado, que conheci em Guanhães ainda na infância, pagava-me alguns sanduíches para matar a  fome que me castigou por longo tempo em BH.

O Galo sofreu amargamente nos primeiros anos do novo estádio, mas conseguiu se recuperar a partir do fim da década de 1960, ultrapassando um período em que reinou com grande vantagem quando manteve os craques Reinaldo, Cerezzo, depois Nelinho, Éder, Palhinha, Vaguinho juntos deles. Foi nesse período que me tornei um frequentador assíduo do Gigante da Pampulha e, como pesquisador por conta própria, tentei entender a mágica da torcida do Galo. Certa vez entrei no não sei bem a data, estávamos na década de 197. Vi  o Galo levar dois gols do Santos em jogo do Campeonato  Brasileiro. Termina o primeiro tempo, o placar se mantém inexorável, irredutível e doloroso.

Quando começa a etapa complementar, eis que a torcida recebe o time em grande festa e me deixa pasmo. — O que foi que aconteceu? — perguntei a um atleticano ao lado e ele nada me respondeu, apenas sorriu e tocou o bonde para frente, enquanto a barulhada só aumentava, embora o gol não saísse. Mas, não tardou tanto diante daquele estrondo ensurdecedor. Aos 35 minutos do segundo tempo já estava em 2 x 2. E mais um pouquinho de minutos lia-se no placar eletrônico: Atlético 3 x Santos 2. Termina o prélio. Para a torcida, tudo normal.

Inúmeras vezes vi essas mágicas acontecerem e passei a pensar que havia energia de reserva, escondida, pronta para vestir a camisa preta e branca, e jogar a favor da equipe. Se bem que os cronistas mais lidos na época, Roberto Drummond (que também passou por Guanhães, atleticano, ao contrário de Márcio Prado, guanhanense e americano até morrer), Xico Antunes, que tive a satisfação de  ter no meu convívio e assimilado ao seu jeito diferente de escrever. Mas lia também cronistas cariocas, acompanhando o futebol do país inteiro, mantendo-me fiel à leitura de Ari Barroso (flamenguista), João Saldanha (botafoguense) e Nelson Rodrigues (fluminense).

Vendo, ouvindo e acompanhando todos os times brasileiros, não me faltou a ideia da comparação. E aí a paixão pelo Galo só cresceu, e tão forte que ajudou a formar a cabeça de praticamente toda a minha família, incluindo  cinco filhos e noras e genros. O meu avô Seraphim Sanna, filho de italianos, que me tratava como uma peça de diamante, certa vez me disse: “Vou levar você a Ouro Preto, onde ouvirá do meu pai a história de sua vinda para o Brasil”. Com 6 anos de idade, às vésperas de ser matriculado no Grupo Escolar Dr. Odilon Behrens, em São Sebastião do Rio Preto, foi que me assentei em uma das escadas do casarão da Rua do Pilar, naquela cidade histórica, para ouvir atentamente a história real que aqui não vou repetir agora, da conquista do coração de nossos antecedentes pelo clube que já era meu, o Galo.

Alguns cruzeirenses acham que agora os atleticanos exageram em comemorar o título de campeão da Copa do Brasil que, para alguns, é “copinha”. Não era quando o time deles fez as suas quatro conquistas, mas... deixa pra lá. Para vencer a Copinha, o Galo virou um placar de 2x0 em cima do Corinthians, depois do Flamengo, pelo mesmo troco, 4 x 1, depois de eliminar o Palmeiras, aplicando-lhe duas derrotas. Vejam bem e olhem a trajetória do outro time que teve como adversário forte um tal de ABC na  semifinal (não estou brincando, confiram), talvez representante de jogadores semi-alfabetizados. A glória da virada não teve o Cruzeiro, que sofreu com  um 2x0 inicial  do Galo, mas não reagiu no  segundo jogo porque... deixa pra lá também porque a torcida do Atlético não ensina segredos para rivais.

A mística da camisa e do escudo simples guardam segredos misteriosos. Em seu livro “Atlético Mineiro, raça e amor”, de Ricardo Galuppo,  o autor conta mas não tem como revelar o porquê da relação de amor do clube com a sua torcida. E Roberto Drummond acabou cunhando para ele uma frase que vale por toda a eternidade alvinegra: “Se houver uma camisa preta e branca pendurada num varal durante uma tempestade, o atleticano torce contra o vento”.  Se alguém quer entender, não o que Drummond quis mesmo dizer, mas a simplicidade do atleticano que acorda em momentos decisivos na  hora do jogo, vai ter que fazer muito mais do que fiz, coletar informações e torcer sempre com a mesma crença. Piazza reclamou com Chico Pinheiro que a torcida do seu time, o Cruzeiro, que defendeu com galhardia e brilho, simplesmente torce, mas não vive. É, de verdade, um grupo de simpatizantes.

Fica aqui a minha homenagem ao Galo Forte e Vingador por essa conquista inédita, que vale muito mais que as quatro copas do rival. Vale porque quem torce para o Galo é fidelíssimo, agradecido, vibrante e não desaparece quando vêm tormentas maiores e enganadoras. Vale porque tirou duas casquinhas saudáveis no rival que se achava com toda a arrogância um time imbatível. Depois de tempestades de vento que ameaçaram levar a camisa de que Roberto Drummond imaginou pendurada num varal e relatada em  sua página gloriosa e inesquecível, esse Galo está pronto para outras ventania, tormentas e conquistas.

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