quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

A história que acolhe João Bello

Há meses, uns dois ou três, terminei a leitura de “João Bello, um político singular” (CARVALHO, André —  com ABUJAMRA Alencar e TANURE Liliane — Belo Horizonte: Armazém de Ideias, 2012, 236 p.) e necessitava, por responsabilidade e dívida a uma amizade sólida com o filho do inspirador do livro, Armando Quintão  Bello, fazer alguns simples comentários.

Confesso que me atrasei nesta tarefa porque esperava ler a bela crônica de meu outro amigo, jornalista Fernando Silva, cujo texto foi publicado no Diário de Itabira deste último domingo, 12 de janeiro. Não que quisesse apenas ter um acréscimo ou melhor julgamento do valor da obra, mas não desejava abordar o tema com a mesma ótica. Perdi tempo porque jamais imitaria os dedos (antigamente se falava pena) castiços do ouro-pretano-itabirano.

Pois bem. Informo aos desavisados que estudei História e tive os melhores professores que se possa imaginar. Não vou citar  nomes para não incorrer em enganos imperdoáveis ou até mexer com a sensibilidade de alguns. Uma lição inesquecível que aprendi no curso e nas duas pós-graduações que conclui, resume-se na seguinte frase: “Ver a Idade Média com os olhos da Idade Média”. O contrário seria anacronismo. 
Entre a nossa classe de historiadores —  e nas outras nem se fala! —  temos a mania de determinar um julgamento definitivo das coisas, fatos e épocas como se fossem acontecimentos atuais.  Por exemplo: a ocorrência de 31 de março de 1964 teria sido a data fatal do Golpe Militar de 1964, quando na época era tratado como Revolução.Volto ao que aprendi no banco escolar e digo que o fato de 1964, que durou 21 anos até a chamada Abertura Gradual, concretizada com a eleição de Tancredo Neves, em  1985, foi a nossa Idade Média. O lembrete é para quem aprendeu a racionar e não somente pensar e imaginar.

Ainda me detenho na Idade Média, e convido os leitores a ver os Caçadores da Arca Perdida, filme com Indiana Jones,  ou livros e documentários sobre as invenções e descobrimentos, o que se pode imaginar dos feitos de nossos ancestrais, até mesmo na possível desobediência a leis que sequer  existiam, como as posturas, do meio ambiente, por exemplo e outras, até o nosso Código Penal defasado, esse por negligência. Na minha primeira aula de História  do curso superior fui reprimido por minha ilustre professora, Márcia Alves Ferreira, quando cheguei a lembrar o homem da caverna como parte de uma época de atraso da humanidade. Ela não só me reprimiu, como chamou a atenção para o que hoje chamo de respeito à história. Somos integralmente ligados ao próprio ar que respiramos em qualquer época e consistimos em seres coletivos.

Dito isso, convido os leitores de bom senso a ler João Bello como uma memória retratada no momento, naqueles instantes de militarismo rigoroso, quando sequer a sociedade tinha conhecimento da existência de uma classe de exilados que se espalhou pelo exterior, alguns desses voluntariamente.

João Bello deputado era o legítimo representante do povo na região de Carangola/MG, ou mais propriamente de municípios da Zona da Mata durante seis mandatos consecutivos, eleito pelo voto livre e direto, depois de ter sido prefeito de sua cidade. Era casado com Zenith Quintão de Oliveira, com quem teve filhos, netos e hoje, possivelmente, bisnetos. A viúva está lá em Carangola e é constantemente visitada pelo dileto filho que mora em Itabira, onde tem uma legião imensa de amigos, Armando Bello.

O que fez João Bello foi cumprir integralmente os seus deveres de funcionário do povo, com intensa fibra, coragem, lealdade e honestidade, virtudes praticamente desaparecidas do cenário político no decorrer do tempo, passando da nossa Idade Média recente para essas épocas contemporâneas atuais. No exercício de suas funções, o moço de Carangola  vestiu a camisa do povo e até confundia a sua bravura indômita de chefe de família com a de homem público, já que seus eleitores tornaram-se, na prática, seus filhos. Ele ia educadamente aos órgãos executores de ações pedir, mas se destratado ou simplesmente ignorado, não tinha receio em fazer o que mandava o coração: invadia os gabinetes tendo como escudo ou salvaguarda o mandato confiado pelo povo.

Conta o livro de André Carvalho a grande trajetória de João Bello que, segundo os depoimentos, não teve o privilégio de ser um doutor, mas que carregou, do berço ao túmulo, formação equivalente ou superior à suficiente para  defender galhardamente ideias e ideais ou, ainda mais, os legítimos  direitos da coletividade.

Diante do olhar ou do “revisionismo histórico” que se impõem  hoje em dia aos fatos ocorridos no período negro de 1964 (digo negro porque até eu levei a minha respectiva bordoada), é preciso que se extraia o joio do trigo, que busque o pensamento sensato de muitos, não apenas alguns, que se dedicaram à atividade política e social no tempo em que o nosso país foi governado por militares.

Quer  dizer, amigos, o povo que viveu a ditadura não era composto apenas de heróis que pagaram com mandatos perdidos  e às vezes com  sangue, boiando no próprio suor, para se erguer e tão pouco na dor amarga do asilo. Eram, ainda, os que cuidavam de amenizar o sofrimento de milhares de seres humanos. Ou pensam que todos tinham que ser chicoteados no decorrer do período e que  teriam que ser filhotes da ditadura, como se diz por aí?

Vejam e revejam a biografia exata e correta de João Bello. Ele não depôs João Goulart nem cassou Juscelino Kubitschek e  outros que estimamos, quanto menos brigou por ideais com Magalhães Pinto, um dos chefes civis do movimento, de quem abriu portas aos berros e urros.  Seu lema foi o seu povo, considerado a moldura de merecimentos que levou até o fim da vida. Daí o merecer as glórias que lhe devotam ainda as testemunhas de sua virilidade cultivada com  o devido respeito.

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