Há meses, uns dois ou três, terminei a leitura de “João Bello, um
político singular” (CARVALHO, André — com ABUJAMRA Alencar e TANURE
Liliane — Belo Horizonte: Armazém de Ideias, 2012, 236 p.) e necessitava, por
responsabilidade e dívida a uma amizade sólida com o filho do inspirador do
livro, Armando Quintão Bello, fazer alguns simples comentários.
Confesso que me atrasei nesta tarefa porque esperava ler a bela crônica
de meu outro amigo, jornalista Fernando Silva, cujo texto foi publicado no
Diário de Itabira deste último domingo, 12 de janeiro. Não que quisesse apenas
ter um acréscimo ou melhor julgamento do valor da obra, mas não desejava
abordar o tema com a mesma ótica. Perdi tempo porque jamais imitaria os dedos
(antigamente se falava pena) castiços do ouro-pretano-itabirano.
Pois bem. Informo aos desavisados que estudei História e tive os
melhores professores que se possa imaginar. Não vou citar nomes para não incorrer em enganos imperdoáveis ou até mexer com a sensibilidade de
alguns. Uma lição inesquecível que aprendi no curso e nas duas pós-graduações
que conclui, resume-se na seguinte frase: “Ver a Idade Média com os olhos da
Idade Média”. O contrário seria anacronismo.
Entre a nossa classe de historiadores — e nas outras nem se fala! —
temos a mania de determinar um julgamento definitivo das coisas, fatos e
épocas como se fossem acontecimentos atuais. Por exemplo: a ocorrência de
31 de março de 1964 teria sido a data fatal do Golpe Militar de 1964, quando na
época era tratado como Revolução.Volto ao que aprendi no banco escolar e digo
que o fato de 1964, que durou 21 anos até a chamada Abertura Gradual,
concretizada com a eleição de Tancredo Neves, em 1985, foi a nossa Idade
Média. O lembrete é para quem aprendeu a racionar e não somente pensar e
imaginar.
Ainda me detenho na Idade Média, e convido os leitores a ver os
Caçadores da Arca Perdida, filme com Indiana Jones, ou livros e
documentários sobre as invenções e descobrimentos, o que se pode imaginar dos
feitos de nossos ancestrais, até mesmo na possível desobediência a leis que
sequer existiam, como as posturas, do meio ambiente, por exemplo e
outras, até o nosso Código Penal defasado, esse por negligência. Na minha
primeira aula de História do curso superior fui reprimido por minha
ilustre professora, Márcia Alves Ferreira, quando cheguei a lembrar o homem da
caverna como parte de uma época de atraso da humanidade. Ela não só me
reprimiu, como chamou a atenção para o que hoje chamo de respeito à história.
Somos integralmente ligados ao próprio ar que respiramos em qualquer época e
consistimos em seres coletivos.
Dito isso, convido os leitores de bom senso a ler João Bello como uma
memória retratada no momento, naqueles instantes de militarismo rigoroso,
quando sequer a sociedade tinha conhecimento da existência de uma classe de
exilados que se espalhou pelo exterior, alguns desses voluntariamente.
João Bello deputado era o legítimo representante do povo na região de
Carangola/MG, ou mais propriamente de municípios da Zona da Mata durante seis
mandatos consecutivos, eleito pelo voto livre e direto, depois de ter sido
prefeito de sua cidade. Era casado com Zenith Quintão de Oliveira, com quem
teve filhos, netos e hoje, possivelmente, bisnetos. A viúva está lá em
Carangola e é constantemente visitada pelo dileto filho que mora em Itabira,
onde tem uma legião imensa de amigos, Armando Bello.
O que fez João Bello foi cumprir integralmente os seus deveres de
funcionário do povo, com intensa fibra, coragem, lealdade e honestidade,
virtudes praticamente desaparecidas do cenário político no decorrer do tempo,
passando da nossa Idade Média recente para essas épocas contemporâneas atuais.
No exercício de suas funções, o moço de Carangola vestiu a camisa do povo
e até confundia a sua bravura indômita de chefe de família com a de homem
público, já que seus eleitores tornaram-se, na prática, seus filhos. Ele ia
educadamente aos órgãos executores de ações pedir, mas se destratado ou
simplesmente ignorado, não tinha receio em fazer o que mandava o coração:
invadia os gabinetes tendo como escudo ou salvaguarda o mandato confiado pelo
povo.
Conta o livro de André Carvalho a grande trajetória de João Bello que,
segundo os depoimentos, não teve o privilégio de ser um doutor, mas que
carregou, do berço ao túmulo, formação equivalente ou superior à suficiente
para defender galhardamente ideias e ideais ou, ainda mais, os legítimos
direitos da coletividade.
Diante do olhar ou do “revisionismo histórico” que se impõem hoje
em dia aos fatos ocorridos no período negro de 1964 (digo negro porque até eu
levei a minha respectiva bordoada), é preciso que se extraia o joio do trigo,
que busque o pensamento sensato de muitos, não apenas alguns, que se dedicaram
à atividade política e social no tempo em que o nosso país foi governado por
militares.
Quer dizer, amigos, o povo que viveu a ditadura não era composto
apenas de heróis que pagaram com mandatos perdidos e às vezes com
sangue, boiando no próprio suor, para se erguer e tão pouco na dor amarga
do asilo. Eram, ainda, os que cuidavam de amenizar o sofrimento de milhares de
seres humanos. Ou pensam que todos tinham que ser chicoteados no decorrer do
período e que teriam que ser filhotes da ditadura, como se diz por aí?
Vejam e revejam a biografia exata e correta de João Bello. Ele não depôs
João Goulart nem cassou Juscelino Kubitschek e outros que estimamos,
quanto menos brigou por ideais com Magalhães Pinto, um dos chefes civis do
movimento, de quem abriu portas aos berros e urros. Seu lema foi o seu
povo, considerado a moldura de merecimentos que levou até o fim da vida. Daí o
merecer as glórias que lhe devotam ainda as testemunhas de sua virilidade
cultivada com o devido respeito.
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