sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

José Vieira Reis: quem não conheceu o Teia do Roque?

Ele foi o rapaz mais engraçado que existiu na face da terrinha chamada São Sebastião do Rio Preto. Meu amigo incondicional dos tempos de solteirice, sempre requeria a presença dele para ouvir velhos causos, principalmente dos antepassados que conheceu ou teve notícias. E não apenas eu, mas também José Flávio Almeida Dias e o João Guadalupe de Almeida compunham o grupo. Lembro-me muito bem quando íamos a Ferros e lá nunca arranjamos uma namorada, até porque existiam moças demais e todas impediam a conversa a dois. Mas não me esqueço de uma carta que veio pelo correio, uma espécie de abaixo-assinado por algumas donzelas subescrita com os seguintes dizeres no envelope: José Sana, Joãozinho, Zé Flávio e Zé Reis.

Como primeiro destinatário, abri o envelope. Lá dentro nada havia senão uma saudação que nos deixou sem nenhuma vaidade e até mesmo perplexos: “Aos quatro rapazes elegantes: Cobra, Onça, Jacaré e Elefante”. Contei esta passagem de nossas vidas apenas para lembrar que tudo começou nesse tempo, meados da década de 1960. Outro detalhe: o Teia nunca bebeu algo que contivesse álcool. Ele, normalmente, entrava na rodada, mas jogava a sua cota fora quando todos estávamos distraídos. E pagava a conta — isso era um fato religiosamente cumprido. Se alguém me fala que ele passou a gostar de álcool mais tarde, tenho a honra de dizer que bebíamos por ele e para ele. E só.

O que narrar da vida desse amigo inseparável? Em primeira mão, todos os nascidos e criados em São Sebastião do Rio Preto o conheceram muito bem. E para falar dele, notadamente sobre ele, acho que um livro seria pouco. Digo um livro das passagens que são do meu domínio total. Vou resumir apenas algumas palavras: casou-se com Marlene Ferreira, com quem teve filhas, somente filhas. Resolveram todos morar em Itabira depois de algum tempo na terra natal. Ocupou o sobrado em que nasci, que o seu sobrinho Hémerson e Guiomar reformaram mais tarde. Por ironia do destino, depois de Sobrado do Tãozinho, a casa passou a ser chamada de Sobrado do Teia e, hoje, do Hémerson, que o reformou ou reconstruiu por gentileza tal e qual o velho casarão antigo existiu. Digo gentileza porque o Hérmerson me procurou e deu a devida explicação por adotar uma construção semelhante à antiga.

Agora, passo a apenas um causo verídico que ocorreu com ele, envolvida na pequena história, também, a sua esposa Marlene. Estamos neste instante nas férias de julho da década de 1970. Sebastião Geraldo de Almeida, outra notoriedade, o maior contador de anedotas do mundo (que me desculpem Ari Toledo e outras feras) sabe perfeitamente como se deu o fato. Sebastião da Naguita, como é conhecido, residente em Belo Horizonte, bancário (acho que banqueiro, mas arruma pra lá) levou quatro casais que passaram uma semana na cidadezinha. O programa do dia não foi voltado para o Rio Preto, considerando o inverno severo daqueles saudosos tempos. Mas à noite sempre havia um programa diferente. E aí sobrou uma noitada no Bar do Teia para uma data especial.

Devidamente agendados, aportaram  e foram gentilmente recebidos pelo Zé Reis, nosso personagem, verdadeiro gentleman, que os acomodou nas devidas cadeiras. Eram dez pessoas, ou cinco casais e requerem bebidas várias, entre elas o refrigerante, com predominância para a cerveja e, na abertura de cada rodada, aquela cachacinha que em São Sebastião nunca pôde faltar, até porque o segundo nome da cidade é Gambá. Gambá é um animal com 40 a 50 centímetros de comprimento, que aprecia a cachaça mais que qualquer outro alimento. O leitor já deve ter percebido o porquê do nome.

Voltando à  turma de BH assentada comodamente em bancos e cadeiras, começou a festa. Faltavam comestíveis e Dona Marlene cuidou deles com afinco. A cada 15 minutos, descia ela a escada com uma bandeja dos deliciosos quitutes, com pendência para pasteis de queijo e carne, a estas alturas adorados pelos ilustres visitantes. Um desses, quando percebeu que não eram anotadas as cervejas abertas e nem as bandejas de salgados que desciam as escadas no princípio às pressas, depois mais devagar, resolveu assumir o lugar do garçom e passou a fazer anotações para, no final, facilitar o pagamento da despesa.
De repente, ele, o apontador de dados, precisou ir ao banheiro e isso acontece, ninguém é de ferro.

Lá demora um pouco mais que o normal. Retorna e aí é que se mostra palidamente atônito e preocupado. A mesa tinha sido ampliada, chegaram outros amigos do Sebastião, garrafas de cerveja tinham sido abertas, outras, vazias, guardadas e Dona Marlene descera não se sabe mais quantas vezes escada abaixo com agora os já escolhidos pasteis de carne e de queijo. Aí, o anotador, resolve conversar com o Teia para externar o problema detectado:

 — Seu Zé Reis, por favor, venha aqui. Olha, eu estava anotando tudo aqui neste papel desde o início. Refrigerantes, cervejas, salgados, cigarros, tudo, tudo, tudo. Mas tive que sair, ir ao banheiro, e agora perdi tudo, ocorreram mais despesas e não sei mais como iremos acertar, no final, as contas com o senhor.
O nosso amigo José Vieira Reis não pensou um segundo para dar a sua resposta em cima da pinta, depois de um pigarro, outro pigarro, uma pequena ida ao banheiro para cuspir logo e retornar:
— Oh, moço, como você se chama? — e nem esperou a resposta e completou: olha, não esquente não, rapaz! Depois a gente calcula assim por alto e pronto. Vai comer e beber mais!


E voltou ao banheiro para outro pigarro e outra cusparada. (A estas alturas, quem estiver por perto da Marlene vai perguntar a ela o seguinte: “É isso verdade?” Aguardo a resposta com a consciência tranquila do dever cumprido de contar um dos mil causos inesquecíveis da vida do meu amigo José Vieira Reis.

Um comentário:

  1. É Zé Sana, mãe disse que esta era uma cena comum no Bar do Teia. Ah, e além dos pasteis não podiam faltar as famosas almôndegas. Abs Karine Reis

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