Ele foi o rapaz mais engraçado que existiu na face
da terrinha chamada São Sebastião do Rio Preto. Meu amigo incondicional dos
tempos de solteirice, sempre requeria a presença dele para ouvir velhos
causos, principalmente dos antepassados que conheceu ou teve notícias. E não
apenas eu, mas também José Flávio Almeida Dias e o João Guadalupe de Almeida
compunham o grupo. Lembro-me muito bem quando íamos a Ferros e lá nunca
arranjamos uma namorada, até porque existiam moças demais e todas impediam a
conversa a dois. Mas não me esqueço de uma carta que veio pelo correio, uma
espécie de abaixo-assinado por algumas donzelas subescrita com os seguintes
dizeres no envelope: José Sana, Joãozinho, Zé Flávio e Zé Reis.
Como primeiro destinatário, abri o envelope. Lá
dentro nada havia senão uma saudação que nos deixou sem nenhuma vaidade e até
mesmo perplexos: “Aos quatro rapazes elegantes: Cobra, Onça, Jacaré e Elefante”.
Contei esta passagem de nossas vidas apenas para lembrar que tudo começou nesse
tempo, meados da década de 1960. Outro detalhe: o Teia nunca bebeu algo que
contivesse álcool. Ele, normalmente, entrava na rodada, mas jogava a sua cota fora
quando todos estávamos distraídos. E pagava a conta — isso era um fato
religiosamente cumprido. Se alguém me fala que ele passou a gostar de álcool
mais tarde, tenho a honra de dizer que bebíamos por ele e para ele. E só.
O que narrar da vida desse amigo inseparável? Em
primeira mão, todos os nascidos e criados em São Sebastião do Rio Preto o
conheceram muito bem. E para falar dele, notadamente sobre ele, acho que um
livro seria pouco. Digo um livro das passagens que são do meu domínio total.
Vou resumir apenas algumas palavras: casou-se com Marlene Ferreira, com quem
teve filhas, somente filhas. Resolveram todos morar em Itabira depois de algum
tempo na terra natal. Ocupou o sobrado em que nasci, que o seu sobrinho Hémerson
e Guiomar reformaram mais tarde. Por ironia do destino, depois de Sobrado do
Tãozinho, a casa passou a ser chamada de Sobrado do Teia e, hoje, do Hémerson,
que o reformou ou reconstruiu por gentileza tal e qual o velho casarão antigo
existiu. Digo gentileza porque o Hérmerson me procurou e deu a devida
explicação por adotar uma construção semelhante à antiga.
Agora, passo a apenas um causo verídico que ocorreu
com ele, envolvida na pequena história, também, a sua esposa Marlene. Estamos
neste instante nas férias de julho da década de 1970. Sebastião Geraldo de
Almeida, outra notoriedade, o maior contador de anedotas do mundo (que me
desculpem Ari Toledo e outras feras) sabe perfeitamente como se deu o fato.
Sebastião da Naguita, como é conhecido, residente em Belo Horizonte, bancário
(acho que banqueiro, mas arruma pra lá) levou quatro casais que passaram uma
semana na cidadezinha. O programa do dia não foi voltado para o Rio Preto,
considerando o inverno severo daqueles saudosos tempos. Mas à noite sempre
havia um programa diferente. E aí sobrou uma noitada no Bar do Teia para uma
data especial.
Devidamente agendados, aportaram e foram gentilmente recebidos pelo Zé Reis, nosso
personagem, verdadeiro gentleman, que os acomodou nas devidas cadeiras. Eram
dez pessoas, ou cinco casais e requerem bebidas várias, entre elas o
refrigerante, com predominância para a cerveja e, na abertura de cada rodada,
aquela cachacinha que em São Sebastião nunca pôde faltar, até porque o segundo
nome da cidade é Gambá. Gambá é um
animal com 40 a 50 centímetros de comprimento, que aprecia a cachaça mais que
qualquer outro alimento. O leitor já deve ter percebido o porquê do nome.
Voltando à turma de BH assentada comodamente em bancos e
cadeiras, começou a festa. Faltavam comestíveis e Dona Marlene cuidou deles com
afinco. A cada 15 minutos, descia ela a escada com uma bandeja dos deliciosos
quitutes, com pendência para pasteis de queijo e carne, a estas alturas
adorados pelos ilustres visitantes. Um desses, quando percebeu que não eram
anotadas as cervejas abertas e nem as bandejas de salgados que desciam as
escadas no princípio às pressas, depois mais devagar, resolveu assumir o lugar
do garçom e passou a fazer anotações para, no final, facilitar o pagamento da
despesa.
De repente, ele, o
apontador de dados, precisou ir ao banheiro e isso acontece, ninguém é de ferro.
Lá demora um pouco mais que o normal. Retorna e aí é que se mostra
palidamente atônito e preocupado. A mesa tinha sido ampliada, chegaram outros
amigos do Sebastião, garrafas de cerveja tinham sido abertas, outras, vazias,
guardadas e Dona Marlene descera não se sabe mais quantas vezes escada abaixo
com agora os já escolhidos pasteis de carne e de queijo. Aí, o anotador,
resolve conversar com o Teia para externar o problema detectado:
— Seu Zé Reis, por favor, venha aqui. Olha, eu
estava anotando tudo aqui neste papel desde o início. Refrigerantes, cervejas,
salgados, cigarros, tudo, tudo, tudo. Mas tive que sair, ir ao banheiro, e
agora perdi tudo, ocorreram mais despesas e não sei mais como iremos acertar,
no final, as contas com o senhor.
O nosso amigo José
Vieira Reis não pensou um segundo para dar a sua resposta em cima da pinta,
depois de um pigarro, outro pigarro, uma pequena ida ao banheiro para cuspir
logo e retornar:
— Oh, moço, como você
se chama? — e nem esperou a resposta e completou: olha, não esquente não,
rapaz! Depois a gente calcula assim por alto e pronto. Vai comer e beber mais!
E voltou ao banheiro
para outro pigarro e outra cusparada. (A estas alturas, quem estiver por perto
da Marlene vai perguntar a ela o seguinte: “É isso verdade?” Aguardo a resposta
com a consciência tranquila do dever cumprido de contar um dos mil causos
inesquecíveis da vida do meu amigo José Vieira Reis.
É Zé Sana, mãe disse que esta era uma cena comum no Bar do Teia. Ah, e além dos pasteis não podiam faltar as famosas almôndegas. Abs Karine Reis
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