A questão é exatamente
esta: fomos sorteados para viver, depois de enfrentar longa fila como aquelas
famosas do antigo INSS (acho que hoje melhorou com as senhas).
A fila andava. O que
queríamos era uma oportunidade de viver no Planeta Problema. Fomos alertados:
"Você vai pegar pesado, se quer passar no teste da evolução pessoal;
se for reprovado, desce mais". Ficávamos indecisos: vamos, não vamos. Mas,
num belo dia, resolvemos ir e nascemos dentro de um útero. Brotamos. Começamos a vida dura propriamente dita.
Quando a parteira nos
pegou pelos pés, se tivesse alguém inteligente e incentivador na sala de parto teria dito:
"Força!" Mas ninguém toparia ser tão valente assim. Dão os parabéns
aos pais e dizem: "Lindo!" O lindo vai de peito aberto para as agruras do mundo. Ao
entrar na escola começa uma luta que nunca mais acaba. É por melhores notas no
colégio; é pelos elogios dos professores; é pela expectativa de uma prova, um Enem ou
Vestibular. A vida se torna um vestibular ininterrupto. Chega a hora de definir
o que seremos diante da sociedade: médico, advogado, dentista, professor, porteiro,
faxineiro, balconista, coveiro, desempregado, nada... Se perdemos tempo,
ficamos velhos e nada alcançamos.
Chegamos depois ao alto
do morro, o momento em que começam os declínios e as lutas tornam-se ainda mais complicadas. Daí pra frente é que o bicho pega.
Tornamo-nos frequentadores assíduos de hospitais, clínicas, consultórios
médicos, farmácias. Melhor seriam os bares, botecos, festas. Mas a nossa presença nas
áreas de saúde sobressaem.
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Charge de Júlio Campos (Diário de Cuiabá) |
Vai chegar a hora da
despedida. Cada um corre da morte o máximo que pode. Seres humanos, sempre
assustados, dizem, de olhos rútilos, de um para o outro: "Fulano
faleceu!" O outro responde: "Puxa! De quê?" Sabe por que querem
saber de quê? Está na cara: o sujeito tem medo deste "de quê" mais
que de morrer.
Parece hipocrisia tomar
o tempo para velar um morto em 24 horas.
Passado este “longo” martírio, esquecem rápido do pobre-coitado. É cruel!
Antigamente havia o luto. Hoje, o velório vira festa, como riem e contam piadas!
Na missa de sétimo dia quase não se lembram do grande lutador. Segundo Nelson
Rodrigues, de manhã a viúva está velando o marido; à tarde é vista na porta de
sua casa chupando chica-bom.
Só queria concluir:
vivemos assim com medo da morte pelo simples fato cientificamente comprovado:
não cumprimos a nossa meta, não executamos a função que nos foi delegada. Fazer
o quê? — alguém pode perguntar. Resposta: vamos descobrir enquanto é tempo.
Bora fazer alguma coisa por um mundo melhor.
José Sana
26/02/2020