É claro que Dom Mário Teixeira
Gurgel não era um santo. Claro também que tinha os declarados “inimigos”
políticos. Ele mesmo contou que uns próceres da vida pública itabirana foram a
Brasília pedir a sua saída da Diocese. Temos este e outros casos ou causos a narrar agora. Entre os
outros, um tal sequestro, negado por ele, além de uma tarde inesquecível no
Estádio Israel Pinheiro.
Com certeza, dirão os céticos, os quais existem às dúzias, ou resmas, que o prelado
nordestino-itabirano tinha as suas preferências partidárias e derrubava
candidatos até considerados invencíveis. Vamos acreditar que tal crença seja
verdadeira. Para tentar descobrir o segredo, fiz com ele uma série de
entrevistas, algumas publicadas na imprensa local.
DOM
MÁRIO, UM POLÍTICO?
A pergunta seguinte partiu de um
jornalista e a presenciei, bem como a resposta: “Dom Mário, o senhor demonstra
explicitamente que tem simpatia por um fulano candidato; é verdade?” Ele: “Fujo
definitivamente de levantar polêmicas, mas se me provocam me torno mais claro
na resposta; declaro com todas as letras: é lógico que tenho os meus candidatos
preferidos, mas somente Deus, a urna e eu sabemos quais são” — eis aí a sua réplica.
DOM
MÁRIO SEQUESTRADO?
Em outro tema, a pergunta partiu de
mim: “O senhor foi sequestrado um dia ou tentaram raptar o senhor depois de uma
missa celebrada da Catedral Diocesana de Itabira?” Resposta: “Não tenho
conhecimento deste fato, até porque não sou celebridade sequestrável. Pergunto:
haveria resgate e qual ou quanto seria?
Que vantagem levaria o sequestrador por manter-me em um cativeiro? Concluo, então, que não tem
fundamento esse rapto imaginário”.
Outros fatos ocorreram e tenho sugestões de amigos dele propondo-me continuar narrando a história do
clérigo. A proposta tem um aceite, desde que possamos montar um grupo e esse
trabalhar com afinco.
DOM
MÁRIO EM DIA DE GLÓRIA
E vou contar um fato em que fui um
coadjuvante. Briga entre nós — sim, ele, o cara e eu o insignificante — fizemos
sair faíscas de palavras no ar. Teimoso e
interessado na verdade, fui rude publicamente ao trocamos farpas
metafóricas. Segui um conselho dado por ele mesmo, até que Deus transferiu o
eterno lema de sua vida, suponho — “como aquele que serve” —para alguns minutos
de minha vida.
Tentando resumir: Silvério
Bragança, seu amigo número 1, nomeado por ele próprio, o bispo Dom Mário,
liga-me e me convida para filmar o Dia da Diocese, evento anual celebrado por
todas as paróquias. Tarde de domingo, 22 junho de 1986, 21 anos da Diocese e um
outro marco na família do titular .
Aceitei o desafio, era dos poucos
que tiveram acesso ao centro do gramado do Estádio Israel Pinheiro. Vinte mil
ou mais católicos se acotovelavam nas arquibancadas. Momento máximo da festa:
Dom Mário fala, ao vivo, com sua Mãe, Ana Alda Teixeira Guedes, que estava,
como sempre, no Ceará. A multidão caiu no delírio como se fosse um gol épico do
Valeriodoce contra o Botafogo, fato ocorrido em 17 de fevereiro de 1957 no
mesmo palco.
Nos alto-falantes ressoava o
carinho de Dom Mário pela genitora que,
coincidentemente, fazia aniversário: “Mamãeeeeeeee”, soltou ele retumbantemente
a voz, que percorreu todas as fontes auditivas ali presentes. Registrei
tais momentos e este especialmente,
dobrei-me, de joelhos ou deitei-me na grama, no palco, no alambrado, em busca de todos os ângulos possíveis. Num
instante ele, depois de alguns meses de inimizade, sorria para mim,
convidando-me a viver em paz, como se traduzisse o seu gesto floreado de
sorriso pacífico.
DOM
MÁRIO: “VOCÊ É UM CRISTÃO”
A festa terminou, edito a fita e
guardo-a, esperando o momento certo. Ligo para a residência do bispo uns dias
depois. A resposta vinda da casa
episcopal: “Pode vir hoje às 15 horas”. E assim aconteceu. Mas não entrei,
preferi entregar o objeto todo fechado num envelope a uma funcionária da casa.
Outro telefonema: ele me chamava para ver a fita com ele. Tremi todo.
Marcamos a data e, novamente,
encaminho-me à residência do prelado. Convida-me a uma sala. Liga a TV e o
videocassete. Assistimos em silêncio, que parecia, em cada momento um grito de
emoção. Para os costumes da época, era
eu um emérito carregador de câmera. No momento da fala dele —
“Mamãeeeeee” — agradeci a Deus por eternizar a sua felicidade. Gratificante.
“Eu não vou agradecer pelo que você
fez, mostrando a sua humildade no esforço de
filmar um momento importante de minha vida. Gesto muito espontâneo, muito bom que retribuo assim: “Você é um cristão legítimo!”
Se eu já estava mudo, fiquei engasgado.
Instante de ir embora, depois de um
café bem acompanhado. Ele me abraçou e repetiu as palavras, atribuindo-me o
título benemérito de “cristão legítimo”. Também não respondi, não agradeci,
nada fiz. Mas tinha a certeza de que
naquele momento nascia uma grande amizade.
A afetividade duraria, como durou e
dura, para sempre.
José Sana
Em 19/10/2021
Foto: Arquivo (Dom Mário em São
Sebastião do Rio Preto)
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