O telefone toca, atendo, e era um pedido, ou melhor, uma ordem. A ligação vinha do inseparável amigo de Dom Mário durante anos a fio, Silvério Bragança. Ele me pergunta se estou ocupado às 20 horas. A resposta: “Estou, mas não estou; ou melhor, faço-lhe uma pergunta: “O que me propõe fazer?”. Ele: “Às oito da noite você pode buscar Dom Mário em sua casa e levá-lo a um tal lugar?” (“Esse tal lugar” não vou revelar, desculpe-me quem eventualmente me lê). Outra resposta e minha afirmação: “Pode deixar que farei o que pede, com muito prazer”.
Às 19h45 estava eu em frente à Igreja de
Nossa Senhora da Piedade, no Bairro Campestre, já aguardando o bispo, que
também não se atrasa. Dom Mário entra no carro e, depois dos cumprimentos
protocolares, bombardeio-o de perguntas, entre as quais esta: “O senhor sabe
aonde vai?” Ele responde: “Sei sim, é num tal lugar assim, assim, assim”. As
perguntas continuaram de mim para ele que até mais tarde preocupou-se com elas.
Deve ter questionado de si para si: “Este moço nunca conserta!”
Seguimos com calma a curta viagem. Num
minuto, chegamos ao destino proposto. Parei na porta do tal lugar e ele me
pergunta “Você não vai descer?” Respondo-lhe: “Não”, e acrescento que o
Silvério ficou de cumprir a essa tarefa daqui a aproximadamente uma hora. Ele,
então, tenta rasgar um meio-verbo: “Quando você puder e caso queira, vá lá à
minha casa que preciso conversar com você”. Ok, dei-lhe a resposta ao assumir a
perplexa e impaciente curiosidade, tanto que no dia seguinte atendo o seu
pedido, toco a campainha no horário mencionado como possível, às quatro da
tarde mais ou menos.
Ele me acolhe sorridente ao abrir a
porta e me aponta uma cadeira: “Você veio depressa demais! Pelo seu jeito, acho
que não dormiu bem” (rs... rs ... rs...). Achei graça na frase e fui ao
possível assunto logo ao ocupar a cadeira: “O senhor está me condenando porque
fiz uma condenação?” Ele, que não era nada bobo, retruca: “Não estou condenando
porque não condeno ninguém; aliás, a questão clara é que você ficou se estranhando
por eu ir dar a bênção àquela casa”.
Fez bem clara essa explicação, ainda
mais extensa, que aceitei como fantástica. Realmente, me intriguei com aquela bênção um
pouco fora do padrão que eu seguia. Preferi não queimar as mãos e a língua, economizo essa
manifestação. Registro o seu maneiroso esclarecimento: “Olha, já foi o tempo em
que os padres e bispos deixavam até de visitar os que estavam na boca do povo
como maus; hoje, não, o esclarecimento que temos está no Evangelho, sintetizado
assim: ‘não julgueis para que não sejais julgados’; fique tranquilo que só
queria lhe dar uma orientação e digo que não faço parte de nenhum conselho de
sentença”.
Fecha assim o prelado a conversa que
parecia fora do contexto: “Não coma sal; evite essa malícia; use limão em seu
lugar e nunca mais reclamará que a comida está destemperada”. Realmente era
verdade, sal é veneno e pode ser substituído, principalmente porque requer
muita água como o julgamento sugere um incômodo de consciência.
Abraçamo-nos,. Que lição esplendorosa
tive naquela tarde! Considero-me um
privilegiado por receber tanta graça! Nunca mais esquecerei, embora possa errar
porque esta situação é humana. No meio da conversa havia lhe perguntado:
“Silvério buscou o senhor?” A resposta veio na ponta da língua: “Buscou, sim,
ele nunca falha”. Mais uma pergunta: “O senhor receitou-lhe limão no lugar de
sal para ele?” Seu imediato retorno: “Ele já sabe”.
Conclusão: sou um ser humano teimoso e pecador,
é claro que sou, mas um conselho sigo ao pé da letra: evito o sal, tanto de
cozinha quanto do dia a dia desde aquele belíssimo diálogo.
José Sana
Em 16/10/2021
OBSERVAÇÃO: Contagem regressiva do Centenário de Dom Mário Teixeira Gurgel está sendo publicada no Facebook de José Sana.
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