sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

EU QUERO UM CANTINHO NA ARCA DE NOÉ

A mineradora agora começa outra fase de dominação. Nossas historiadoras catedráticas já revelaram detalhes delas, incluindo invasão e segregação. A antiga CVRD  trata agora de anunciar, em áudios parecidos com o que vimos naquele filme “Fuga de Alcatraz”, que você e eu estamos debaixo de barragens inevitáveis e podemos ser levados na lama e tragados por ela, para aonde não se sabe.

O Comunicado Vale é uma nota de terror. Avisa, em voz de comandante de batalhão de guerra, que a partir da próxima semana, no mês de março, a população de Itabira será visitada por um grupo de... peraí... agentes da empresa em conjunto com, sabem quem? ... peraí... Defesa Civil de Itabira, ou melhor, a imaginária Defesa Civil. Ambos, agentes da Vale e Defesa Civil, vão salvar as nossas vidas, enquanto estivermos num trajeto de dez quilômetros da região denominada “Auto-salvamento”. Aprenderemos, entre outras utilidades, as técnicas de fuga.

Vamos aprender a fugir. Tomara que não nos ensinem a fazer atos deploráveis e, em seguida, sair em desabalada correria. Tomara que bandidos não se aproveitem disso e não façam doutorado e mestrado nessa especialidade imoral da escapadela. Se você tem mais de 60 anos, como é o meu caso, restar-lhe-á (desculpem-me a fora de moda mesóclise), ou a nós, entregar a rapadura, como dizem na minha terra. O Comunicado Vale, repito, é uma nota de horror. Só faltou a assinatura de um terrorista do EI.

Por que será que a Vale resolveu fazer isso agora com a gente? O primeiro terror era que o minério ia acabar, o tal recado de nome próprio “Itabira 2025”. Não acabou o pandemônio, mas veio o aviso de que o mercado não estava nada bom para o Sistema Sul e que ela, a nossa conterrânea Vale, nascida aqui e já foi chamada de mãe e até de madrasta, vai nos deixar, pesarosa e chorosa, em 2028. Agora ela manda essa nota que, juro, me fez tremer da cabeça aos pés.

Devo ser eu um despreparado para isso. Um babaca qualquer. Medroso! Que vergonha! Nessa idade toda e com medo de morrer sufocado... Sempre tive medo de ir à guerra, confesso. Nunca me alistei em exércitos. Aliás, quando fiz 18 anos, fui ao 11º Regimento de Infantaria, localizado na Rua dos Tamoios, em BH, perto do Colégio em que estudei, o Anchieta, hoje Newton Paiva.

Empurrado por emburrados cabos e sargentos para o pátio do dito 11º RI, exigiram que marchasse como um soldadinho de chumbo. Precisava de um documento de dispensa, por isso me sujeitei a essa humilhação cidadã. Os taróis tocaram e marchamos. Tentei não rir, mas, segurar como? Depois berraram o “Alto”, “Sentido”, e gritaram um “Direita Volvei”, em seguida “Esquerda Volvei”. Finalmente, “Descansar”. Em tal ocasião, precisei marchar errado, o que sabia fazer certo, para ganhar a dispensa chamada “Certificado de Reservista”, sem o qual papel, assinado e carimbado, empresa nenhuma me aceitaria como funcionário.

Foi um terror e agora outro terror se apodera de meus nervos. Naquele tempo temia ir para o Exército. Agora estão me convocando de novo. Quem diria! O medo não acaba. Alguém vai me acalmar, além dos agentes imaginários e inadmissíveis? Podem confirmar se a Arca de Noé, que salvou parte da humanidade nos tempos bíblicos, será de novo acionada? A Vale vai montar essa grande barca para salvar tantas e tantas milhares de vias? Será que tem lugar para todos nós? Quanto somos? Eu prefiro essa arca a ficar exposto a ordens de suspeitos e destreinados agentes.



Charge de Duke do Jornal O Tempo de 22/02/2019

Agora me vem um secretário do governo mineiro e diz que a operação “área de auto-salvamento” da Vale é um teatro para tirar o foco de Brumadinho arrasada, onde o número de mortos confirmados é mais ou menos a metade dos que se estima terem desaparecido, ou seja, cento e bordoadas. E vêm ainda os agentes da mineradora para nos ensinar a ouvir sirene (adianto que tenho problema de audição), ou será mesmo a trombeta do apocalipse que soará na calada da noite? Que noite é essa? E correr (ainda bem que minha perna sarou da dor no joelho). Subir em árvores ( já treinei muito esses dias). A solução é cair fora, vazar, como diz o mineiro. Não avisei que tinha coisa pior que exaustão mineral?

Não tem ironia neste texto. É tudo pura verdade o que rabisco de mãos trêmulas. Estou mesmo é com medo, volto a dizer. Seja o que Deus quiser. Espero que Ele prepare um destino mais agradável para todos nós, incluindo você que nem sei o que pensa.
 Amém!!!

JOSÉ SANA
22/02/2019

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