O Comunicado
Vale é uma nota de terror. Avisa, em voz de comandante de batalhão de guerra,
que a partir da próxima semana, no mês de março, a população de Itabira será
visitada por um grupo de... peraí... agentes da empresa em conjunto com, sabem
quem? ... peraí... Defesa Civil de Itabira, ou melhor, a imaginária Defesa
Civil. Ambos, agentes da Vale e Defesa Civil, vão salvar as nossas vidas,
enquanto estivermos num trajeto de dez quilômetros da região denominada
“Auto-salvamento”. Aprenderemos, entre outras utilidades, as técnicas de fuga.
Vamos aprender a
fugir. Tomara que não nos ensinem a fazer atos deploráveis e, em seguida, sair
em desabalada correria. Tomara que bandidos não se aproveitem disso e não façam
doutorado e mestrado nessa especialidade imoral da escapadela. Se você tem mais
de 60 anos, como é o meu caso, restar-lhe-á (desculpem-me a fora de moda
mesóclise), ou a nós, entregar a rapadura, como dizem na minha terra. O
Comunicado Vale, repito, é uma nota de horror. Só faltou a assinatura de um
terrorista do EI.
Por que será que
a Vale resolveu fazer isso agora com a gente? O primeiro terror era que o
minério ia acabar, o tal recado de nome próprio “Itabira 2025”. Não acabou o
pandemônio, mas veio o aviso de que o mercado não estava nada bom para o
Sistema Sul e que ela, a nossa conterrânea Vale, nascida aqui e já foi chamada
de mãe e até de madrasta, vai nos deixar, pesarosa e chorosa, em 2028. Agora ela
manda essa nota que, juro, me fez tremer da cabeça aos pés.
Devo ser eu um
despreparado para isso. Um babaca qualquer. Medroso! Que vergonha! Nessa idade
toda e com medo de morrer sufocado... Sempre tive medo de ir à guerra, confesso.
Nunca me alistei em exércitos. Aliás, quando fiz 18 anos, fui ao 11º Regimento
de Infantaria, localizado na Rua dos Tamoios, em BH, perto do Colégio em que
estudei, o Anchieta, hoje Newton Paiva.
Empurrado por
emburrados cabos e sargentos para o pátio do dito 11º RI, exigiram que marchasse
como um soldadinho de chumbo. Precisava de um documento de dispensa, por isso
me sujeitei a essa humilhação cidadã. Os taróis tocaram e marchamos. Tentei não
rir, mas, segurar como? Depois berraram o “Alto”, “Sentido”, e gritaram um
“Direita Volvei”, em seguida “Esquerda Volvei”. Finalmente, “Descansar”. Em tal
ocasião, precisei marchar errado, o que sabia fazer certo, para ganhar a
dispensa chamada “Certificado de Reservista”, sem o qual papel, assinado e
carimbado, empresa nenhuma me aceitaria como funcionário.
Foi um terror e
agora outro terror se apodera de meus nervos. Naquele tempo temia ir para o
Exército. Agora estão me convocando de novo. Quem diria! O medo não acaba.
Alguém vai me acalmar, além dos agentes imaginários e inadmissíveis? Podem
confirmar se a Arca de Noé, que salvou parte da humanidade nos tempos bíblicos, será de novo acionada? A Vale vai montar essa grande
barca para salvar tantas e tantas milhares de vias? Será que tem lugar para
todos nós? Quanto somos? Eu prefiro essa arca a ficar exposto a ordens de suspeitos e destreinados agentes.
Charge de Duke do Jornal O Tempo de 22/02/2019 |
Agora me vem um
secretário do governo mineiro e diz que a operação “área de auto-salvamento” da
Vale é um teatro para tirar o foco de Brumadinho arrasada, onde o número de
mortos confirmados é mais ou menos a metade dos que se estima terem desaparecido,
ou seja, cento e bordoadas. E vêm ainda os agentes da mineradora para nos
ensinar a ouvir sirene (adianto que tenho problema de audição), ou será mesmo a
trombeta do apocalipse que soará na calada da noite? Que noite é essa? E correr
(ainda bem que minha perna sarou da dor no joelho). Subir em árvores ( já
treinei muito esses dias). A solução é cair fora, vazar, como diz o mineiro.
Não avisei que tinha coisa pior que exaustão mineral?
Não tem ironia
neste texto. É tudo pura verdade o que rabisco de mãos trêmulas. Estou mesmo é
com medo, volto a dizer. Seja o que Deus quiser. Espero que Ele prepare um
destino mais agradável para todos nós, incluindo você que nem sei o que pensa.
Amém!!!
JOSÉ SANA
22/02/2019
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