quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

ARGUMENTOS DE UM DEFENSOR DA VALE E RESPOSTAS

Um longo texto circulou nas redes sociais nos últimos dias. Seu título: “UM DEPOIMENTO A FAVOR DA VALE  E DOS EMPREGADOS PRESOS”. Como se vê, esta sequência  da CATEGORIA DOCUMENTÁRIO teve que ser alterada em função de ocorrências que não estavam em nossos cálculos, relativas à vulnerabilidade das barragens, tendo como destaque o tema que abalou Minas Gerais, o Brasil e o mundo: o rompimento da Barragem de Brumadinho (MG).

O texto é abordado neste capítulo, considerando a sua repercussão e a necessidade de explicações. Vamos aos pormenores, deixando claro que a abordagem continuará no próximo capítulo.

UM LADO — Por que tanto ódio contra a atividade de mineração por parte do Ministério Público, da justiça, da imprensa, das ONGs e até da comunidade de uma forma geral?

OUTRO LADO  — Se existe o ódio deve ter sido provocado pela gravidade do problema: ceifou centenas de vidas, destruiu a natureza em muitos e muitos quilômetros e nem se sabe, por enquanto, a dimensão dos estragos. Há uma comoção pública pelo que aconteceu.

UM LADO — Por que reações como essas posteriores aos acidentes de Mariana e Brumadinho não ocorrem quando acontecem acidentes aéreos, por exemplo, ainda que com muitas mortes e até mesmo com a contribuição de falhas humanas? Talvez porque a sociedade entenda que a aviação é uma atividade necessária e que traz benefícios à todos, mesmo com riscos de acidentes ocorrerem? Assim, mesmo após um acidente aéreo de grandes proporções, praticamente nada acontece contra a indústria aérea e todos continuam viajando normalmente como se nada tivesse acontecido. E as empresas aéreas, mesmo que tenham contribuído de alguma forma para o acidente, acabam não sendo punidas.

OUTRO LADO  — Quando nascemos, recebemos na natureza uma sentença de morte. Ninguém a leva em consideração. A luta pela vida começa exatamente no instante em que somos gerados, crescendo sempre mais depois do nascimento. Viver é perigoso. Há um risco maior naquilo que podemos evitar, ou seja, que o que é chamado a atenção por prejudicar a saúde. Exemplos: ingerir bebidas alcoólicas, fumar, usar drogas,  consumir alimentos perigosos etc. Ao virarmos a Serra da Boa Esperança precisamos ficar atentos. As especialidades médicas que confirmem esta verdade. A aviação é um risco como a vida, como andar de carro é arriscado, como montar um cavalo idem. A mineração tem uma série de riscos que crescem como uma doença no seio da sociedade. Por agredir claramente a natureza, desequilibrar o meio ambiente, ela deveria e deve chamar mais a atenção. No caminhar do tempo ela se agrava. Daí a revolta dos que esperam maior desvelo das autoridades e das mineradoras.

UM LADO — Os danos ambientais causados por estes recentes acidentes são inegavelmente imensos, mas possíveis de serem minimizados e controlados, basta ver a situação atual da região afetada pelo desastre de Mariana.  Se compararmos com o agronegócio, os danos ambientais causados por ele  são muito maiores do que aqueles causados pela mineração. Um exemplo é o que acontece com o crescente e descontrolado desmatamento na região amazônica. No entanto, o agronegócio é festejado pela imprensa com mensagens como “agro é pop, agro é tech, agro é tudo”.

OUTRO LADO  — Vou recorrer a uma mensagem vinda de morador de Mariana que retratou a situação que essa pessoa vê... Leiam: “As comunidades ribeirinhas estão abandonadas. O povo padece. Muitos ficaram cegos, houve suicídios, número altíssimo de depressão, doenças de pele e outras, sem nenhum tratamento ou medicação. Sem ter o que comer e até como sobreviver. Pior. No início foi uma febre. Todos querendo ajudar. Depois caíram no esquecimento. Algumas igrejas evangélicas é que fazem um trabalho de missões junto aos totalmente esquecidos. Não pode ver somente a área central e as não atingidas como referência. O importante é acompanhar as atingidas. Essas, sim, estão em estado degradante. Nem prefeitura, nem Vale, nem governo, ninguém. Só mesmo Deus”.Narrada uma visão de Mariana. E o Rio Doce? Não é mais doce. E com ele degradou-se a biodiversidade à volta de todo o ecossistema.

UM LADO — Quanto às mortes causadas pelo rompimento dessas duas barragens, os números são absurdamente altos e definitivamente tudo que for preciso terá que ser feito para que outras mortes não aconteçam por motivo semelhante. A Vale tem por obrigação arcar com todos os custos decorrentes dos acidentes e a indústria da mineração como um todo não terá outra chance de errar. Devemos nos lembrar, porém, que uma grande quantidade de mortes, muito maior do que aquelas ocorridas em Mariana e Brumadinho,  ocorrem por descaso do poder público. Não é preciso ir muito longe apenas para citar o que acontece nas BRs 381 e 040 perto de Belo Horizonte, mas nem por isso o MP interdita as estradas ou manda prender os responsáveis, pois os seus membros entendem que estradas são necessárias, ainda que em condições precárias, e por isso aceitam correr riscos.

OUTRO LADO — O autor do texto se mostra com razão quando se refere à violência nas rodovias. Mas não pode culpar senão ao que ele não citou e cometeu tal erro: os políticos. São eles os verdadeiros culpados. Vê-se o quanto a corrupção vem se alastrando por este Brasil afora. Sabe-se que muitos milhões de dólares serviram até para grandes obras em outros países da América Latina. E somos nós, brasileiros, obrigados a engolir a explicação da falta de dinheiro, verbas, recursos. É bom que ele faça uma revisão no seu texto e inclua: presidente da República, ministros, senadores, deputados federais e estaduais, governadores, prefeitos e vereadores. Só não se explica — porque o erro, como o crime, não se justifica. As mortes prematuras são irreversíveis e só servem como exposição de mártires.

UM LADO — Por que então esse mesmo comportamento não se aplica à mineração? Será  porque pensam que ela não é tão útil para a sociedade como a aviação, o agronegócio ou o transporte  público? Será que os promotores  não se lembram de que o aço dos seus carros ou o tijolo das paredes de suas casas têm a sua origem na atividade de  mineração?

OUTRO LADO — Acredito que a resposta a esta questão foi dada no item anterior.

UM  LADO — Talvez nem todos saibam, mas não é possível mudar a localização de uma jazida ou mina e, por isso, nem sempre elas estão nos lugares ideais. Em muitos casos, como na cidade de Itabira, por exemplo, a mineração chegou primeiro e as cidades cresceram ao seu redor, sem que o poder público tomasse qualquer providência no sentido de garantir a segurança dos moradores.
OUTRO  LADO — “Itabira, na década dos 30, era uma cidade amável e pacata. A sua topografia acidentada dava-lhe um aspecto de presépio. Ruas tortuosas, calçadas de ferro, grimpavam a serra, com seus velhos sobradões coloniais, arrimando-se uns aos outros” (ALVIM, 1980. p.11).

“Itabira é uma cidade típica mineira; mineira de Minas Gerais e das minas de ouro, minério de ferro e pedras preciosas. Nascida no século XVIII com a exploração do ouro, Itabira consolida-se como uma cidade monoindustrial a partir da instalação da Companhia Vale do Rio Doce, em 1942, quando essa empresa passa a predominar na economia e a influenciar os demais aspectos da vida local.” (SILVA, 2004, p.22).

“Outra característica é que, quando a CVRD se instala, a cidade já se configurava como um espaço urbano construído a partir de atividades econômicas como a exploração (rudimentar) de ricas jazidas de ouro e de minério de ferro, siderurgia incipiente (pequenas forjas), agropecuária, indústrias têxteis, atividades culturais, dentre outras”  (SILVA, 2004, p.22).

“Apesar das narrativas sobre a história de Itabira acentuarem uma controversa estagnação econômica com declínio da exportação de ouro entre os anos de 1870 a 1910, a economia extrativista se manteve ininterrupta através das companhias inglesas, autorizadas a operar em Itabira desde 1820” (FERREIRA, 2025, p.61),

“De 1705 a 1942 temos os interesses econômicos e políticos imperiais circunscrevendo, inventariando, planejando, determinando e executando projetos para Itabira” (FERREIRA, 2025, p.65).
“Haverá uma terceira e diversa Itabira? Meu Deus, como me doeria responder sim à pergunta, e confessar que em 1933 o antigo menino da Rua Municipal foi encontrar a sua cidade habitada por um pelotão de velhos, que nada poderiam dizer, e por um exército de rapazes e meninas, para os quais não tinha nenhuma mensagem (FERREIRA, 2025, p.72 apud Andrade, 2002, p.574).

“Até a década de 1940, Itabira era uma pequena cidade com uma população urbana de 6.254  habitantes (rural de 11.792) , isolada no interior de Minas Gerais, apesar de possuir um espaço urbano e uma sociedade estruturada. Existiam várias escolas de primeiro e segundo graus, teatro, clubes, jornais e uma elite que acumulou riquezas com a exploração de ouro, de ferro e outras atividades econômicas” (SOUZA, 2007, p.43).

“Os bairros  operários  situavam-se próximos às minas de Conceição e do Pico do Cauê, obedecendo a uma lógica empresarial que disponibilizava e deixava  em prontidão os operários, trabalhadores essenciais ao funcionamento dos equipamentos industriais como> mecânicos, escavadeIristas, tratoristas, entre outros” (SOUZA, 2007, p.75).

“Para Piquet (1998), em Itabira, diferentemente de outras cidades, o espaço urbano não foi edificado em torno de instalações industriais. Foi a indústria extrativa que se instalou junto à cidade que se expandiu em decorrência da atividade da empresa mineradora.” (OLIVEIRA, 2008, p.39).

De acordo com as informações, o que todo mundo já sabia e sabe, menos o autor da defesa da Vale: Itabira tem mais de 300 anos, enquanto a Vale deve chegar aos 77 anos em junho próximo. E a invasão da mineração na cidade foi feita pela própria empresa. Então, fica incontestável a afirmação de que a Vale chegou muito e muito depois de Itabira e que promoveu a invasão, segregação e dominação.







PRÉ-CONCLUSÃO  —A Defesa Civil do Município de Itabira não tem nada a informar ou esclarecer à população, já que a Vale S/A garantiu aos vereadores que cumpriu suas obrigações legais ao entregar para a Prefeitura de Itabira e à Defesa Civil os Relatórios/Planos de Ação de Emergência das suas barragens em Itabira... (Nivaldo Ferreira dos Santos).

Em visita ao escritório da Coordenadoria Municipal de Proteção e Defesa Civil foi constatado que a Defesa Civil são duas funcionárias de plantão esperando chuva. Se a barra pesar, chamam quem pode para socorrer quem está n'água. Sobre barragens entendem menos que eu. Mas o pessoal de Serviços Urbanos vem e se confessa nas nuvens. Vamos procurar outra praia. Ninguém detém a Natureza em fúria (Cidadão A)

É urgente que a Prefeitura estruture adequadamente a Defesa Civil do Município e fiscalize efetivamente as barragens, elabore o Plano Municipal de Contingência para Barragens e cobre da Vale o apoio técnico e financeiro, que já está previsto em normas legais... (Nivaldo).

ANÁLISE E CONCLUSÃO — Ficam para o próximo capítulo depois da sequência deste tema.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVIM, Clóvis. Escritos Bissextos. Belo Horizonte: Vega, 1980, 176 p.

FERREIRA, Ana Gabriela Chaves. Mineração em serra tanto bate até que seca - A presença da Vale em Itabira para além do desenvolvimento dos conflitos ambientais. Belo Horizonte: TCC, 2015, 134 p.

SILVA. A Terceira Itabira. São Paulo: Editora Hucitec, 2004, 256 p.

SOUZA, Maria do Rosário Guimarães de. Da Paciência à resistência: conflitos entre atores sociais, espaço urbano e espaço de mineração. São Paulo: Aderaldo & Rothschild Editores, 2007, 176 p.
Fotos: Notícia Seca/Divulgação

José Sanas
20/02/2019

Um comentário:

  1. José Sana, Quem é OLIVEIRA citada em suas referências? Qual o nome da obra dela?

    ResponderExcluir