segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

NÃO SOMOS MESMO UM POVO SÉRIO

A palavra carnaval é originária do latim, “carnis levale”, cujo significado é retirar a carne e está relacionada com o jejum que deveria ser realizado durante a quaresma e também com o controle dos prazeres mundanos. Isso demonstra uma tentativa da Igreja Católica de enquadrar os festejos de muita libertinagem como uma festa pagã. Nos tempos atuais, começam distribuindo preservativos, o que quer dizer “façam à vontade”.


Seja como queiram interpretar, carnaval é mesmo algo ligado a orgias, perversão, comemorações por motivos diversos, fantasias, irrealidade. Tais festas sempre foram tidas como pagãs pelo cristianismo. Nessa concepção, havia a crítica da inversão de valores e das posições sociais, pois, para a Igreja, ao inverter os papéis de cada um na sociedade, mudava-se em 360 graus também a relação entre Deus e o demônio.

Não vou entrar nesse pormenor, mas apenas reafirmar que se trata de festa de júbilo, comemoração, alegria, busca da irrealidade. Vou apenas lembrar o tanto que foi repetida uma frase, atribuída a Charles De Gaulle, presidente da França, na década de 1960, referente ao Brasil, encaixada entre dois episódios. Um, de um quase enfrentamento entre Brasil e França devido a uma crise diplomática por causa de pesca da lagosta no litoral do Nordeste brasileiro; o outro episódio foi encaixado nos dias e até meses em que o ser (des) humano se mergulha em festas carnavalescas. De Gaulle teria proferido esta frase: “Le Brésil ne pas un pays sérieux” (O Brasil não é um país sério).




Quem se aventura em elevar esta frase ao patamar dos sentidos humanos sou eu e mais uma meia dúzia de seres humanos. Acreditamos que não deveria se realizar o carnaval, pelo menos em Minas Gerais, neste conturbado ano de 2019. Neste caso não me refiro ao carnaval custeado por dinheiro público, que nunca deveria mesmo se realizar. Trato neste momento da tragédia que atingiu, em cheio, o coração dos mineiros: o estouro da barragem de rejeitos de minério de ferro da Vale em Brumadinho, fato mundialmente chamado de  maior desastre ecológico e humano do Brasil em todos os tempos.

Quantas vidas se sucumbiram ao desastre? Não se sabe. Dizem que foram mais de 350, entre mortos e desaparecidos. Conversando com cidadãos que estiveram na região da tragédia nos últimos dias, comentários são frequentes de que entre 700 a um mil pessoas estão sumidas. Considero uma grande falta de inspiração não ter sido realizada ainda, de preferência sob o patrocínio da Prefeitura de Brumadinho, uma espécie de senso demográfico para se apurar, com segurança, quantas almas partiram para o além nessa tragédia incomum. E, enquanto isso não ocorre, teria que ser cancelado, como medidas de total respeito aos mártires que deram a vida há  um mês para que os possamos debruçar na realidade, refletir e decidir o futuro da mineração em Minas Gerais.

Podem me crucificar por escrever isto. Sei que a maioria não aprova tal ideia. Quanto mais opiniões contrárias surgirem, mais claro fica que carnaval é para momentos que merecem aplausos, comemorações, surrealismos. Está na hora, sim, de continuarmos com o choro pelas vítimas indefesas e tentarmos, pelo menos, tocar a sensibilidade dos que preferem dizer que a vida continua. Vão me pregar numa cruz simbólica quem me lê agora. Eu mesmo busco madeira, pregos, arame farpado, martelo e alicate. Vamos adiante. Mas engulam o que vou repetir: este, além de não ser um país sério, chega a sugerir que estamos  numa terra de animais desumanos e ferozes, que nem precisam viver uma quaresma para que se intitule bicho-homem. Completo e vergonhoso.

José Sana
25/02/2019

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