sábado, 23 de fevereiro de 2019

CABRITO VIRA CONSULTOR E AZUCRINA MINERADORAS

Até que enfim o Cabrito teve vez e encontrou uma colocação que pudesse lhe pagar na sua moeda corrente, fechos verdes de capim.  Faz mais de 50 anos que ele não consegue um emprego nem de contínuo de ajudante de serviços gerais. Agora se assusta com um convite inusitado: torna-se consultor para direcionar as iniciativas certas e incertas de mineradoras.

Quem o convida - e ele aceitou logo, logo, logo -  foi a conhecida empresa Companhia Rio do Vale Amargo (CRVA) que  havia detonado Mariana como ensaio de preparação. Então, resolve abrir as comportas de Brumadinho em ato solene e inesquecível. No primeiro evento, comandado diretamente de Bento Rodrigues, passagem da Estrada Real, houve um controle de situações: morrem somente 19 pessoas, mas milhões de peixes são punidos dentro da lei chamada “o justo paga pelos pecadores”, além de outros componentes da fauna e  toda  flora, até o oxigênio do então rico Rio Doce que se torna agora e oficialmente Rio Amargo. 

Porquanto, tudo desanda: sabe-se que padecem para sempre 176 humanos e praticamente o mesmo tanto desaparece no meio daquela lama insondável e infinita. Para a justiça dos seres humanos, o restante sumido não vive, mas também não morre, ou seja, encontra-se em lugar incerto e não sabido, no vale do muito antes pelo contrário ensinado pela classe política.

No seu primeiro dia de trabalho, reunido com os senhores proprietários de ideias malucas, o Cabrito deu a dica: vamos começar assim, assim, assim, assado, assado, frito, falado e dito. As  ideias nascem  de sua cabeça cheia de chifres, como os chifres de veados galheios, apontando em várias direções. Baseado no seguinte pensamento: a CRVA adota a sua estratégia, que se resume no anúncio de “O Capeta não existe, mas ele pode aparecer para você”. 

Pressionado pelos demais malucos das reuniões a explicar a sua máxima para detonar o mundo ele explica: “As barragens da CRVA são seguras mas elas podem estourar”. Complementando, o Mestre Capra ou Mestre Bode ordena  que todas as barragens ou juntados de água e lama sejam montadas com sinais de pavor. E explica: tudo ao mesmo tempo em Ouro Preto, Nova Lima, Rio Acima, Itabira, Araxá, entre outras cidades, para que todos saibam que a CRVA cuida de tudo.





Estado de emergência é o nome mais bonito sugerido pelo Cabrito, imediatamente aceito pela CRVA. Depois da invenção da sirene, inspirada na trombeta do apocalipse, a determinação seguinte é criar agentes de treinamento para o povaréu seguir. Serão adquiridas bolsas voadoras, muletas motorizadas e coletes à prova de lama, além de tapa ouvido de aço e dentaduras elétricas.

Os ares mineiros estão sendo saturados de áudios que comunicam o pavor: a partir de agora todos os seres humanos, habitantes próximos ou mesmo distantes das áreas de barragens, ou auto-salvamento, terão que aprender técnicas de fuga, nadar na lama, correr como Usain Bolt, driblar pedras e barrancos como Pelé e Garrincha faziam no futebol. As recomendações incluem idosos de todas as classes, de 60 a 100 anos; portadores de necessidades especiais; aleijados, perrengues e doentes de toda natureza, cegos de um olho ou dos dois, que correrão de bengalas, e surdos que serão cutucados por espetos de assar churrasco dos compridões.

Por enquanto, fica assim: vamos aguardar novas ideias do Cabrito, sabendo-se que ele não deixará um só local sem implantar pavor, terror, alarde, alarme, aflição, preocupação, medo, intimidação, agitação, turbulência e grupos de oração e súplicas religiosas. Assim vai funcionar a técnica de mostrar que a CRVA está trabalhando lado a lado com você e espera que todos esqueçam as desgraças havidas e vividas em Brumadinho. 

A ideia de Brumadinho esquecida lembra a filosofia de Nelson Rodrigues em uma das peças de “A vida como ela é”: “A viúva vela o marido de manhã; à tarde está na porta de sua casa chupando chica-bom”. O Cabrito ensina amnésia em todos os idiomas e cumpre o seu dever.

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