sábado, 23 de janeiro de 2021

O DIA EM QUE UMA VÍRGULA QUASE ME LEVA À PRISÃO

 Amigos e amigas, tenho recebido  algumas, ou muitas,  súplicas de pessoas conscientes, amantes da comunicação. Elas pedem que escreva e insista, ou até mesmo abra uma  campanha referente à importância de falar e escrever corretamente o nosso idioma pátrio. Principalmente, explique o dever de praticar a escrita correta. Alguns alertam: "A continuar como estamos, em breve teremos dialetos confusos que apagarão a nossa história e destruirão até a lembrança de nossos entes queridos". 

 Um amigo enviou-me mensagem assim: “Por que você não deixa de comentar política, ideologias, futebol, polícia e essas bulhufas que estão nos saturando? E passe a contar causos interessantes, reflexões de valor espiritual elevado? Fale, por exemplo, a este povo sobre a nossa Língua Portuguesa, maltratada e ultrajada, uma pobre coitada!” (até rimou).

 A sugestão caiu como uma luva numa recordação que me veio à mente. Acredite quem quiser, mas vai lá o meu pequeno conto gramatical que exigiu duas viagens de táxi em Belo Horizonte por causa e culpa de uma mera e valorosa vírgula. Vou narrar o que aconteceu.


Estou em 1995 na capital mineira, e sou diretor-editor da revista DeFato. Tinha ido levar o material para diagramação, posterior montagem de fotolito e, finalmente, impressão. Cumprida a missão, deixo tudo para incumbência da gráfica. Repeti a rotina durante 20 anos, mensalmente, alternando as façanhas de acordo com a evolução tecnológica.

O trabalho de impressão duraria dois dias. Então, peguei um táxi rumo à estação rodoviária para regresso à terra itabirana e tomada de novas providências, depois só aguardar um telefonema de “tudo pronto, vamos fazer o despacho”. Mas, desta vez, inesperadamente, ao comprar a passagem de volta a Itabira, veio-me uma dúvida atroz: faltou ou não faltou uma vírgula numa determinada frase, página, coluna? — Pensei com os meus botões e as orelhas cheias de pulgas.

Paguei a passagem que já estava pronta, corri ao “orelhão” e liguei para um encarregado da gráfica. Ele não entendeu  o meu pedido e nem localizou  o buraco de uma frase onde deveria enfiar a “danada da vírgula” (expressão dele). Ainda me chateou, falando isto: “Larga essa mixórdia pra lá, o povo nem sabe onde são colocadas as vírgulas!”. Discordei e decidi ir atrás da pequena cratera em que caberia tal sinal gráfico de pontuação no qual o certo seria assim: “Não, prenda o bandido!” E estaria ou não escrito isto: “Não prenda o bandido!” (Palavra de um delegado de polícia que me complicaria). Viram o sentido da pontuação? Pois é. Arrepiei-me dos pés à cabeça. Tive medo até de ser preso (risos).

Sinalizei para um táxi e retornei ao Bairro da Floresta, no endereço da gráfica. A máquina destinada à impressão estava sendo lubrificada para o ato de arremate. Cheguei a tempo e, sob gozações incríveis do pessoal da oficina, e reclamações do gerente, abrimos as páginas. Pedi a um impressor profissional que metesse a vírgula no espaço certo, usando uma caneta especial tipo Nanquim. E estava resolvido o problema que me tiraria o sono, além de ter que suportar chateações de uma meia dúzia de intelectuais atentos e de policiais.

De volta à rodoviária, minha consciência tornou-se leve como uma réstia de algodão. Esperei mais duas horas para um novo horário de ônibus, já que  tinha perdido a passagem. Mas quando me assentei na poltrona número 25, na “cozinha”, como dizem por aí, deu para puxar um sono de paz. Pensei comigo: “Sou apenas um zé-ninguém, mas pelo menos tento respeitar o nosso idioma”.

Este amor arraigado vem dos tempos de criança, orientação de minhas primeiras professoras. Elas me ensinaram a amar a Língua Portuguesa desta forma: “... na alegria, na tristeza, todos os dias de nossa vida” como diz o padre em cerimônia de enlace matrimonial.

José Sana

Em 23/01/2021

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