Atravesso a avenida e, mesmo de máscara, um cidadão me reconhece e me grita espalhafatosamente. Começo
a me zangar interiormente com tal figura, por um chamado assim descarado, leiloando
publicamente minha identidade. Mais ainda por desfiar meu nome próprio, de cartório e pia batismal, aos quatro cantos. Sou obrigado a
parar e a ouvir as suas ofensas a uma instituição chamada jornalismo, à qual me dediquei por um bom tempo na vida.
Ele esbraveja: “Inventaram os sites de informações que desinformam. Um diz que o
Coronavírus mata, outro que é uma 'gripezinha'; um anuncia a vacina e algum afirma que ela não imuniza; um fala em transmutação de vírus e seu oponente denuncia que é fake news. Nunca pensei que o jornalismo fosse chegar a este patamar de avacalhar
a nossa vida".
"O mais sério — continua — é que as informações quase sempre são incompletas e
delas dependemos para viver. Nós, leitores, tomamos nosso tempo, somos engolidos pela
publicidade também, e não temos respostas competentes para dirimir as dúvidas.
Dizem sempre que morreram tantos e a maioria omite nomes, como se morrer de Covid-19 fosse proibido”.
— Só isso? — chega a minha vez de urrar — assino tudo o
que você acaba de dizer, e afirmo que não sou atingido por estas ofensas — Desafogo-me do interlocutor com estas palavras de alívio, proclamando-me seu
seguidor incondicional. Palmas sapeco no ar.
Contudo, ele ainda desfere mais um tiro de canhão: “Por que você não escreve
mostrando esta balbúrdia que está vigorando por aí? Tome vergonha na cara e
escreva, cara!”
E ainda arremata: “Você é também responsável por isso! Precisa assumir e fazer alguma coisa. Cadê o seu blog Zé do Burro? Ou você é o Burro do Zé?"
Agora não entendo mesmo, já que sou um ex-jornalista, que escreve
por puro hobby. No entanto, como ele já está me liberando, aproveito para zarpar,
até porque sua máscara mostra-se muito usada e atravessa a periferia do rosto, geometricamente dilatado, deixando a
ponta do nariz de fora e a boca meio torta.
O sujeito, de observação escondida numa cara inescrutável, atrai-me a seu mundo de revolta com os meios de
comunicação abundantes neste país. As informações que arrebentam as vistas
e atingem os tímpanos são as mais
incompletas possíveis. Qualquer leigo percebe se essa ou aquela mídia pratica tal
e qual religião; a emissora imaginada é
socialista, outra de grupo capitalista, mais uma comunista; essa torce pro
Flamengo, aquela é Galo — quer dizer que nenhuma serve como fonte segura de informações.
O interceptador na avenida não sabe que sou do tempo em que
numa redação de jornal era proibido entrar adjetivos. O tempo passou e hoje
qualquer notinha de socialite, um mero rodapé de página, toda reportagem policial,
política ou econômica, qualquer uma começa e termina com qualificativos dos
mais ousados, de ambas as pontas radicais e nem são cercados de aspas. Manchetes de grandes jornais definem
o personagem como bandido, criminoso, ladrão, só falta sentenciar quantos anos ele
irá mofar na cadeia. Falta de respeito com a justiça e com o jornalismo
sério.
E quem acaba tirando proveito da abordagem inesperada sou eu. Que
apareça um nova leva de jornalistas, uma vanguarda profissional de informações sem rabo atado, que tenha como princípio uma linha sem compromissos, sozinha, separada, independente, imparcial, natural da
fonte.
Aproveito para transformar
esta paupérrima crônica — já que é pobre —
numa mixa publicidade de venda, ou troca por um burro de carga, ou por preço de banana, de sítio simples mas sério. Nome
dele: www.noticiaseca.com.br. Estou às ordens de quem desejar assumir esta secura.
Precisamos, urgentemente, ver, ler, ouvir e apalpar notícias secas
em toda a sua extensão. Ou, pelo contrário, proclamar um cale-se para sempre, que poupe a
nossa ignorância destemida.
José Sana
05/01/2021
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