Em setembro de 1997, como editor da revista DeFato, tive a oportunidade de entrevistar o médico santa-mariense, radicado em Itabira, Dr. Colombo Portocarrero de Alvarenga.
Em 2020, desrespeitando, reconheço, a exigência sagrada do tempo festivo de fim de ano, voltei a falar com ele e sua esposa, Eni Figueiredo de Alvarenga, 95 anos. Não era intenção manter esse contato extenso. Incomodá-los, mesmo sendo por telefone, devido à pandemia, foi um ato audacioso. Mas o casal e alguns parentes facilitaram tanto que se tornou possível e surpreendente o bate-papo. Por isso ficam aqui os agradecimentos iniciais aos seus parentes, os quais contribuíram com esta entrevista.
A
entrevista foi despretensiosa mas alcançou um resultado acima do esperado.
Publicada em 1997, neste fim de 2020 teve uma atualização quase automática. Ao
ser concluída, estampou-se clara não somente
do ponto de vista lucidez, como coerência imbatível nas ideias e ideais,
e na firmeza de convicções sobre, por exemplo, o futuro de Itabira e região. Ele é um homem da saúde,
fator que tanto preocupa quem ama a
cidade-polo, cuja história da medicina precisa ser reavivada e valorizada, a
exemplo do que se fez em 2016, quando a escritora Rosemary Penido de
Alvarenga publicou a obra “Morro
Escuro”, que narra a trajetória, também brilhante, do seu irmão e também
médico, Dr. Mauro de Alvarenga.
Colombo Portocarrero de Alvarenga nasceu em 17 de junho de 1921.
Eis a nossa conversa na íntegra:
José
Sana – Como
anda vivendo Dr. Colombo:
Dr.
Colombo –
Do mesmo jeito, só um pouco mais velho. Privado de algumas coisas por causa
desta pandemia, mas tocando o bonde pra frente e feliz.
J.S.
–
Isto é muito bom, uai.
D.
C. –
Sim. Nada a reclamar da vida, só agradecer.
J.S.
–
É uma nova e imprevisível ocorrência no mundo todo...
D.
C. –
Sim, a pandemia incomoda. A máscara
também, mas a gente se acostuma.
J.S.
–
O senhor jogou futebol, vôlei, praticou natação, fez intensas caminhadas, o que
mais? Acredita que praticar esportes sempre faz bem? E como vai Dona Eni?
D.
C. –
É claro! Todo mundo deve saber disto. E manter os bons hábitos. Eni está melhor
que eu, memória sempre ativa. O esporte contribui e muito. Eu era do time das coroas do Atlético. A turma
durou, com a minha presença, 40 anos. E ainda continuou.
J.S.
–
O senhor nunca teve problema que pudesse perturbá-lo?
D.
C. –
Tive, um problema de saúde quando tinha 82 anos, nas artérias mas superamos com a prestimosa ajuda do
cardiologista Dr. Cássio Duarte. No mais, nada no coração e outros órgãos do
corpo. E estou nada preocupado com a tal morte de que tanto temem, eu nunca
tive este temor.
J.S.
–
O senhor pode dar alguns detalhes da origem de Dr. Colombo?
D.
C. –
Nasci em Santa Maria de Itabira, na
Fazenda Morro Escuro. Sou 12º filho do casal Álvaro e
Haidée Alvarenga. Ambos tiveram, ainda, Osvaldo (advogado e juiz de direito),
Mauro (médico), Roger (dentista), Mozart e Acrísio (engenheiros), Alvito
(professor), Dalvo (o único dos homens que não estudou), Dinorah (professora de
Geografia), Iara e Haidée (professoras que não exerceram a profissão) e Alaíde
(que não estudou). Cheguei a Itabira aos cinco anos. Aqui fiquei esperando o
tempo passar.
J.S. – E depois?
D. C. –Depois,
influenciado pelo irmão mais velho, Oswaldo, fui estudar em Peçanha, mas não
demorei em retornar para terminar o primário no Grupo Escolar Coronel José
Batista, depois cursei o Ginásio Sul-Americano.
J.S.
–
Medicina na atual UFMG, formado em 1947,
chegou a Itabira em 1949 para trabalhar como médico na Acesita. Sabemos pela
nossa entrevista de 1997.
D.
C. –
Sim, você sabe de tudo. E fui levado para a Acesita, aqui em Itabira, pelo Dr.
Pedro Sampaio Guerra. Depois, não tanto pela minha vontade, Dr. Antônio Camilo
me levou para a Vale e lá fiquei durante 23 anos, até me aposentar.
J.S.
– O senhor tem boas recordações dos tempos da
Vale?
D.
C. –
Sim, sempre ligado ao operariado, tive o prazer de defender a classe menos
favorecida, me acusavam de dar licenças médicas a quem me procurava. Eu fazia o
seguinte: “Está doente? Vá descansar!” Mas nunca tive problema com isso. O peão
nunca teve vez na empresa estatal, discriminado até para aposentar-se. Uns
saiam com altos salários, outros recebendo vencimentos minguados. Por causa
disso, sempre fui e sou favorável à privatização, que fez a empresa obter
lucros, pagar mais impostos e acabar com as mordomias.
J.S.
–
O que o senhor acha do relacionamento da
empresa com Itabira?
D.
C. –
Teve grande melhora quando foram instituídas as legislações específicas. Criada
em 1942, poucos sabem que a Vale começou a pagar impostos quase na década de
1970. A empresa arrebentou com a cidade, construiu e demoliu bairros, fez o que
quis fazer, promoveu muitas injustiças contra o itabirano.
J.S.
–
A vida em Itabira era boa antes da Vale?
D.
C. –
Sim. Itabira era uma cidade muito agradável, bucólica, com clima e água
saudáveis e esnobava cultura. A gente andava pela cidade e via, por exemplo,
que havia um piano em praticamente todas as casas. Era uma notoriedade que nos
impõe saudade hoje.
J.S.
–
Vamos retornar a este tema ainda. Só gostaria que falasse um pouco de sua vida
no início, o exercício da profissão, os seus atos de caridade que todos
reconhecem e que o enobrecem como ser humano...
D.
C. – Nada fiz demais, a medicina no meu início era
muito complicada, começaram a surgir doenças novas, ou as mesmas conhecidas se
multiplicavam, e tínhamos que nos virar. Não tínhamos especialidades, a gente
era pediatra, ortopedista, cardiologista, parteiro, tudo ao mesmo tempo.
Enfrentamos uma doença muito complicada, o tifo exantemático, ou “doença do
carrapato”. Descoberta a cura alguns anos depois, mesmo assim continuou matando pessoas e, acredite, até hoje, já nos anos 2000, ainda pega um ou outro
desprevenido. Geralmente, o paciente procura o médico muito tarde e não dá mais
tempo de reverter a situação.
J.S.
–
O senhor disse: “ainda hoje” com referência ao carrapato. Isto é mesmo verdade?
D.
C. –
Sim. É uma doença do meio rural que requer tratamento imediato. As pessoas
demoram a tomar consciência dela, às vezes.
J.S.
–
O senhor atendia as pessoas sem cobrar em muitos casos. Como era mesmo o
atendimento?
D.
C. – Não havia nem SUS, ninguém tinha plano de
saúde, pagava a consulta quem queria ou podia. Eu atendia muitos necessitados e
nada cobrava, é claro. E sempre vivi recebendo donativos dos pacientes,
galinhas, ovos, verduras, frutas, muitos se sentiam gratificados e assim vinham
demonstrar seus sentimentos.
J.S.
–
O senhor disse, em 1997, que uma meretriz quis doar uma casa ao senhor...
D.
C. –
Sim, ela queria me gratificar por tratamento, fazendo-me seu herdeiro.
Ofereceu-me uma casa. Aceitei e encaminhei a doação ao asilo.
J.S.
–
O senhor prestava serviços gratuitos a grupos de pessoas, não é verdade? Por
exemplo, sou testemunha de que cuidava de crianças de uma entidade espírita, a
Associação “Nosso Lar”. Era influência
de sua esposa Eni e do irmão Oswaldo?
D.
C. –
Não era influência de ninguém, apenas das crianças que requeriam assistência.
Existiam muitos meninos e meninas no “Nosso Lar” dos saudosos Delcídio e
Marília Comunian e isso comovia qualquer coração. Eu os atendi durante mais ou
menos 16 anos, por aí, dentro de minhas possibilidades.
J.S.
–
O senhor já salvou quantas mil vidas?
D.
C. –
Nunca contabilizei este total, até porque não sei se fui eu mesmo o salvador
(risos), ou se foi a obediência e os hábitos dos próprios pacientes. Já cuidei
de muita gente e esse fato me deixa
muito feliz até hoje.
J.S.
–
Vamos à política. O senhor era da UDN, perseguida pela ditadura de Getúlio
Vargas. Como foi aquela época?
D.
C. – Getúlio era um nazista declarado e mudou de
posição depois que os EUA entraram na Segunda Guerra, fato pitoresco que hoje
seria um escândalo. Os combatentes brasileiros seguiam para ajudar a Alemanha
e, no percurso, houve a ordem getulista para mudarem de lado. Eles não tinham
culpa, eram obrigados a obedecer. E Getúlio acabou ficando do lado certo com o
desvio de rota.
J.S.
–
O senhor tem recordações vivas da ditatura Vargas (1937-1945), não tem?
D.
C. –
Tenho, sim, porque houve muita perseguição. Mas tratávamos tudo com humor.
Getúlio tomou o poder no Catete, aqui em Itabira fizemos um “baile de despedida
da liberdade”. Foi nosso último dia livre. Depois veio chumbo grosso.
J.S.
–
Compare as duas ditaduras – a Vargas e a Militar de 1964...
D.
C. –
A Ditadura Vargas foi infinitamente mais violenta, incomparável, apesar de que
ditadura nenhuma é boa para ninguém. Mas sofremos muito com o Getúlio no poder,
mesmo sendo por menos tempo que a outra.
J.S.
–
Como foi o senhor na política local? Sempre cotado para ser prefeito de
Itabira, esquivou-se e nunca quis aceitar. Por quê?
D.
C. –
Desilusão total com a política. Fui eleito vereador com Daniel Grisolia, este
apoiado pela UDN. Ao tomar o poder, o nosso partido mudou de lado, ficou contra
o povo e aí me enojei completamente da atividade política. Preferi ser médico
só, e cidadão.
J.S.
–
Com a Ditadura Militar, a UDN se juntou
ao PSD para formar a Arena. Isto fecha a sua revolta?
D.
C. –
Este foi um acontecimento sequente e indesejável, que mostrou ter sido eu
coerente na desistência. Antes, tivemos muitos problemas aqui em nossa cidade.
Na Ditadura Militar completaram a desordem acabando com todos os partidos e
criando Arena e MDB. Sabe em que lugar fiquei? Completamente neutro e distante
de tudo.
J.S.
–
Em 1972, Virgílio Gazire disse a mim que
em Itabira só ganhava a eleição o candidato que o senhor apoiasse. Concorda com
ele?
D.
C. –
Isso foi agrado dele, votei nele naquele ano, mas acho que fiz muito pouco, só
votei.
J.S.
–
Voltando ao assunto Vale-Itabira, a mineradora anunciou que vai embora em 2028.
Perdendo mais de 80% de sua receita, será possível haver vida em Itabira?
D.
C. –
Será possível sim, e acredito que a Vale vai participar desta reconstrução. No
mais, acho que no passado Itabira foi muito mais dependente da Vale do que
hoje. Temos já uma vida própria como
polo de saúde, educação, cultura, economia e pode surgir a qualquer momento uma
solução industrial, algo da área tecnológica. Sempre fui otimista em relação ao
futuro de Itabira e ainda confio em quem foi eleito, Marco Antônio Lage, em
quem tivemos o prazer de votar nas últimas eleições.
J.S.
–
Aí se confirma a receita de Virgílio Gazire sobre seu importante apoio. Mas,
repita isto por favor: o senhor e Dona Eni saíram para votar?
D. C. –
Sim, saímos e votamos no 40. Eu confiava na vitória
do Marco, mas os números acabaram me surpreendendo, foram acima do esperado.
Estamos torcendo por ele e por Itabira.
NOTA PÓS-ENTREVISTA E PÓS-POSSE
Foto: O TREM ITABIRANO/MARCOS CALDEIRA
José Sana
01/01/2021
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