terça-feira, 19 de janeiro de 2021

“TENHO VERGONHA DE SER UM SER HUMANO!”

Está aí, no título, a mensagem que recebi de um amigo um tanto quanto calado, introspectivo, cheio de mistérios, extremamente reservado. Ele fez uma interligação do irregular verbo ser, que significa existir, no caso com o substantivo ser humano, mesmo sem conhecer a gramática portuguesa e autodenominar-se analfabeto total.

 Os porquês vieram de explicações pela sua inarredável desilusão. Disse-me que mandaria sua filha contatar-me e revelaria seus motivos cruciais. Ela o atendeu e, mais tarde, identificou-se  como Maria para retransmitir o pensamento do pai. Anotei:

 “Sei que há milhões, ou bilhões de anos, o homem labuta na face da terra para sobreviver. A partir desta consciência, esse selvagem, no início, decidiu que lhe era imposto enfrentar o semelhante também saído de uma toca.

 Fiquei mais curioso e decidi fazer-lhe perguntas. Maria, escolada, continuou a responder pelo pai, que mandou explicações de sua cabeça, sempre demonstrando senso de observação sensata e aguçada, lógica, coerente.

 “Passamos por várias fases — continuou a filha de meu amigo — e sempre guerreando, preparando armas cada vez mais sofisticadas e mortíferas, até chegarmos ao inadmissível instante maléfico do Coronavírus, essa pandemia que nos assola. Antes, como exemplo para o mundo, testemunhamos, via rádio e jornais, o ataque final da Segunda Guerra, quando os Estados Unidos atiraram bombas mortíferas sobre Hiroshima e Nagasaki, no Japão, inacreditável demonstração de selvageria acima do normal".

 “A ideia de debater, ser contra, combater, armar-se, estar afiado, pronto para o ataque, discordar, ter um lado radical para nele se postar, ser radicalmente contra tudo, sempre foi característica do habitante do Planeta Terra”, completou Maria, acho que Do Bom Senso.

 E eu, que estava assentado, lendo e ouvindo a intérprete de meu amigo X, que me pediu para não citá-lo em crônica, deitei-me, estarrecido e aturdido com a singeleza e sábias palavras, ditas com propriedade por um reconhecido analfabeto. Queixo caído, continuei deitado, contemplando o teto. Ele havia me confessado que no fim da Segunda Guerra Mundial tinha lá seus 12 anos, por aí, e sabia das notícias pelos avós e pais. Achava os responsáveis pelo conflito, Adolf Hitler e Benito Mussolini, cruéis e irresponsáveis, mas pensava consigo mesmo: “Será que não topariam fazer uma mesa redonda e resolver tudo na paz já que Nazismo e Fascismo eram para eles desejo de implantar um império mundial?”

 Reforçou histórica e filosoficamente: “O homem criou, inventou, desenvolveu, resolveu problemas inacreditáveis, mas tudo materialmente. E, fisicamente, chegou a uma situação que não lhe permite ter a coragem de encarar a verdade nua e crua: retrocedeu mil anos por 365 dias durante longas jornadas. Evitou guerras? Não, só as cancelou temporariamente e continuou armado. Buscou a paz? Não, somente por uns tempos, mas sempre pensando em lutas, terror, conflitos, revoluções, golpes, tocaias, ataques, covardias, destruição”.

 Maria vai finalizar, peço ao amigo que ela interpreta um fechamento de seu desabafo e ela me atendeu por ele: “O que fez de bom esse habitante do mundo? Nada no sentido objetivo da expressão. Praticou calculadamente o verbo dividir em tudo, separando patrão de empregado, homem de mulher, pais de filhos, criou ideologias torpes e insignificantes, discordou e discorda  sempre de quase tudo, nunca percebe o quanto erra e suicida-se ininterruptamente, de tempo em tempo”.

 “Agora este homem estarrece o mundo e chega ao cume da ignorância: enfrentamos  uma pandemia de quase um ano de ataque à humanidade, o Coronavírus ou Covid-19 e, devido ao ignominioso costume de ser dono de  opinião dita própria (e não é nada disso!), não tem sequer humildade para conversar, debater, ceder, compreender, reconhecer sua fraqueza e recolher-se à  sua insignificância devida ou desfaçatez cruel”. E só.

 Conclusão: agradeci a voz da experiência sem graduação, pós-graduação, mestrado, doutorado, PHD, e pedi perdão por mim e pelos desagradáveis negativistas de ambos os sexos ou de vários lados que vivem por aí pecando como idiotas perdidos.

 E meu amigo X ainda comparou-nos a pelo menos três burros que puxam uma carroça para três direções distintas. Não saem do lugar, não cedem mas arrastam as rédeas cada um para o seu devido ou indevido rumo. 

Somos esses animais irracionais atrelados?

 José Sana

19/01/2021

Um comentário:

  1. Somos sim. E sem noção que rumo gostaríamos de tomar, caso a "minha força" fosse a vencedora. Sou idiota, apenas por ser humano.

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