Diálogo
que gravei na fila diária de loterias que estão cada vez mais extensas por aí:
Um paciente frequentador
de filas lotéricas resolveu abrir uma conversa considerada proveitosa no final
e que merece atenção. Dirigindo-se a um amigo nas mesmas condições de pagador
de contas, fez a pergunta que estava entalada em sua garganta?
— Me explique
aqui, moço: por que você vai votar no Bolsonaro?
— Vou te contar,
rapaz... Foi assim: faz um bom tempo, estávamos ainda longe das eleições, uma
de minhas filhas chegou junto a mim e disse: “Pai, eu não voto no Bolsonaro”. Fiquei
calado, nem sabia quem era esse tal de Bolsonaro. Pensei até que fosse uma
onça, ou cobra venenosa, algo assim.
— E aí?
— Aí aconteceu o
seguinte: passado mais um tempo, ainda longe das eleições, minha filha voltou a
dizer, agora também à mãe, a mesma frase: “Eu não voto no Bolsonaro”. Eu,
curioso, perguntei logo e quis saber o segredo: “Por que, minha filha, você não
vota no Bolsonaro?” Ela explicou que “não voto no Bolsonaro porque o meu
namorado também não vota, a irmã dele não, a outra irmã também não”.
— Conte o resto
da história, moço! — insistiu o colega de fila da loteria.
Foto: Divulgação |
— Dia deste eu
não havia ainda escolhido candidato algum. Só carregava aquele palpite, a
síndrome que se criou em mim. Por causa da conversa com a minha filha só tinha
em mente que nesse Bolsonaro seria arriscado votar, pois ele deve ser uma cobra
venenosa. Aí, resolvo perguntar a todos que estavam reunidos para o almoço de
domingo: “Em quem vamos votar para presidente, pessoal?” Minha filha respondeu:
“Eu não sei ainda, meu namorado também não sabe, mas só tomamos uma decisão: “Não
vamos votar no Bolsonaro”.
— Cara, estou
cada vez mais curioso e quero o fim desta pendenga porque está chegando a minha
vez de ser atendido ali no guichê. Afinal de contas, o que deu o seu diálogo
com a sua filha?
— Agora o papo
acabou de vez, meu amigo. Resolvi chamar a minha filha e o namorado dela para
uma conversa. Abri o verbo: “Vamos decidir em quem vamos votar?” Eles toparam e
foi proveitosa a conversa. O meu futuro genro (se Deus permitir) bebeu um copo
de água, franziu a testa e pareceu subir numa tribuna, consertou a gola da
camisa e soltou o verbo: “Não vamos votar no Bolsonaro porque ele vai mudar
tudo. Ele disse que vai acabar com as nomeações políticas nas estatais, que o
seu critério será técnico e que vai sumir com esses 20 mil apadrinhados que
mamam descaradamente; afirmou que vai reduzir o número de ministérios, que vai
agir rápido porque deixar para depois vai emperrar o seu governo; ele quer
desregulamentar a burocracia para que mais empresas sejam abertas, quer
privatizações e concessões amplas e pensa logo em reformar a Previdência, veja
que maluco!”
Meu futuro genro
(Deus queira que dê certo o casamento) prosseguiu na sua costumeira eloquência,
até que é um bom rapaz:
“Bolsonaro
deseja modificar a política de financiamentos pelo BNDES, ele defende conceder
empréstimos com menores valores para o maior número de empresas, eu li isso
hoje no Folha de São Paulo; Bolsonaro quer acabar com os “Mais Médicos”, que
trazem profissionais de Cuba, vai exigir que eles façam exames rigorosos para
atuar na Medicina, a Revalida, como o fazem os brasileiros, que coisa, hein?
Por que não ajudar os cubanos?”
Ingeriu mais um
copo de água e continuou:
“Agora, veja
mais um absurdo: com Bolsonaro, em quem não votamos, haverá uma aproximação com
os Estados Unidos, afastados pelo governo do PT por questões ideológicas.
Bolsonaro, esse maluco, considera que os EUA são a maior economia do mundo e
sempre deu certo o Brasil relacionar-se com o país do Trump. Bolsonaro quer
mudar a relação com o Mercosul. Diz que o acordo entre os países atrasa o
desenvolvimento econômico do Brasil. O que é de estarrecer: ele quer dar força,
apoio, dinheiro para a Operação Lava Jato e disse que por ele Lula mofará na
cadeia para o resto da vida. Esse cara precisa de um tratamento médico e
psicológico”.
Empolgadíssimo,
não mais que eu àquela altura, encerrou:
“Até em
Segurança Pública ele quer mudar e diz claramente que haverá alterações
radicais, a começar pela valorização das polícias, com mais investimentos e
apoio do Estado. Logo essas polícias que matam sem parar. Não quer o Bolsonaro
ações do MST e MTST, como esse humilde povo vai viver? Garante que vai cortar
as regalias e benefícios que esses movimentos têm e olhe, esse Bolsonaro é um
louco!”
— E acabou?
— Acabou, sim,
eu apertei a mão de meu futuro genro (talvez seja porque o Brasil corre o risco
de melhorar) e beijei e abençoei a minha filha. Disse a eles: “Eu não quero
mais ouvir nenhuma palavra. Agradeço pela orientação que me deram: meu voto é
desse tal de Bolsonaro, e vou sair por aí dizendo que nunca o Brasil teve um
candidato tão bom como o Bolsonaro. Tenho fé em Deus que ele vai ganhar e nos
livrar desse estado de coisas em que vivemos”.
Todos os que ocupavam
as filas da loteria bateram palmas para o diálogo. E só tinha um que não votava
em Bolsonaro, mas adiantou: “Domingo que vem, dia 28, vou viajar e pretendo
justificar a ausência. Não faço parte desse conluio nem para consertar nem para
atrapalhar o Brasil”.
José Sana
22/10/2018
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