quarta-feira, 31 de outubro de 2018

A VALE E EU: DEZ ANOS DE VIDA PARA CADA UM

Parece trama do destino. Em 28 de maio de 1966 eu era admitido como funcionário da Companhia Vale do Rio Doce. No dia seguinte, meu primeiro dia na empresa, mandaram-me para participar de uma palestra no escritório do Areão.

Saí chocado da palestra. Um graduado, que seria meu chefe durante um certo tempo — e, por ironia do destino, eu chefe dele quase no final de minha passagem na mineradora — declarou de alto e bom tom: “A nossa grande mineradora pode acabar depressa, porque todos sabem que minério não dá duas safras”. Todo o meu entusiasmo em ser servidor da respeitada estatal, que pagava, segundo o próprio povo de Itabira, “o burro do dinheiro”, esmaeceu-se.

De volta à pensão onde morava na Rua Água Santa, dos saudosos Carolino e Dona Lilice, caminhei pensando na dor que seria o fim da Vale. Uma conclusão desanimadora estampava-me aos olhos, logo quando havia passado muito tempo procurando emprego em vão. Cheguei a resmungar com o meu colega de quarto na pensão: “Comecei a trabalhar hoje e hoje disseram que posso perder o emprego”.

A Vale não acabou, pelo contrário, cresceu. Itabira, na altura de minha chegada, estava recebendo um enorme contingente humano, diziam que se amontoavam  na cidade  nada menos que uns 30 mil funcionários de empreiteiras para o trabalho na construção do Projeto Cauê. E ainda esperavam durar muito tempo a superlotação itabirana, porque, depois, seria a vez do Projeto Conceição. Itabira despontava-se no cenário regional como uma rica cidade-acampamento (continua, em parte, com esse trágico apelido). Sem infraestrutura de saúde, educação, moradias, começava a registrar-se alto índice de criminalid





O tempo passou, chegamos a uma época em que pararam de falar em exaustão, aí foi que surgiram os nossos arranha-céus, depois retornaram o projeto “Itabira 2025”. Finalmente, a Vale que, mesmo que muitas pessoas não admitam, deu o alarme de  dar adeus em 2028. Curioso é que promete reconstruir praticamente uma nova cidade, mais progressista e Itabira não crê ou parece não levar a sério.

Quem não viu ainda deve ver um vídeo que contém a seguinte mensagem:  “Não é da morte que a maioria das pessoas tem medo, mas de chegar ao fim da vida e perceber que nunca viveu de verdade”. O encerramento de cada ciclo é, com certeza, inadiável. Só não se sabe ainda o que há depois: a vida continua ou termina?

Na semana passada um de meus médicos (tenho cinco, não, são seis)  me disse que vou viver mais dez anos. Falei para ele que uma década para um ser humano representa  muito tempo, algo parecido em ser longevo. Frente a frente com o o calculador de meu empo de vida, fiz uma comparação de meu tempo de vida útil com o de Itabira. É muito pouco, ou nada, a Vale durar somente dez anos.  Imaginando a coincidência do destino em me dar a mesma durabilidade à da mineração a partir da data de minha admissão na empresa, 52  anos depois, saí do consultório achando-me mais importante que a Vale.

José Sana

Em 31/10/2018

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